20 de maio de 2024

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Blog do Corredor Maraturismo Redação 15 de junho de 2018 (0) (195)

MEIA DA FILADÉLFIA: “ACOLHEDORA”

Se pudesse definir em uma pa­lavra a Meia-Maratona da Filadélfia, essa seria "acolhe­dora". Realizada duas semanas após a Maratona de Nova York, em 17 de novembro, a "Philadelphia Ma­rathon", que possui os 21 km como prova simultânea, tem tudo para ser uma ótima opção para quem pretende correr nos Estados Unidos. A terra de Rocky Balboa é uma ci­dade tranquila, em contraste com a vizinha hiperativa, mas não menos apaixonante, localizada a duas ho­ras de ônibus (ou trem) de NY.
Estar atento às promoções-re­lâmpago das companhias aéreas foi o que fez essa prova cair de colo na minha preparação rumo ao recorde pessoal na meia. Para quem está acostumado com o ca­lor tropical do Rio de Janeiro, os 12°C que marcavam na cidade nos dias anteriores eram mais do que deliciosos: também geravam uma espécie de "doping" natu­ral, e era preciso se segurar para não acelerar demais nos treinos das vésperas. Aliás, treinar com centenas de pessoas ao longo do "Fairmount Park", contemplando as margens do Rio Schuylkill e o pôr do sol, terminando em frente ao Museu de Arte Moderna e su­bir as famosas "Rocky Steps", já vale a viagem e entra na minha galeria particular de treinos mais bonitos que já fiz.
A competição, que completava a 20ª edição, é extremamente bem orga­nizada. A começar pelo site (http://philadelphiamarathon.com/), com informações claras e de fácil compre­ensão para quem tem domínio ou não da língua inglesa. Não há sorteio ou outros pré-requisitos, a exceção de quem quer largar na frente, que tem que comprovar o seu tempo. O valor da inscrição, de U$ 125 é, a princípio, salgado. Mas as atividades do final de semana mostrariam que ela valeria cada centavo investido.
A Expo, realizada no Pennsylvania Convention Center, ficava bem no centro da cidade, de fácil acesso tanto para quem estava na zona hoteleira, como para quem tinha alugado um apartamento de temporada perto da largada, como foi o meu caso. Além disso, a feira estava localizada ao lado
da famosa Reading Terminal Market, o melhor local para se experimentar o principal sanduíche da região: o "Philly Steak". A feira tinha grandes proporções, com uma enorme varie­dade de marcas, produtos e serviços. Os preços eram muito bons. A exce­ção eram os itens exclusivos do pró­prio evento, de ótima qualidade, mas caros.

EXPO COMPLETA. Um dos serviços oferecidos foi o de seminários técnicos, bem no centro da Expo, com uma va­riedade de temas interessantes, como o percurso detalhado, ou sobre os tê­nis minimalistas, recuperação para atletas, dicas para quem iria fazer os primeiros 42 km e, o meu preferido, a palestra sobre como se preparar men­talmente para uma competição, confe­rida por um dos ícones da corrida nos EUA, o tetracampeão da Maratona de Nova York e Boston nos anos 1970, a simpatia em pessoa, Bill Rodgers, que também venceu uma das primeiras edições da Maratona do Rio, em 1981. (Leia a entrevista).
Mas o que realmente impressionou era como a cidade abraça o evento, e isso se refletia claramente no número de voluntários engajados na entrega do kit, em prestar informações e em montar toda a estrutura para os mi­lhares de corredores. Pais, mães e filhos, que trabalhavam juntos, além disso tudo ainda distribuíam pronta­mente a água ou o isotônico no per­curso ou entregavam as medalhas aos concluintes. Senhoras e jovens viravam a noite, confeccionando os kits que seriam entregues ao final das corridas. Algo nunca presenciado por mim, surpreso e maravilhado.
As atividades esportivas começa­ram no sábado, com uma disputa de 8 km com largada e chegada no mesmo lugar do evento principal: em frente ao Museu de Arte Moderna. Após ela, uma corrida para as crian­ças. Era comum ver pais com o kit na mão, batendo palmas a seus filhos e a centenas de crianças que cruzavam o mesmo pórtico e tinham o mesmo tratamento que eles receberiam no dia seguinte. Um incentivo e tanto na promoção de novos corredores.

30 MIL INSCRITOS. No domingo, os 30 mil corredores inscritos, seja na meia ou maratona, tinham a recomenda- ção de chegar com quase duas horas de antecedência da largada, marcada para as 7h. Era uma questão de segu- rança, segundo a organização: todos passariam por uma revista para evi- tar que atentados, como de Boston, se repetissem. No fi nal, mesmo com a inspeção não ter sido tão rigorosa as- sim (mal olharam minha bolsa), não houve qualquer contratempo, com as baias, defi nidas pelo seu tempo esti- mado de conclusão, respeitadas por todos. Não importava se você largas- se no calcanhar da elite ou lá no fun- dão; o uso das baias e o respeito dos corredores a ela fi zeram com que nin- guém tivesse problemas ao largar ao som de "Gonna Fly Now" pela ampla Avenida Benjamin Franklin, o que só comprova que a adoção desse siste- ma, aqui no Brasil, não ocorre muito mais por desinteresse dos organiza- dores do que por problemas logísticos ou fi nanceiros. Embora a temperatura estivesse um pouco mais elevada do que nos outros dias, os 14°C da largada ainda eram excelentes para quem quisesse buscar seu recorde pessoal. Eu iniciei apenas de regata e short, e a luva des- cartei antes da primeira milha. De certa forma é um alívio quando você corre com uma agradável tempera- tura e umidade, mas sem enfrentar o frio totalmente inédito de quem vive abaixo da linha do Equador. Maratonistas e meio-maratonistas iniciaram e correram juntos até os últimos 300 metros dos 21 km, quan- do os primeiros seguiram em direção a outro lado da cidade, enquanto os outros voltaram ao pórtico de chega- da. O percurso da meia é um verda- deiro city tour pelo centro da cidade, passando pelos seus principais car- tões-postais, como o Museu de Arte Moderna, o Museu Rodin, e Insti- tuto Barnes, o "Liberty Bell", o Sino da Liberdade, um dos símbolos mais notáveis da Independência Estaduni- dense, a China Town da Filadélfi a, o zoológico, entre outros símbolos cultu- rais do lugar.

PLANOS E SUBIDAS. Apesar do cli- ma favorável, das milhares de pes- soas aplaudindo nas ruas, e do bom nível técnico entre os corredores amadores, possibilitando que cor- rêssemos em bloco o tempo inteiro, a prova é bem traiçoeira. Plana no início, depois da milha 7 (um pouco depois de 11 km), passa a ter uma série de curtas, mas íngremes subi- das, que vão minando a musculatu- ra, culminando em uma longa, sinu- osa e íngreme subida pouco antes da milha 10 (16 km). Entre alguns con- cluintes, havia quem dissesse que ela lembrava muito a famosa Hear- tbreak Hill da Maratona de Boston. Após este último aclive, voltava-se ao plano, e quem seguia para os 42 km percorria uma segunda metade basicamente plana. Por ser uma corrida relativamente desconhecida e por possuir uma par- te bem dura, os tempos foram aquém do desejado: no segmento masculino, o etíope Abebe Mekuriya venceu com certa facilidade, em 2:17:35. Já entre as mulheres, a russa Irina Alexan- drova foi a primeira colocada com 2:39:06. Na meia, o queniano Elijah Muturi Karanja concluiu o percurso em 1:02:59, enquanto a marroquina Rkia El Moukin batia o recorde do trajeto, com avassaladores 1:10:53. Brasileiros estiveram presentes: 11 na meia, 8 na maratona e 1 no per- curso de 8 km de sábado. Apesar de toda difi culdade altimé- trica, o meu recorde pessoal foi bati- do em 15 segundos, ao completar em 1:16:40, na 64ª posição geral. Como última prova de 2013, pude celebrar a conquista à base de muita cerveja Samuel Adams e sanduíche Philly Steak, torcendo para o time local de futebol americano, o Philadelphia Ea- gles, pelo qual os habitantes têm uma paixão avassaladora. Essa é a recep- tiva e aconchegante cidade de Fila- délfi a, que vai deixar saudade da paz que transmitia em suas ruas e de um evento muito bem organizado, que va- loriza o corredor como ele merece.

Entrevista com Bill Rodgers

Bill Rodgers é um dos ícones da corrida de rua nos Estados Unidos, possuindo o currículo invejável de ser tetracampeão da Maratona de Nova York e da de Boston, batendo o recorde americano duas vezes nesta última. Além disso, ele ganhou a segunda edição da Maratona do Rio (na época, chamada "Maratona Atlântica-Boavista) em 1981, e da Filadél­fia, em 1974.
E foi em "Phillys", como os americanos apelidam a cidade, que Rodgers fez a conferência intitulada "How to train your mind to run like an olympian" (Como treinar sua mente para correr como um atleta olímpico) na Expo. Com 66 anos recém-completa­dos, "Boston Billy", como era chamado, é a simpatia em pessoa, sempre sorridente. Ele concedeu uma rápida entrevista para a Contra-Relógio, porque havia uma fila enorme de fãs, de todas as idades, querendo que ele autografasse sua biografia, "Marathon Man", escrita por ele em parceria com Matthew Shepatin. Agora, a entrevista:

Você esteve no Brasil, para correr a Maratona Atlântica-Boavista em 1981 e 1982. Quais são suas lembranças dessas provas e sobre o Brasil?
Eu achei incrível aquela disputa, o público invadindo a rua… era inacreditável. É uma corrida maravilhosa! Foi uma experiência única no Brasil. Ganhei em 1981 e foi emo­cionante. Mas é quente! Muito quente (em 1982, ele abandonou no km 28, num dia especialmente quente) Você já fez? (Respondo que fiz este ano, sob um calor de 30 graus) Então você pode fazer qualquer maratona no mundo! (Risos). Mas eu lembro com muito carinho do Brasil, conheço, além da Maratona do Rio, a São Silvestre em São Paulo. A largada é à meia-noite, incrível! (Infelizmente, tive que contar que a prova agora começa às 9 horas)

Há quem diga que você comia muita pizza em véspera de competições. Isso con­fere? Você recomenda isso para alguém?
(Gargalhadas) Você me pegou, é verdade. Eu não via nada demais em comer pizza, afinal, temos que nos abastecer de carboidrato para a prova. Mas as pessoas se assustavam. Era uma espécie de truque que eu tinha em véspera de maratona.

Você parava nos postos de abastecimento para tomar água (entregue em copos abertos), ao contrário dos outros atletas de elite. Por que fazia isso?
Realmente, eu parava sempre nos postos. Naqueles anos, muitas maratonas não ofereciam água suficiente aos participantes, ou na quantidade que eu achava necessário. Então, eu parava para me hidratar bem e seguia em frente, perdendo só alguns segundos.

Qual foi a corrida que você mais quis ganhar, entre todas que venceu?
Sem dúvida, Boston. Quando me mudei para a cidade com meu irmão Charlie, em 1971, recordo que vi a chegada da maratona e fiquei maravilhado! Aquilo reacen­deu a vontade que eu tinha de correr e que estava estagnada pela iminência de eu ser chamado para servir na Guerra do Vietnã. Então, eu sempre tive uma conexão emocional muito grande com a prova e com a cidade (hoje, ele mora em uma cidade pequena em Massachusets e mantém, há 35 anos, uma loja de produtos esportivos, a "Bill Rodgers Running Center", em sociedade com o irmão).

E você também foi tetracampeão em Nova York na mesma década. Qual das duas é mais difícil?
É difícil comparar, mas Nova York é fria, muito fria. E nada fácil: ela é sinuosa, com várias subidas e descidas que vão maltratando o corredor. Mas a recepção do públi­co é… (ele solta um suspiro) inacreditável, fantástica. Você tem que correr lá!

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