17 de maio de 2024

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Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (688)

PÃO: ele não faz milagre, mas ajuda um bocado os corredores

Supõe-se que o homem inventou o pão ainda na idade da pedra, há cerca de 8.000 anos, provavelmente na região do rio Nilo, onde seria criado, muitos séculos depois, o Egito. Ao triturar os grãos de trigo selvagem encontrados na natureza, misturá-los com água e colocá-los sobre pedras quentes, o homem primitivo conseguiu produzir uma espécie rudimentar de massa cozida. Apesar de ainda não batizada como pão, ela ajudava a saciar a fome em dias de caça fraca e fruta pouca. 

Bem mais tarde, ao adquirir conhecimentos sobre cerâmica, os homens passaram a assar os pães em fornos de barro. A partir daí, adaptada às condições e culturas de cada região, a inovação alimentar da época começou a se espalhar rapidamente pelo mundo antigo. Na ocasião, por sua relevante importância, o pão chegou a valer como forma de pagamento para muitos trabalhadores.

Mais recentemente, já no século 20, depois de muitas pesquisas, nasce o fermento biológico. A industrialização marcava um novo ciclo da humanidade. As mudanças introduzidas no campo – outros grãos passaram a ser cultivados – e o desenvolvimento de equipamentos como congeladores, moinhos, fornos elétricos e, mais tarde, de micro-ondas, longe de interromper a trajetória do pão, acrescentaram a ela novos ingredientes.

Fonte de carboidrato. Como já deu para perceber, o pão é um alimento que se mistura à história da humanidade. E isso não ocorre por mera casualidade. Na verdade, ele é parte de uma combinação de nutrientes que permite o desenvolvimento de uma vida saudável. No centro de tudo, constituindo a principal fonte de energia dos seres humanos, estão os carboidratos.

Existem dois tipos principais de carboidratos. Na sua forma simples, de sabor adocicado e absorção muito rápida pelo organismo, eles são os açúcares, cujos exemplos mais comuns são a sacarose (ou açúcar da cana), a lactose (do leite) e a frutose (das frutas). Na sua forma complexa eles são os amidos, substâncias encontráveis em frutas, vegetais e alimentos derivados de grãos, como pão e cereais, que precisam ser decompostas antes da absorção.

Por serem liberados na corrente sangüínea de forma mais lenta e regular, os carboidratos complexos representam uma fonte mais constante e duradoura de combustível para o corpo, daí advindo a recomendação para que sejam incluídos principalmente na dieta de atletas que competem em eventos de resistência, caso das corridas de média e longa distância, por exemplo.

Apesar de sua absorção ser mais demorada que a dos açúcares simples, a família dos carboidratos complexos constitui excelente fonte de energia. Colocado pelos estudiosos na base da pirâmide alimentar, o pão é transformado pelo corpo humano em glicose, substância indispensável ao funcionamento do organismo, utilizada desde a produção do calor corporal até o desenvolvimento das funções motoras básicas, como, por exemplo, mover-se, caminhar e… correr.

O pão e as corridas. A partir deste ponto, antes de prosseguir com o assunto, é preciso não perder de vista um aspecto importante: não estaremos aqui, ao longo desta matéria, falando em dietas de restrição ou suplementação alimentar. Em princípio corredor não quer emagrecer. Muito menos engordar. Está em forma e tudo que deseja é correr. De preferência correr mais rápido, mais longe, mais alto, mais forte, mais tudo. E, se possível, todos os dias da semana. Precisa, sim, de energia. De muita energia. Estamos combinados? Então, adiante.

Quem não gosta de um pão quentinho no café da manhã? Pouco importando se antes ou depois do treino, corredores simplesmente A-D-O-R-A-M! E Maria Lúcia Bastos Vianna da Silva, 41, garante que eles estão certíssimos ao fazerem essa escolha. Na visão dela, todo esportista que pratique atividade física de duração superior a uma hora deve dar preferência a ingestão de carboidratos antes, durante e mesmo após os exercícios, sendo o pão um ótimo alimento para cumprir essa finalidade.

Nutricionista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e desde 1988 envolvida no atendimento a grandes esportistas amadores e profissionais (Fernanda Keller, por exemplo, já passou pelo seu consultório), Maria Lúcia (foto) faz questão de destacar que a preocupação com a reposição dos carboidratos não pode ser olhada de forma isolada: "Na verdade, tanto os cuidados com a hidratação como com a reposição de sal e de carboidratos devem ser tomados com antecedência, na véspera dos treinos. Via de regra os atletas treinam muito cedo e não há tempo suficiente para digerir uma grande quantidade de pão. Assim sendo, recomendo-lhes que torrem um pouco o pão. O calor da torra faz com que o amido se quebre parcialmente em frações menores (chamamos a isso dextrinização), o que facilita bastante a digestão."

Enquanto as corridas podem ser classificadas pelas distâncias compreendidas em seus percursos, uma das formas mais comuns de classificar os pães leva em conta o tipo de farinha empregado na sua produção (veja quadro nesta matéria). Enquanto o branco é feito somente com a farinha do trigo refinado, o pão integral nasce a partir da combinação dela com as integrais. As proporções dessa mistura, assim como os cereais que a compõem, variam significativamente. Embora raros, os pães 100% integrais existem e são comerciais. Quando obtidas do trigo, os dois tipos de farinha apresentam valor energético semelhante. Nas corridas, as diferenças podem ser apreciadas sob outros ângulos. O das largadas e chegadas é um desses ângulos.

Faça a escolha certa. Na visão de Maria Lúcia, não importando se o corredor é fundista ou velocista, antes ou depois de uma prova ou de um treino longo ele deveria dar preferência ao pão branco e salgado, que além de tudo ajuda a prevenir possíveis perdas de sais. Para ela, embora a recomendação seja exatamente a mesma, o que variará nos dois casos é a quantidade de pão: "Fundistas tendem a ser fisicamente menores e ter menos massa muscular que velocistas, e por essa razão costumam comer menos. Em comparação aos homens, as mulheres por terem gasto energético menor também necessitam de quantidades reduzidas. Nunca esquecendo, contudo, que a refeição pré-corrida, mesmo baseada em pão branco de sal torrado deve ser feita de 40 a 60 minutos antes dos exercícios. Na chegada, quanto mais cedo melhor. Para abreviar a recuperação, o ideal é fazer a reposição logo na primeira hora após o término da atividade".

Formada pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e atuando como Engenheira de Alimentos do Grupo Bimbo, fabricante no Brasil das marcas Pullman e Plus Vita, Juliana Diniz Faria (foto), 34 anos, tem ponto de vista diferente: "Por serem isentos da adição de açúcares e, portanto, de menor índice glicêmico, o ideal é que o fundista coma um pão da linha light antes de sair para correr. A absorção do carboidrato desses pães se dá num ritmo mais lento, permitindo o abastecimento gradual das células e evitando a ‘hipoglicemia de rebote', mais sensível em uns maratonistas que em outros, e que acontece quando há variações muito bruscas na taxa de açúcar do sangue".

Se na largada a situação é de relativa calma, na chegada a pressa é absoluta. "Após a corrida, a situação do maratonista é inversa", ressalta Juliana. "O corpo precisa de uma fonte rápida de energia para se recuperar e começar a repor o estoque de glicogênio consumido na prova. No pós-corrida, devido a condições orgânicas especiais, o carboidrato tem livre acesso para penetrar na célula, podendo fazer isso sem precisar de ajuda da insulina. Como esse efeito é passageiro – cessa duas horas depois do fim do exercício -, o ideal é que o corredor o aproveite para ingerir diferentes tipos de carboidratos. Nesse intervalo, pães feitos com vários grãos e adicionados de açúcar mascavo são uma excelente pedida".

Ainda segundo Juliana, as recomendações para comer-se pão de menor índice glicêmico antes da corrida e de maior IG depois se aplicam tanto aos homens como às mulheres. A única alteração a considerar é realmente a quantidade, que difere não apenas em relação ao sexo, mas também em relação à idade, preparo atlético, composição corporal, intensidade e duração da corrida. No caso de maratonistas, mulheres podem precisar metade do que necessitam os homens.

Mas a família dos pães não pára por aí. Além dos brancos e dos integrais, existem vários outros tipos. Que tal observar o comportamento de alguns deles no laboratório das corridas?

Caseiro ou Industrializado? Ázimo ou Levedado? Em termos de controle alimentar e desempenho esportivo, na opinião de Juliana Faria o pão feito em casa é pior que o industrializado. Segundo ela "embora dependa da receita, o caseiro geralmente costuma levar uma grande quantidade de açúcar e de gordura, além de menor quantidade de fibras. Como alimentos com alto teor de gordura demoram a ser absorvidos e exigem mais tempo no esvaziamento gástrico, o rendimento esportivo acaba comprometido".

Em relação ao pão ázimo (veja box nesta matéria), Juliana é enfática: "Ele tem maior concentração de calorias por volume e isso é positivo quando a necessidade de energia é altíssima e o atleta tem pouco tempo para adquiri-la. Ao evitar um grande volume gástrico o pão ázimo tem a vantagem de fornecer muitas calorias rapidamente. Quando ocorre a situação inversa, o pão com levedura é mais vantajoso".

Em linhas gerais, Maria Lúcia tem a mesma opinião sobre esses dois tipos de pão.  No caso do ázimo, como a massa fica mais densa porque não leva fermento, ela lembra que o corredor deve ficar atento quanto à possibilidade de uma digestão mais lenta.

Light ou diet? Natural ou com sabor? Embora significativa para o consumidor, a diferença nesse caso é conceitual e costuma confundir muita gente. Produtos Light (leve, em inglês) são aqueles cujo valor energético (calorias) ou conteúdo de algum nutriente é baixo ou reduzido em pelo menos 25% quando comparado ao similar na sua versão normal. Já nos Diet (abreviatura para dietético) são eliminados um ou mais ingredientes presentes na fórmula tradicional do produto.

No caso dos pães, enquanto os Light são produzidos sem a adição de açúcares e gorduras, o que permite uma redução substancial destes nutrientes na alimentação, os Diet foram criados para atender indivíduos que apresentam restrições a algum tipo de substância, como os diabéticos, que não podem comer açúcar, ou os hipertensos, que precisam controlar permanentemente a ingestão do sódio. 

Se em algumas receitas determinados produtos são retirados, em outras eles são colocados. É o caso dos pães com sabor (cenoura, iogurte e outros), que além de receberem na massa o ingrediente principal do sabor, em algumas situações recebem também essências aromatizantes. Elas acentuam o gosto e o tornam ainda mais marcante.

Maria Lúcia Bastos vê tais adições como positivas. Para ela o interessante está justamente na variedade: "Atletas tendem a apresentar uma monotonia alimentar muito grande, pois acabam sempre comendo as mesmas coisas. Como não existe um alimento que contenha todos os nutrientes necessários, essa oferta ajuda em parte a resolver do problema".

Pão reprocessado também vale. Além dos aspectos de economia e sabor, existem sim as raízes culturais: na mesa do brasileiro "pão dormido" acaba virando farinha de rosca, pudim, torradinhas… Mas, transformado nesses produtos, como é que fica o valor nutricional do pão? 

Quem responde é Juliana Faria: "Nesse caso, embora perca parte do teor de vitaminas e minerais, nutrientes como as fibras e os bons carboidratos são mantidos. As formas alternativas de consumo de pão – torradas, massas de torta, sanduíches, cubinhos de pão torrado nas saladas e empanados – são interessantes e não devem ser desprezadas. Importante nesses usos e prestar atenção tanto na receita como no preparo".

Pão nos kits de chegada. Embora seja um carboidrato de excelente aceitação e boa digestibilidade, mesmo fazendo parte do hábito alimentar da imensa maioria dos brasileiros, nem sempre o pão está presente nos kits de chegada dos corredores.

Do ponto de vista da reposição energética, Juliana Faria entende que nessa situação o pão é uma opção mais vantajosa que as frutas ou os biscoitos: "Uma fatia de pão supre 10 gramas de carboidrato, o mesmo que uma banana. No entanto, o pão tem a vantagem de ser mais fácil de mastigar, permitindo uma ingestão maior com menor volume gástrico, o que se traduz em bem-estar e conforto para o corredor que chegou exausto. Já as maçãs (por exigirem muita mastigação em função da grande quantidade de fibras que possuem) e os biscoitos recheados (por conterem açúcar e gorduras ruins) são menos indicados".

Maria Lúcia Bastos também considera o pão mais saudável que os biscoitos recheados, mas vê problemas quanto à manipulação e higiene na hora de montar os kits: "Como nem todo mundo gosta de comer pão puro, ter que colocar alguma coisa doce ou salgada dentro dele (geléia, queijo, presunto, mel, doce de leite etc.) passa a ser um inconveniente. Nesse aspecto não acho que o pão seja mais vantajoso que as frutas".

Há 30 anos organizando, produzindo e administrando importantes eventos esportivos no país, a Yescom garante ter solucionado o problema apontado por Maria Lúcia. Segundo Thadeus Kassabian, um de seus diretores, por reconhecerem o valor nutricional do pão na recuperação pós-prova dos atletas, há alguns anos a Yescom passou a incluir sanduíches nos kits de chegada das corridas cujas distâncias sejam iguais ou superiores à meia-maratona. "Resolvemos o problema contratando uma grande empresa. Ela produz e embala o sanduíche (geralmente pão com queijo) na madrugada que antecede o evento. Dessa forma, até a aparência do lanche fica preservada, o que é um motivo a mais para o corredor se sentir recompensado depois de tanto esforço", diz Thadeus.

O pão e as lesões. Corredor nenhum quer, mas há ocasiões em que, lesionado, é preciso "dar um tempo" e parar para se recuperar adequadamente. Acostumado a tantas calorias diárias, sem fazer qualquer modificação nos hábitos alimentares, "de molho" por semanas ele tende a ganhar peso depressa, o que complica ainda mais o seu retorno. Em situações desse gênero, mudar o tipo de pão pode ajudar.

Quando a parada for prolongada, tanto Maria Lúcia quanto Juliana afirmam que em relação ao pão o melhor a fazer é passar a consumir um tipo que tenha menos calorias e maior quantidade de fibras, ou seja, um pão que prolongue a sensação de saciedade. Os pães Light, sem adição de açúcares e gorduras, se encaixam bem nesse perfil. Dependendo do gasto energético do indivíduo que se encontre nessa situação, pode também ser necessário reduzir as porções diárias.

Como o que dá para rir dá para chorar, sendo tudo questão de hora e lugar, depois de recuperado é calçar o tênis e correr atrás do prejuízo. Isso sem esquecer que o velho e delicioso pãozinho francês já deverá estar de volta à mesa como convém. Bom apetite e… Boas corridas.

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