POR ROGER FERRÃO WEBER | @rogerfweber
A maratona de Boston iniciou para mim há cinco anos quando eu estava na periodização da minha primeira maratona. Nas primeiras semanas do ciclo, li o livro “Boston: a mais longa das maratonas”, do Sergio Xavier Filho, e após a leitura coloquei na cabeça que iria treinar muito para correr a mais famosa maratona do mundo, haja o que houvesse.
De lá para cá consegui o índice cinco vezes, mas somente para a prova de 2024 consegui aplicar e entrei por 21 segundos, em virtude de o ponto de corte ter ficado 5min29s abaixo do tempo do índice.
Então chegou 15 de abril, dia da 128ª Maratona de Boston. Larguei às 10h a uma temperatura superior a 14 graus, quente para o período em Massachusetts, mas tranquilo para quem realizou a periodização no alto verão brasileiro, com temperaturas superiores aos 26 graus.
A largada em Hopkinton foi extremamente comovente com a homenagem às vítimas do atentado ocorrido em 2013 seguido do hino americano. Me chamou a atenção que os moradores próximos à largada estavam em frente a suas casas vibrando e apoiando os atletas, fosse com água, curativos, café, filtro solar e muitas palavras de carinho e alento.
Dada a largada, você inicia a prova em uma descida, que dura aproximadamente uns 5 km. Se não mantiver a calma e “segurar”, pode comprometer todo o resto da sua prova. Até o quilômetro 25, a prova chegando na cidade de Wellesley, foi tudo muito “tranquilo”. Você acaba passando por mais pontos de descidas do que leves subidas, e classifico isso como 25 km mentais, em que é necessário ter a consciência de equilibrar o ritmo, pois as subidas virão ali na frente e não irão perdoar aqueles que não respeitaram este equilíbrio inicial.
Nesse trecho, como na prova inteira, o público se reveza para também distribuir água, balas típicas de alcaçuz, laranja cortada, além de estenderem o braço para o famoso “ hi five”, e, para mim, o mais brilhante: as crianças das formas mais criativas faziam seus cartazes personalizados, com frases e desenhos de apoio. A felicidade delas quando você tocava em suas mãos representa a cultura e o tamanho da prova e o esporte do local. Realmente algo comovente e que arrepia.
Feito isso, na milha 16 inicia a primeira das quatro subidas complexas da prova. O público, ciente disso, entende o momento e se concentra ainda mais nestes pontos, aumentando o som dos gritos e de fato fazendo com que os corredores não percam muito o seu ritmo na hora de subir. Eu estava muito bem treinado e sabia que seria inevitável perder ritmo nas subidas, mas o mais importante é controlar as leves descidas após a subidas (vi muitos atletas com problemas musculares).
Para vencer esta altimetria e suportar as descidas, realizei um estudo e trabalho muscular específico para que a agressão fosse contida dentro do possível. Obtive sucesso na prova, pois realizei esse reforço alinhado à fisioterapia preventiva, e por óbvio, ao treino de corrida em lombas e descidas durante minha periodização.
Na milha 18, quase chegando na cidade de Newton, você passa pela segunda grande subida, a qual classifico como muito desafiadora, pois a partir dela muitos atletas encontram o “muro”. Tentar desempenhar seu ritmo com quase 30 km nas costas é uma tarefa muito árdua e que exige uma preparação adequada e específica, e se você não está preparado a “quebra” poderá vir seguida de problemas musculares, que também podem lhe fazer desistir da prova.
A terceira subida está situada entre a milha 19 e 20 (km 32). Esta acaba apavorando um pouco menos, pois a anterior é mais desafiadora e você passa por ela sem maiores problemas. Ressalto que o apoio ensurdecedor dos espectadores ajuda a amenizar a dificuldade.
Seguindo a prova, e se aproximando do km 34, a tão temida e extensa subida chega: a Heartbreak Hill. Com ela, o maior desafio da prova, pois naturalmente em uma maratona plana você está chegando no ponto crítico da prova (só que em Boston você precisará subir esse trecho crítico).
Consegui: venci a quarta subida da prova. Mesmo com a musculatura dando sinais de alerta, lembrei do planejado, e mantive a estratégia de subir de forma equilibrada, e no plano retomar o ritmo de forma progressiva. Quando você chega ao final da Heartbreak Hill há uma grande placa parabenizando os atletas por vencerem o trecho e apoiando para seguir em frente e cumprir a prova.
A partir do km 35 até o final você passará por mais descidas do que leves inclinações. Por isso é muito importante buscar o equilíbrio de ritmo nesse final de prova, pois, com o corpo bem desgastado, acredito que descer com consciência é a melhor estratégia.
Mantive o plano inicial e fui buscando novamente o meu ritmo proposto, encaixando de forma tranquila, e assim mantendo até o km 41. Em Boston, ao realizar a curva na Hereford Street para depois dobrar para a Boylston Street (rua da linha de chegada), tirei forças do meu coração e apertei o ritmo motivado ao som de milhares de espectadores. Cruzei a linha de chegada do maior sonho da minha vida com meu recorde pessoal na distância, 2h52min58s.
No que diz respeito a prova em geral, eu nunca vivi nada parecido. Desde a organização, staff, hidratação até o apoio do público deixam claro o porquê desta prova ser gigantesca. Você correr 42.195 m extremamente amparado, com segurança e motivado por um público empolgado em apenas ver o próximo (desconhecido) vencer a si mesmo.
Outro ponto que fez com que minha prova fosse ainda mais especial é o fato de eu ser um testador da Equipe de Desenvolvimento e Performance de calçados da marca brasileira Olympikus, e pude utilizar tanto no ciclo de treinos quanto na maratona um calçado em que pude contribuir para sua construção, o Corre Supra. Corri a minha primeira Major em Boston com um calçado feito por brasileiros.
Entreguei a prova da minha vida, a mais “longa” das maratonas com maestria, vencendo as subidas e meus medos. Classifico essa prova e preparação como a transformação da minha vida. Volto para casa com muito mais do que a medalha: retorno com a história e jornada que me condicionaram a construir e realizar este sonho. De fato, uma pessoa realizada e cheia de esperanças em melhorar no esporte e na vida.