8 de maio de 2024

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Ser vegetariano não é limitação para correr bem

por Débora Thomé | TUDO EM CIMA | JUNHO 2011

Alguns tabus ainda acompanham os corredores que seguem uma dieta sem carne vermelha, especialmente o fantasma da anemia. Mas essa fonte de proteína pode ser suprida, sem problemas.

Uma alimentação saudável, além da disciplina nos treinos e períodos de descanso, deve fazer parte do dia-a-dia de todo corredor. E um cardápio completo, composto de carboidratos, proteínas e gorduras, é peça fundamental em uma dieta balanceada, como todo mundo sabe. O que muitos desconhecem é a possibilidade de alcançar esse equilíbrio também dentro do vegetarianismo.

Uma dúvida comum é se esse tipo de dieta é completa o suficiente para suprir todas as necessidades de um praticante de atividades físicas. Estudos mostram que a capacidade aeróbica entre os vegetarianos e aqueles que comem carne é semelhante. Nada indica que uma é melhor ou pior.

Há diversos exemplos de atletas de ponta, de nível internacional, que atribuem sua alta performance a essa opção alimentar. Existe lógica, já que a dieta vegetariana é rica em vegetais e frutas e, dessa forma, o corredor ganha um consumo alto dos antioxidantes – substâncias que neutralizam os radicais livres produzidos pelo exercício e que podem causar câncer, doenças cardiovasculares, lesões musculares e ainda provocam envelhecimento. Mas cuidados são necessários.
“Vegetarianos estritos devem dar mais atenção às proteínas e, obrigatoriamente, tomar vitamina B12 intramuscular. Mulheres atletas no período fértil também devem ficar atentas a esses nutrientes, principalmente o ferro. Os estoques desse mineral podem ser avaliados por exames de sangue periódicos. Quanto à suplementação alimentar, geralmente é indicada a vegetarianos atletas, mas depende muito da alimentação e dos exames bioquímicos de cada um. Os que tem uma dieta desbalanceada podem apresentar ingestão inadequada de proteína, que prejudica a imunocompetência desses atletas, resultando no aumento da incidência de infecções oportunistas”, destacou Julia Vasconcellos, nutricionista da NutriCorp, do Rio de Janeiro.
Proteína vegetal
Fato é que todo corredor que cuida da alimentação sabe da importância da proteína para os músculos. Talvez, por isso, os vegetarianos sejam constantemente alvos de perguntas sobre como repõem as proteínas. Mas aí entra a informação que todo vegetariano sabe: a proteína é dividida em dois grupos, animal e vegetal. A principal diferença entre ambas é o perfil de aminoácidos: a proteína animal apresenta todos os aminoácidos que o organismo necessita, o que não acontece com a de origem vegetal. Em uma dieta vegetariana estrita, que corta toda a carne e derivados de animal da dieta, o maior desafio é conseguir suprir a necessidade diária de proteínas, ferro e vitaminas do complexo B, cujas principais fontes são alimentos de origem animal. Mas, ao mesmo tempo, uma dieta vegetariana equilibrada pode nivelar o colesterol e reduzir os riscos de doenças cardiovasculares.
O funcionário público Aquino Neto é vegetariano desde 2007, quando passou a ter contato com organizações que lutam pelos direitos dos animais e se interessou pelo assunto. Ao começar a correr, em maio do mesmo ano, não precisou fazer adaptação nenhuma; simplesmente mantém sua dieta, esteja competindo, treinando ou não. Também nunca treinou em assessoria; corre com um parceiro, também vegetariano, e só foi fazer uma avaliação nutricional há dois anos, em um check-up de rotina. Quando disse que era vegetariano, a nutricionista se assustou e pediu vários exames, achando que fosse encontrar anemia e deficiência de vitaminas. Mas as taxas estavam todas no limite saudável e, no final, até recebeu parabéns.

E ainda descalço
“As pessoas têm aquela visão equivocada de que os vegetarianos são pessoas fracas e mal alimentadas, o que torna estranha a expressão atleta vegetariano. Mas a idéia é justamente essa, bater de frente com esse preconceito. Daí, quando vêem que além de vegetariano corro descalço, a desconfiança só aumenta. Certa vez, eu e meu parceiro de treinos estávamos aquecendo antes da prova e uma mãe que levou o filho pra assistir ao evento, vendo que correríamos descalços disse: ‘Olha que loucos; vão correr de pé no chão’, e a criança respondeu ‘Que nada mãe, assim eles pegam mais impulso do chão’. Achamos isso muito legal”, contou o corredor, de 26 anos.
Vegetariano e adepto do barefoot (pé descalço), Aquino acredita que a corrida lhe proporciona uma maior qualidade de vida, mas admite ter enfrentado alguma dificuldade no início de sua transformação alimentar. Morador de Aracaju (SE), garante que nunca deu ouvidos aos preconceitos, como a que relatou, mas precisou criar um novo prazer em sua vida: cozinhar (sem carnes…).

Foi essa mesma paixão por novas receitas e sabores que levou a servidora pública Letícia Bonfim, 32 anos, a conhecer o vegetarianismo, prática à qual aderiu completamente há pouco mais de um mês. Corredora desde maio de 2009, a brasiliense sempre comeu carne vermelha, frango e peixe. Antes de se tornar vegetariana, fazia pratos de livros de receita vegetarianos, mas acrescentava um bife. Aboliu carnes vermelhas e frango em março deste ano, quando passou a dividir o apartamento com uma amiga que não come carne e, em sinal de respeito, aboliu a ingestão em casa. Como não sentiu falta, parou de comer na rua também. Só teve dificuldade de deixar o peixe, porque adora comida japonesa, mas descobriu que as algas podem suprir esse paladar.

“Meu treinador não concorda com o meu vegetarianismo e diz que se o meu rendimento cair a culpa será da privação de carne. Mas não vou mudar de idéia. As pessoas acham que quem não come carne é fraco e tem anemia. Sei que os veganos devem suplementar com vitamina B12, mas não é o meu caso. Falar que sou vegetariana causa muita estranheza, mas já estou acostumada, porque sempre tive uma alimentação diferente da média das pessoas que conheço”, diverte-se Letícia, que gosta de treinar para provas de 21 km.

Vegetais verde-escuros
A alimentação sem carnes é saudável sempre que equilibrada, com os nutrientes excluídos reforçados por outros alimentos ou suplementos. Por exemplo, o único alimento de origem vegetal que os vegetarianos podem consumir e que tem a mesma quantidade de proteína e qualidade de aminoácidos que a de origem animal é a soja. Mas com a exclusão da carne, consome-se muito menos gordura saturada, que é prejudicial ao coração e aumenta níveis de colesterol e gordura corporal.

Por outro lado, é uma dieta naturalmente rica em carboidratos, o que ajuda na prática da corrida, pois esse nutriente é a principal fonte energética, importante para antes e depois do exercício. Ricos em ferro e vitaminas do complexo B, os vegetais de coloração verde-escuro devem estar presentes diariamente nas refeições, tanto no almoço como no jantar. Para aumentar a capacidade de absorção do ferro, um “truque” é combinar esses vegetais com suco de laranja, limão ou acerola, ricos em vitamina C, o que facilita o aproveitamento do ferro.

Mais leve e disposta
São só quatro meses de vegetarianismo, mas Inês Busch já sente diferenças na corrida com a mudança alimentar. A meio-maratonista, de 29 anos, contou que fez sua opção pelo ovolactovegetarianismo por uma questão de saúde e consciência de que o alimento de origem animal traz muitos malefícios ao organismo humano. “Quando parei de comer carne, não senti diminuição em minha performance. Muito pelo contrário, o fato de ter uma alimentação mais saudável me deixa ‘mais leve’ para a corrida. Como a digestão é muito mais rápida para os vegetarianos, temos que comer mais vezes ao dia, mas estamos sempre com o máximo de energia”, disse a contadora, que mora no Rio de Janeiro e fez sua estreia nos 21 km na Golden Four da Asics. Como foi uma mudança gradual, Inês não chegou a notificar seu treinador porque acredita que vegetarianos não precisam de treinos específicos. Mas um acompanhamento nutricional está em seus planos, a curto prazo.

“Nunca gostei muito de carne vermelha ou frutos do mar e comia carne branca por falta de opção. Já vinha nesse processo há alguns anos, mas por falta de conhecimento achava que seria impossível, até que comecei a ter contato com vegetarianos e ler bastante a respeito. Ainda não conseguiu formar uma opinião sobre a necessidade de suplementos alimentares. Li artigos de vários profissionais e todos são controversos, alguns a favor e outros contra, mas todos bem fundamentados. Pretendo deixar essa questão nas mãos do nutricionista”, disse Inês, que por enquanto se considera autodidata no vegetarianismo.

Mudança paulatina
Ler bastante a respeito para saber fazer as devidas substituições e, com isso, melhorar o desempenho na corrida, é consenso entre os corredores vegetarianos. Mudar a alimentação aos poucos também. Afinal, um corredor não nasce da noite para o dia. Vegetarianos também não. Há anos que o empresário e analista de sistemas Marcelo Pereira participa ativamente do movimento em defesa dos animais, tendo, inclusive, já sido presidente de uma ONG com essa finalidade. O envolvimento cresceu a ponto de fazê-lo achar estranho proteger uns animais e comer os outros.

Vegetariano há dois anos, Marcelo divide o cotidiano de trabalho e treinos para a Meia do Rio com a responsabilidade na implantação do projeto “Segunda sem carne” (conhecido em vários países), em Niterói, com o apoio da Secretaria do Meio Ambiente do município. “Hoje em dia, retirar a carne do cardápio é muito fácil, pois temos muitas opções de alimentação sem essa fonte de proteína. Sempre que comento que sou vegetariano e corredor, perguntam se eu nunca tive anemia e de onde tiro forças pra correr. Respondo que amo massa, mas no meu prato não pode faltar uma salada”, comenta.

Nutrientes importantes para o corredor vegetariano
Proteínas
Participam na produção de hormônios, enzimas e células do sangue, e na reparação muscular.
Fontes – leite e derivados, ovos, soja e grãos como lentilha, grão-de-bico, aveia e feijão com arroz.
Ferro
Aparece principalmente na hemoglobina do sangue, responsável pelo transporte de oxigênio.
Fontes – frutas secas, pães integrais com cereais, vegetais de cor verde-escuro e grãos como feijão, lentilha, ervilha e grão-de-bico.
Vitamina B12
Importante na formação das hemácias, além de participar da formação de tecido nervoso.
Fontes – leite e derivados, vegetais verde-escuros, gergelim, soja, tofu.
Cálcio
Atua na construção dos ossos e dentes e na contração muscular.
Fontes – leite e derivados, vegetais verde escuros, soja, tofu, gergelim, milho.
Zinco
Importante componente de enzimas, papel estabilizador na síntese protéica, essencial para a mobilização hepática da vitamina A.
Fontes – leite e derivados, cereais matinais, cereais integrais, feijão, nozes, amêndoas, soja
Consultoria: Julia Vasconcellos, da NutriCorp

Tipos de vegetarianismo
Ovolactovegetarianismo: A maior parte dos vegetarianos se enquadra nessa categoria. A rotina alimentar inclui ovos e derivados de leite, o que diminui o risco de a pessoa vir a ter deficiência de proteína.
Lactovegetarianismo: Permite o consumo de derivados de leite, mas não inclui ovos na dieta. É um dos tipos mais comuns.
Ovovegetarianismo: Os seguidores desse estilo alimentar alegam que o consumo de ovos é permitido porque a galinha os botaria mesmo se eles não fossem utilizados na alimentação humana.
Veganismo: Quem optar por ser vegan deve se preparar para beirar o radicalismo alimentar e filosófico. Não só carnes, ovos e derivados de leite são cortados. Qualquer produto que exija o sacrifício, em maior ou menor grau, de um animal – de mel a blusas de lã – é proibido. Mais do que uma opção alimentar, o veganismo é um estilo de vida. Os mais fanáticos sequer vão ao cinema: a película da tela possui gelatina.
Crudivorismo: Os que adotam esse tipo de vegetarianismo não comem carne ou peixe crus. E nenhum dos alimentos restantes, principalmente os brotos, são cozidos acima de 48ºC, ponto a partir do qual as enzimas dos vegetais começam a ser destruídas.
Frugivorismo: O que leva os seguidores dessa dieta a comerem somente frutas, nozes e alguns legumes é a preocupação em não matar as plantas, consumindo só o que elas podem repor facilmente, ou seja, seus frutos.
Macrobiótica: Seus adeptos comem basicamente frutas, legumes e cereais integrais e acreditam que os alimentos dividem-se em dois grupos, de acordo com sua energia: yang e yin. Segundo eles, é preciso dosar alimentos dos dois conjuntos para obter equilíbrio energético e, consequentemente, manter a saúde do corpo e do espírito. Alguns macrobióticos consomem peixe.
Vegetarianismo estrito: Os motivos não são energéticos, como no caso dos macrobióticos, nem filosóficos, como para os vegans, mas os vegetarianos estritos, por uma questão de saúde, também não comem nada de origem animal.
Fonte: site Vida Vegetariana

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