21 de maio de 2024

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Blog do Corredor Redação 4 de outubro de 2023 (0) (5317)

Maratona de Berlim 2023: Quando a vida te der um limão, faça um limoncello!

POR JOÃO BARNEWITZ | @joaobarnewitz


O ano de 2023 havia começado para mim com o pé-direito! O resultado na Maratona de Boston em abril havia me deixado bastante animado e eu já me preparava para bater o meu recorde pessoal na Maratona de Berlim, em setembro. Eu já estava até visualizando minhas últimas passadas através do Portão de Brandemburgo e mentalizando a linha de chegada perfeitamente! Os treinos longos estavam saindo conforme o planejado e a minha expectativa era alta, assim como a do meu treinador. Estávamos alinhados e vibrantes!

A vida, porém, muitas vezes nos presenteia com o inesperado. Quando faltavam 10 semanas para a prova, senti um desconforto bastante intenso no glúteo direito após um treino longo de 30 km, o que me fez ficar parado e mancando por 5 dias. Apesar de eu ser médico, pensei que a dor era proveniente de uma contratura muscular mais intensa e não considerei fazer um exame de imagem naqueles dias. Achei desnecessário e imaginei que uma massagem de soltura miofascial iria resolver. A vontade de fazer a prova era enorme e aquilo não iria me parar.

Infelizmente, a dor piorava dia-a-dia, refratária a analgésicos e anti-inflamatórios. Quando percebi, cinco dias haviam se passado e eu estava sem conseguir caminhar direito de tanta dor. A dor se juntou com a ansiedade de estar perdendo os treinos e sentia a prova perfeita escapando das minhas mãos.

No sexto dia após essa dor súbita, tentei correr na pista de atletismo do clube.  A tentativa frustrada não durou nem 5 minutos, pois a dor era brutal a cada passada. Por ironia do destino, acabei encontrando um amigo médico justamente nessa hora, que me olhou na hora e falou: “João, para de tentar correr e vai agora fazer uma ressonância!”

Como eu estava sem nenhuma condição de correr, finalmente aceitei que a dor estava bem acima da média e fiz uma ressonância magnética de urgência.

Em menos de 48 horas, recebi a confirmação do que eu mais temia e um decreto: DUAS FRATURAS POR STRESS NO QUADRIL e o fim de um ciclo muito produtivo.

Obviamente, o resultado do exame me deixou bastante chateado. Eu estava me sentindo no auge da performance e desprendia muito tempo do meu dia-a-dia para tentar evoluir nos treinos quando me vi completamente incapaz e sem saber o que fazer! 

Ao conversar com uma colega médica, descobri que o protocolo para esse tipo de fratura eram duas semanas caminhando com o auxílio de muletas e só voltar aos treinos de corrida após cerca de 6 a 8 semanas! O que me restava era muita paciência, mas comecei a fisioterapia na semana seguinte!

Ao longo desses anos como médico, vi muitas doenças graves e terminais.  Aprendi que uma doença muitas vezes não afeta só o paciente, mas pode afetar toda a dinâmica familiar. Cada vez que me deparo com situações como essa e me lembro quando tive que dar o diagnóstico de um câncer de laringe extenso e que o tratamento era retirar a laringe e fazer uma traqueostomia, me dou conta que sou muito privilegiado por ser saudável, ter uma família que me ama e amigos muito queridos! Não pude deixar de me sentir um mal agradecido por estar tão chateado por uma lesão que não era grave, que não geraria sequelas e que não era uma doença terminal.

Em dois dias, engoli o choro e percebi que a vida estava me dando alguma lição e já estava na hora de tentar descobrir o que era. Como eu sou bastante comunicativo, meu técnico me ligou e falou: “João, por que você não tenta ir para Berlim como Mídia Digital para cobrir o evento? Tenho certeza que você consegue!”

Duas ligações depois, graças a Fernanda Paradizo e ao site Contra-Relógio, recebi a confirmação de que ganharia a credencial!  Mal eu sabia que a credencial era a porta de entrada para uma experiência única e muito marcante na minha vida! Aquele crachá simplesmente me colocou em duas coletivas de imprensa dos atletas profissionais favoritos ao título. E, quando percebi, ao escutar “alguém aí na plateia quer fazer uma pergunta?”, não pensei duas vezes. Levantei a mão e tive a ousadia de pegar o microfone e entrevistar dois atletas que admiro muito e que são recordistas mundiais!  Além disso, comecei a fazer conteúdos diários com novidades sobre a prova e aprendi que a primeira edição da Maratona de Berlim havia sido em 1974, no auge da Guerra Fria, e que os 244 participantes dessa primeira edição puderam correr apenas em Berlim Ocidental! Eu estava a cada dia mais animado!

O dia da prova ainda nem havia chegado e eu não podia estar mais feliz e realizado! Como eu não ia poder correr, aproveitei também para passear bastante pela cidade e comer bem, situações que são incompatíveis com quem quer performar em uma maratona dois dias depois.

O dia 24 de setembro veio e as supressas só aumentavam! Ao chegar no evento, simplesmente tive acesso ao aquecimento dos atletas de elite e fiquei LITERALMENTE no canteiro central dos metros iniciais da prova! Vi milhares de atletas passarem e pude gritar e dar um “high five” nos amigos que se surpreendiam com os meus gritos de incentivo e abriam um sorriso quando me viram participar da prova junto com eles! Fiquei até sem voz de tanto gritar!

Quando recebi o diagnóstico da minha lesão, recebi muitas mensagens perguntando como eu estava me sentido em Berlim, como estava sendo só assistir e não poder participar. A minha resposta a todos eles era: eu não poderia estar melhor! Se eu estivesse correndo, nunca teria entrevistado o Kipchoge e nunca teria visto a cara de felicidade dos mais de 47 mil atletas  que finalizavam a prova naquele dia, marcado pela quebra do recorde mundial feminino.

Se eu estivesse correndo, talvez não tivesse percebido uma lição que me marcou: Berlim havia sido o símbolo de uma guerra! Da noite para o dia  foi literalmente construído um muro que separava pessoas com ideologias distintas, afastando familiares e amigos por quase 38 anos. Com muita paciência e resiliência, Berlim me mostrou que não só derrubou um muro, mas que estraçalhou dois recordes mundiais e que festeja há 49 anos a diversidade e a igualdade através dos mais de 45 mil participantes nesse evento maravilhoso todos os anos.

Obrigado, Berlim, por me ensinar que quando a vida constrói um muro de dificuldades, com muita resiliência e paciência, a gente o derruba e volta mais forte.

Nos vemos no ano que vem!

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