7 de maio de 2024

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Performance e Saúde admin 4 de outubro de 2010 (0) (68)

Corredor sabe o que faz! Sabe?

O contraste com as antigas e ainda prevalentes teorias sobre fisiologia do exercício é que os modelos anteriores nao previam a performance como algo controlado pelo sujeito ‘consciente' ou ‘inconsciente', e sim limitada por alguma perda de homeostase (equilíbrio fisiológico), geralmente pela redução de algum substrato (como glicogênio) ou o acúmulo de metabólitos, entre eles o lactato, aumento da temperatura corporal, queda de neuro transmissores e diversos outros.

Segundo esta nova teoria, conhecida como "Central Governor Model" (Modelo de controlador central, em tradução livre), nossa performance é regulada pelo cérebro, que nunca (em situações livres de anomalias) permite que o corpo saia de sua homeostase até um ponto em que não consiga mais retornar. Com isso, o cérebro passa a integrar todas as informações sobre distância percorrida, distância a percorrer, experiências prévias na situação de esforço, informações provenientes da periferia do corpo, sobre estoques de glicose, temperatura corporal, acúmulo de metabólitos etc, e a partir daí gera uma "sensação de fadiga" que irá ditar o seu ritmo de corrida no próximo passo, e assim sucessivamente ao longo de toda a corrida.

Isso é que chamamos de "antecipação". Ou seja, você sabe de onde vem, pra onde vai e que ferramentas terá pra isso. A partir desse ponto, "antecipa" o quanto poderá fazer de esforço (= velocidade) para cumprir seu objetivo no menor tempo possivel, sem, no entanto, debilitar seu organismo.

"Sensação de fadiga" entre aspas porque, segundo esta nova teoria, fadiga não é mais um evento fisiológico (perda real de homeostase) e sim uma manifestação consciente de uma informação gerada pelo seu subconsciente, onde são feitos todos os cálculos sobre performance (pense bem sobre o que é a dor, se não uma sensação).

De acordo com os cálculos feitos, esta sensação de fadiga pode ser mais ou menos intensa (de acordo com o quanto você está próximo de ultrapassar uma zona de distúrbio "saudável" de homeostase), e isso o fará correr mais rápido ou mais devagar. Em curtas palavras, a sua performance passa a ser, como você já sabe, uma batalha entre o seu anjinho e diabinho interiores, um dizendo para acelerar e o outro dizendo para diminuir o ritmo (vamos aceitar que o diabinho é o responsável  por lhe dizer para diminuir, ok?). Segundo esta nova teoria, o anjinho seria sua vontade consciente de correr mais rápido, e o diabinho seria seu controlador central. O resultado da briga entre os dois é sua velocidade de corrida, passo a passo.

ENTRE O DIABINHO E O ANJINHO. Mas como isso se aplica ao seu treino? Vamos a alguns pontos importantes:

1) Seu corpo não deixa você utilizar o seu máximo "fisiológico" ou real, pois seria muito perigoso. Assim, quando você treina, treina para diminuir este espaço de reserva que existe entre sua capacidade fisiológica e sua capacidade consciente. Isto é uma mudança de paradigma. Obviamente, treinando para diminuir esta reserva, seu corpo melhora sua capacidade real também, para previnir que você chegue perto demais dela.

2) Seu corpo trabalha numa base de cálculos passo-a-passo. Por isso, as pequenas variações de velocidade que ocorrem durante a corrida são saudáveis e nao devem ser evitadas. Estudos já comprovaram que corredores são incapazes de repetir a performance de um teste de 10 km em ritmo auto-selecionado, quando tentam utilizar a velocidade média do teste anterior de forma constante.

3) Conhecer o que se vai fazer é muito mais importante. Aqui você começa a compreender porque pode ser tão desastroso descobrir que existe uma montanha no meio da prova somente quando você começa a subir.

4) A repetição de séries e treinos torna-se importantíssima, pois você permite que seu corpo ‘reconheça' aquele desconforto e vá aos poucos permitindo que você utilize mais de suas capacidades. A idéia básica é a seguinte: se você ja fez uma vez e não teve problemas, possivelmente pode fazer uma segunda um pouco mais forte e assim por diante.

5) O treinamento passa a ser baseado em ritmo, pois é isto basicamente que seu sistema irá interpretar. Em um próximo artigo, discutiremos porque basear seu treino em ritmos, dentro deste paradigma de treino, faz muito mais sentido do que pensar em zonas de limiares.

FORÇA DO PENSAMENTO? Um ponto muito importante a considerar, caso você tenha se empolgado com estas idéias e esteja disposto a incorporá-las na sua planilha de treinos a partir da próxima segunda-feira, é que, dentro desta concepção de fisiologia, a fadiga é uma sensação, não um evento. Porém, vamos deixar claro que não é possível correr mais rápido somente com a força do pensamento. O fato da fadiga ser uma sensação não faz ela menos real. Portanto, não pense que algumas horas de intensa concentração no conforto do lar de forma alguma irão substituir o longão de domingo!

Esta nova teoria ganhou força nos últimos cinco anos, quando foi mais plenamente desenvolvida por pesquisadores da África do Sul. De lá pra cá, vem ganhando apoio na comunidade científica, porém bem mais forte tem sido a resposta positiva de treinadores e atletas, muitos começando a achar que finalmente as teorias científicas começam a fazer sentido frente aos que eles experimentaram ao longo de suas vidas.

Neste ano, iremos discuti-la mais a fundo com os leitores da CR, direto de seu berço, muitas vezes entrevistando atletas que já mudaram a sua visão sobre como encarar o treinamento. Aguardem!

O "MURO" DA MARATONA

Após uma maratona, são comuns relatos de corredores que encontram o chamado "muro", instante agudo onde a perfomance simplesmente desaba. Como podemos explicar este fenômeno com base nas teorias de antecipação, onde isto deveria estar previsto? O muro pode ter diversas origens, e na verdade ele é um sintoma de algo maior que aconteceu em algum sistema. As explicações mais usuais são a diminuição dos níveis de glicogênio muscular, perda de elasticidade e dano muscular.

Apesar do ritmo ser calculado em antecipação, muitas vezes pode não ser possível evitar que o glicogênio muscular seja depletado ou que a musculatura sofra danos. O comum é que o corpo envie sinais de cansaço ao indivíduo antes do "muro", porém estes estímulos podem ser mais facilmente sobrepostos pela vontade consciente, levando a uma perda apenas gradual de ritmo. Existe um instante, no entanto, em que o cérebro envia um estímulo tão poderoso que não pode ser vencido, obrigando o corredor a diminuir consideravelmente sua velocidade a fim de preservar sua homeostase.

Fernando Beltrami é formado em Educação física pela UFRGS e atualmente é aluno de mestrado pela University of Cape Town, na África do Sul, onde reside, fazendo parte do Central Governor Research Group, coordenado pelo Prof. Timothy Noakes (autor de "Lore of Running"). Como atleta, possui três Ironman e uma Two Oceans Marathon no currrículo. Como técnico, já treinou inúmeros corredores e triatletas.       

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