14 de maio de 2024

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Performance e Saúde admin 10 de março de 2015 (0) (59)

É bom acelerar a recuperação?

A base do treinamento físico é a alternância de ciclos de carga e recuperação. Ao mesmo tempo em que é necessário calcular a carga ideal para o treino de cada corredor, também é preciso estimar o tempo de recuperação necessário entre os diferentes estímulos, de forma que o processo de melhora da performance avance da forma mais rápida e segura possível.
Na medida em que as diferentes técnicas de treinamento (carga) se popularizam, muitos atletas tentam se destacar dos demais, acelerarando o processo recuperativo. A lógica é bastante simples: se um corredor consegue se recuperar mais rapidamente entre uma sessão de treino e outra, logo ele irá conseguir tolerar cargas altas com mais frequência, e assim conseguirá evoluir mais rapidamente que seus adversários.
Esta linha de pensamento levou à criação de uma grande variedade de "métodos" ou "terapias" que visam, cada um de sua maneira, acelerar a recuperação pós-treino. Veja abaixo alguns das principais estratégias utilizadas por corredores, e saiba mais sobre os fundamentos (ou não) de cada uma.

ESTRATÉGIAS
Trote de fim de treino: Normalmente ninguém questiona a necessidade do trote de fim de treino – aquelas voltas lentas na pista após a série principal ou uma corrida bem leve no parque ou rua em que se treina. No entanto, não existe um corpo de evidência que aponte qualquer benefício a longo prazo em se realizar esse trote. Na verdade, parece ser muito mais uma questão ritualística, por assim dizer, do que qualquer outra coisa.
A grande maioria dos treinadores reluta em acabar abruptamente uma sessão de treino, preferindo por uma "volta à calma" gradual. Existe também o argumento de que o trote final serve como uma forma de complementar o volume total de treino, e como uma forma de treinar o corredor a correr com as pernas cansadas, mas este é um objetivo que foge da discussão atual. Do ponto de vista da recuperação entre sessão de treinos, isoladamente, o trote final não parece conferir nenhuma vantagem ao corredor.
Massagem: A massagem seria uma forma de aumentar o fluxo sanguíneo local e assim acelerar a remoção de metabólitos da musculatura, entre eles o lactato. No entanto, apesar da massagem até aumentar o fluxo sanguíneo da pele, nunca foi demonstrado que o fluxo sanguíneo da musculatura em si aumente. E ainda que fizesse alguma diferença, estudos também apontam que sessões de massagem não elevam a velocidade de remoção de lactato ou qualquer outro sub-produto da contração muscular.
Gelo e terapias de imersão: A teoria por trás do uso de gelo ou imersão (em água fria, por períodos que variam de 5 a quase 30 minutos) é a de que a exposição ao frio reduz a inflamação e o inchaço muscular, e assim reduz a dor pós-treino, acelerando o processo de recuperação muscular. Apesar deste efeito analgésico efetivamente existir, uma análise recente envolvendo os dados de 17 estudos e mais de 350 participantes revelou um efeito muito pequeno para a redução de dor pós-treino com o uso de terapias de imersão. Em média, os níveis de dor muscular pós-treino caíram 0,5 ponto em uma escala absoluta de 0 a 10.
Medicamentos anti-inflamatórios: O uso indiscriminando de anti-inflamatórios é em si um risco à saúde do corredor e de qualquer outro atleta, o que já é motivo suficiente para que a prática seja desencorajada e repreendida. Não bastasse isso, o consumo de anti-inflamatórios ao final de cada treino foi relacionado à atenuação das adaptações ao treino, e não à melhora delas. Além disso, os benefícios dos anti-inflamatórios (a curto prazo, é importante salientar) são mais visíveis apenas após cargas extremas de exercício para as quais o organismo não está preparado, como no caso do corredor que resolve fazer uma maratona sem ter treinado adequadamente e no outro dia quase não caminha. Estas situações extremas, no entanto, são pouco frequentes na rotina de corredores e atletas bem treinados.
Roupas de compressão: O uso de vestimentas de compressão já foi moda; hoje o movimento perdeu um pouco da força da novidade. Uma meta-análise muito recente, no entanto, ao analisar os resultados combinados de 12 estudos diferentes, demonstrou que o uso de vestimentas de compressão durante e após a prática esportiva resulta em efeitos moderados de aceleração de recuperação de força muscular e diminuição de dor pós-treino. Estes estudos, entretanto, levam em conta apenas os efeitos de uma única sessão extrema de atividade física, preparada especialmente para gerar dano muscular e dor, o que normalmente foge à rotina de um corredor. Além disso, os efeitos de longo prazo desta "aceleração" do processo de recuperação também não foram investigados.

SEM DOR, SEM GANHO
Existem diversas outras "modalidades" ou "terapias" que visam acelerar a recuperação entre treinos, como sessões de alongamento, estimulação muscular e até mesmo terapias envolvendo o uso de lasers, mas nenhuma delas com resultados efetivamente promissores. Qual o problema, afinal?
Em primeiro lugar, parte do problema é que passamos muito tempo focando nos temas errados. Hoje já se sabe que o acúmulo de lactato ou acidez do sangue são fatores que não afetam a recuperação muscular, por exemplo, pelo menos não entre uma sessão de treino e outra.
Assim, qualquer intervenção que tenha por objetivo central "diminuir a concentração de lactato" e "acelerar a remoção de sub-produtos da contração muscular", ou qualquer palavreado parecido, está por definição fadada a falhar, ainda que funcione. Em segundo lugar, e possivelmente mais importante, está o fato de que os processos inflamatórios que levam ao desgaste pós-treino estão intimamente relacionados (se não forem os mesmos…) ao processo de adaptação muscular ao treinamento.
Dessa forma, qualquer tentativa de reduzir a inflamação (gelo, água fria, anti-inflamatórios etc) irá inibir o processo crônico de adaptação, ainda que de forma aguda permita uma recuperação mais rápida entre duas ou três sessões subsequentes.
Voltando ao início do texto, as adaptações ao treinamento são fruto da combinação de ciclos de estresse e recuperação. Aparentemente, a maioria das tentativas de alterar o lado da balança que lida com a recuperação implica também em reduzir o peso do estresse, mesmo que este não fosse o efeito desejado. É o ditado no pain, no gain ("sem dor, sem ganho" em tradução livre) na sua forma mais pura.

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