19 de maio de 2024

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Blog do Corredor Fernanda Paradizo 4 de outubro de 2023 (0) (1999)

Dobradinha na Maratona de Berlim: Patins no sábado e corrida no domingo


Junto com a Maratona de Berlim acontece uma maratona de patins, chamada Berlin-Marathon Inlineskating, considerada a mais tradicional corrida da modalidade. Realizada na tarde do sábado anterior à corrida, a prova de patins reúne 6 mil participantes e segue quase que o mesmo percurso da corrida no domingo. Muitos brasileiros já se aventuraram a participar da prova de patins e alguns já até dobraram as duas provas. É o caso do paulista Marcio Melo, de 45 anos, que resolveu encarar o desafio, mesmo com pouco tempo de treino nas duas modalidades.

Marcio começou a correr em 2021 e parou um ano depois. Voltou com a corrida em maio deste ano, visando a Maratona de Berlim. Como patinador, praticava quando adolescente. Patinou pelas ruas do Tatuapé por cerca de quatro anos e também voltou à prática em maio deste ano com o objetivo de fazer a dobradinha na maratona alemã: 42 km patinando no sábado e mais 42 km correndo no domingo.

Confira a entrevista com o corredor/patinador, que conta detalhes do treinamento e da prova e fala das dificuldades de encarar em dois dias seguidos duas modalidades tão distintas.

CONTRA-RELÓGIO: Com tão pouco tempo de prática, já tinha participado de alguma prova, seja de patins ou de corrida?

MARCIO: A Maratona de Berlim foi a minha primeira maratona oficial. Na pandemia fiz uma corrida no parque ecológico do Tietê. Foi mesmo para ter a experiência depois de 83 dias de treinos. De patins, nunca havia participado de nenhuma prova antes.

CONTRA-RELÓGIO: O que te motivou a fazer as duas provas?

MARCIO: Desafios e saber que é possível. Um grande amigo soube que eu já havia sido patinador e me convidou para fazer a de patins. Eu sabia que precisava voltar a patinar além de comprar os patins. Então disse que não. Não iria fazer tudo isso e ir até a Alemanha para patinar somente. Foi quando ele comentou que a maratona oficial de corrida aconteceria no mesmo final de semana. Isso me animou e eu fiz a seguinte proposta: se ele fizesse a maratona correndo comigo eu faria a de patins com ele. Aceitou na hora. A partir daí fomos atrás de comprar os patins e achar alguém para nos fazer as duas planilhas juntas. Patinar e correr duas maratonas em menos de cerca de 12 horas de descanso.

CONTRA-RELÓGIO:  O que difere uma da outra? Falando de todo o evento, desde entrega do kit até a prova?

MARCIO: Para mim as semelhanças são que estão no mesmo circuito e distância, mas são totalmente diferentes. Quanto à organização, entrega de kits e disposição de quem trabalha no evento, as duas são impecáveis. Uma não deve nada à outra. Na verdade, são partes do mesmo evento. Patinar é um esporte de risco por conta da alta velocidade. Vi atletas que alcançaram picos de 60 km/h na prova e então podemos imaginar a adrenalina nesse momento. Aliás é muita emoção e adrenalina do começo ao fim. Há muitas estratégias. A corrida é outro esporte e, com mais tempo de duração, exige uma estratégia muito diferente. As duas são incríveis e, se eu tiver que fazer novamente, vou extremamente feliz.

CONTRA-RELÓGIO: Como foi nas duas provas?

MARCIO: Eu tinha duas estratégias, ou seja, uma para cada prova. Iria muito mais conservador na de patins, mantendo o limiar de batimentos controlado, para fazer a de corrida dando o meu melhor. Mas assim que largamos na de patins a emoção, a adrenalina e o prazer foram tantos que aceitei seguir muito forte do começo ao fim e sacrificar a corrida. Dei o meu melhor e o máximo sem dosar para a de corrida. Imaginava fazer algo abaixo das 2h, como 1h58. Qualquer coisa abaixo disso seria satisfatório e me pouparia para a corrida. Mas, como a prova estava sendo tão incrível e divertida, decidi participar realmente dela e dar o meu melhor. Fiquei extremamente feliz e satisfeito com 1 horas 37 minutos!

Prova feita, veio a corrida poucas horas depois. Fiquei com tanta adrenalina que devo ter dormido cerca de 3 horas de uma para a outra. Comecei bem a maratona, mantendo os batimentos dentro do que fiz nos treinos, mas não considerei toda a exaustão da maratona de patins. Segui firme por cerca de 2 horas e comecei a sentir o desgaste no km 25. Segui firme até os 30 quando uma dor muscular de um estiramento que tive no final da maratona de patins começou a ficar muito dolorido, me obrigando a baixar o ritmo. Consegui segurar esse ritmo mais baixo até o km 35, onde, com muita dor, fui obrigado a caminhar um pouco e recuperar. As dores se estenderam para o posterior também. Certo momento quase não consegui caminhar, mas fui respirando fundo e me concentrando. Assim que melhorou, comecei a trotar e fui em frente. A minha meta era algo abaixo de 4h. Até os 35 faria por volta de 3h40, mas, quando caminhei, perdi o ritmo. Mas consegui terminar feliz, realizado e correndo, com 4h37. Muita alegria ao cruzar a linha e receber a medalha.

CONTRA-RELÓGIO: O esforço de uma maratona de patins é bem menor do que o esforço de uma maratona correndo. É isso mesmo?

MARCIO: Sim e não. Dependendo da intensidade pode ser que nos patins acabe toda a energia. Foi um pouco disso que me aconteceu, mas eu aceitei porque a prova de patins foi um sonho e uma experiência inexplicável. Para quem se sente, por muitas vezes, um estranho em São Paulo fazendo treinos solitários de patins, estar com cerca de 6 mil patinadores apaixonados pelo esporte, de todas as gerações, culturas, idades, homens e mulheres misturados, não tem explicação. É a certeza de que é exatamente o que sempre senti pela patinação. Que ela é divertida, competitiva, emocionante e que toda a paixão por se locomover sobre rodinhas nos pés é reconhecida por centenas de pessoas no mundo todo. Então fiz uma prova muito intensa e tive muito desgaste. Mas foram apenas 1h37. A de corrida é no mínimo o dobro e há muito impacto no corpo. São horas de impacto e podem vir muitas dores que nem são esperadas. O segredo é seguir o batimento desde o início, hidratar a cada 10 minutos, tomar o gel de carbo a cada 30 ou 45 minutos e seguir curtindo a jornada. Que é incrível!

CONTRA-RELÓGIO:  Como conciliou os treinos das duas modalidades diferentes? Teve que privilegiar alguma coisa?

MARCIO: Não é e nem foi fácil treinar para a maratona de patins. A corrida pode ser praticada em qualquer lugar. Patinar já não é assim. Corrida até na chuva eu fui. Patins precisa de local seco e asfalto de razoável para bom. O bom do patins é que aprendi que a bicicleta tem o mesmo movimento. Então treina-se muito pedalando. Foi uma adaptação rápida de 3 semanas na bike e mesclamos treinos de patins e bike com corrida. Dei o meu melhor em cada um dos treinos, exatamente como foi proposto. Sabia que assim teria o melhor resultado. Na verdade, os problemas vieram nas duas modalidades. No patins, vieram bolhas e, pelo patins não ser moldado no meu pé, após cerca de 1h20 de treino sentia muita dor nos ossos da lateral dos dois pés. Fiquei com calos ósseos até! O treinamento é extenso. Havia dias que treinava 3h entre patinar e correr. Com um mês de treino de corrida, tive uma inflamação na canela direita e dores no joelho esquerdo que me impossibilitaram de correr por quatro semanas. Fiquei por todo esse tempo fazendo elíptico. Foi muito difícil pois fazer 2h de elíptico é muito insano e foram vários treinos assim. Mas fiz sem reclamar, só agradecendo e fazendo as fisioterapias para recuperar das lesões. Tive uma semana em que fiz três sessões com três profissionais e métodos diferentes. Fazia imersão de gelo até a canela quase todos os dias durante os quatro meses e, faltando três semanas, ficava do quadril para baixo imerso em gelo na banheira. Fiz a minha parte e com muita fé, pois a cabeça quer pirar quando você não pode correr por uma dor que precisa ser tratada. Eu expus publicamente todo o desafio e o treinamento como forma de mostrar para as pessoas que é possível gerir a vida no dia-a-dia com treinos, descanso, trabalho, relacionamento e família. Realmente precisava fazer tudo que era a minha parte e fiz. Deu certo!

CONTRA-RELÓGIO: Quais os objetivos para o futuro? Pretende fazer mais provas de patins? E as corridas?

MARCIO: Ainda não sei sobre os patins, pois preciso encomendar uns profissionais moldados exclusivamente para mim para o próximo nível. Nas maratonas, pretendo completar as Majors: Boston, Nova York, Chicago, Tóquio e Londres nos próximos três anos. Até o final deste ano, volto a nadar, pois estou inscrito no Campeonato Paulista Master de Natação, em Santos, e quero me desafiar nos 400 m livre, pois sou o recordista da prova. É um enorme desafio, pois prevejo apenas 60 treinos até lá. Mas vamos em frente. E não vou parar de pedalar e correr. Claro que com muito menor intensidade! Afinal eu sempre terei ganho, no mínimo, mais saúde. É isso importa demais.


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