8 de maio de 2024

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Cross training vale a pena?

POR FERNANDO BELTRAMI | FISIOLOGIA |JUNHO 201

O cross training, substituição de uma modalidade por outra dentro do ciclo de treinamento, é uma opção para os que estão com dificuldade de correr, seja pelo clima, pelo cansaço mental do treino ou uma lesão. Saiba quais são as opções mais populares e os prós e contras de cada uma.

O ano mal começou e já estamos em junho. Se por um lado o inverno traz dias mais frios, excelentes para treinos longos e velozes, por outro o clima às vezes se torna tão adverso que não há vontade de correr que resista. Os meses de junho e julho são tradicionalmente marcados pela ausência dos corredores nas praças, parques e pistas. A esteira, claro, é uma opção, mas nem todos têm acesso a uma ou a capacidade psicológica necessária para trocar um treino de 15 km a céu aberto por uma máquina que não sai do lugar.

Se a chuva e o frio não permitem que se siga a planilha de treinos adequadamente, muitos preferem trocar de esporte temporariamente, ou pelo menos diminuir a quantidade de corridas na semana e alterná-los com outra prática, de forma que se fique menos dependente do clima.

Entra em cena o chamado cross training ou treinamento cruzado, que significa exatamente o que o nome sugere: treina-se uma modalidade na esperança de que as adaptações causadas pela prática “cruzem” a barreira da especificidade e sirvam também para outra atividade. Em termos práticos, é simplesmente trocar um pedaço do volume de corrida por ciclismo ou musculação, por exemplo, mas sempre com o intuito de melhorar na corrida.

Para corredores, existem pelo menos três situações mais usuais de cross training sobre as quais há material disponível com relação a sua eficácia ou não: o uso do ciclismo, natação e musculação como alternativas para manter a forma. Existe ainda uma quarta, a corrida em piscina funda, mas esta modalidade não é facilmente encontrada nas academias, e mesmo assim merece um artigo inteiro para si.

TRÊS TIPOS DE MUSCULAÇÃO – A musculação costuma ser uma escolha popular entre os corredores por diversos motivos. O primeiro deles é o fato de que vários corredores já praticam musculação em paralelo com os treinos de corrida, então quando não podem correr por qualquer motivo, simplesmente passam a frequentar a academia com mais frequência. O segundo é o fato de corredores sempre acharem que precisam fazer mais musculação (“falta perna depois do quilômetro tal…”), então qualquer incentivo para começar já é o bastante.

Caso a musculação seja a modalidade escolhida, é preciso ter em mente que existem várias formas de musculação, com objetivos e resultados diferentes. Como qualquer outro esporte, a musculação também é regida pela lei da especificidade, que diz que as adaptações ao treinamento são específicas para o tipo de trabalho realizado. Para que se possa escolher o tipo de trabalho adequado às necessidades de cada momento, vale a pena conhecer um pouco mais sobre eles.

Uma pesquisa publicada em 2002 ilustra muito bem as diferenças entre os três principais tipos de musculação: os participantes do estudo foram divididos em 4 grupos e submetidos a um período de 8 semanas de treinamento nos mesmos exercícios. A diferença entre os grupos estava no tamanho das séries: o primeiro realizou séries máximas de 3-5 repetições, o segundo grupo séries entre 9-11 repetições máximas e o terceiro entre 20-28 repetições. O quarto grupo serviu como controle e não fez nenhum tipo de exercício.

A diferença nos tamanhos das séries se explica pelo princípio da especificidade: séries curtas (3-6 repetições) são consideradas de força pura, ou seja, aumentam a força máxima da pessoa, sem no entanto trazer alterações significativas de ganho de massa muscular. As séries entre 8-12 repetições máximas são consideradas as séries de hipertrofia, que aumentam o tamanho das fibras musculares e por consequência o músculo como um todo. Estas séries também aumentam a força máxima, porém não exatamente pelos mesmos mecanismos que séries de força pura. Por último, as séries máximas com grandes quantidades de repetições (mais de 15), são consideradas séries de resistência muscular localizada, e tem por objetivo justamente aumentar a capacidade muscular de lidar com cargas baixas por longos períodos.

Voltando ao trabalho que mencionamos, o objetivo da pesquisa era justamente testar a veracidade destas predições sobre os efeitos de cada tipo de série. Os resultados indicaram o esperado: apenas os grupos realizando 3-5 e 9-11 repetições tiveram aumentos significativos de força máxima e também ganho de massa muscular (que não chegaram a ser diferentes entre os dois grupos). O que realizou séries longas, no entanto, foi o único a apresentar aumento na resistência muscular, e também a apresentar melhoras em um teste de esforço aeróbico, um efeito que naturalmente seria interessante para corredores.

Como visto no trabalho, em tese corredores de fundo normalmente têm mais a se beneficiar do treinamento de resistência muscular. Isto porque tanto a corrida quanto o treinamento de resistência estabelecem adaptações similares na musculatura. As cargas de hipertrofia, por exemplo, costumam gerar adaptações diferentes daquelas causadas pela corrida longa, e portanto as sessões parcialmente “anulam” os efeitos da outra, fazendo com que o resultado de cada uma seja menor do que se cada modalidade fosse treinada individualmente. Pelo mesmo motivo, o período de inverno, com uma eventual diminuição da carga de corrida, pode se mostrar uma fase ideal para corredores que desejam ganhar massa muscular sem se sentir culpados por deixar a corrida de lado por algumas semanas.

É fundamental que se estabeleça, no entanto, que o treino de musculação, seja qual for o objetivo, é mais efetivo quando se trabalha com repetições máximas, como foi o caso do estudo que mencionamos. Trabalhar com repetições máximas quer dizer que quando se realiza uma série de 20 repetições, a carga deve ser tal que se realizem 20 repetições porque não se consegue realizar a 21ª. O mesmo é verdade para séries de 3, 12 ou qualquer outro número de repetições. O ideal então é estabelecer uma margem da quantidade de repetições no início do treinamento. Vamos supor, por exemplo, que nosso treino será de 20-25 repetições. No início, escolheremos uma carga em que se consiga realizar apenas 20 repetições. A cada sessão, tentamos realizar mais repetições por série, e quando chegarmos no ponto em que se atinjam as 25, está na hora de aumentar a carga e voltar para as 20, reiniciando o ciclo.

Existem ainda outras formas de se lidar com a musculação, como por exemplo os treinos em circuito, onde se trabalham séries de resistência muscular em sequência, sem intervalo (alternando exercícios de membros superiores e inferiores), de forma que a frequência cardíaca não baixe, tentando desta forma oferecer um estímulo aeróbico maior. A validade deste tipo de série frente a um treinamento de resistência tradicional é questionável, pois os ganhos de resistência não serão os mesmos, e o estímulo aeróbico possivelmente não seja significativo para corredores saudáveis. Outra alternativa, esta sim mais interessante, é o uso de exercícios de pliometria.

Estes exercícios se caracterizam por séries envolvendo saltos e gestos explosivos, e diversos trabalhos já mostraram que eles possuem grande potencial em melhorar a economia de movimento de corredores, com efeito sobre a performance. Estes ganhos de economia de corrida de corrida e performance, aliás, também aparecem volta e meia como consequência de séries “normais” de musculação de alta intensidade, mostrando que alguns corredores se beneficiam de séries de força, ao contrário do que revelou o estudo inicial que abordamos.

CICLISMO, APESAR DOS RISCOS – É difícil falar de ciclismo hoje em dia sem se discutir onde se treinar e a questão da segurança. Pessoalmente, eu já desisti de pedalar no Brasil, pelo menos morando em grandes cidades. São muitas histórias de acidentes mais ou menos graves para me animar a comprar uma bicicleta novamente. Mas segurança a parte, vamos tratar do ciclismo apenas como modalidade.

Um trabalho acompanhando triatletas durante 40 semanas de treinamento e avaliando as cargas de treino nas três modalidades, por frequência cardíaca, constatou que existe sim um efeito cruzado (positivo!) do treino em ciclismo sobre a corrida. Além disso, também já foi constatado que aumentando o volume de treino de corrida com mais corrida ou com ciclismo se geram as mesmas respostas hormonais, um indicativo de que as adaptações metabólicas seriam semelhantes entre as duas modalidades.

A corrida e o ciclismo compartilham inúmeras similaridades: são ambos esportes aeróbicoS que utilizam membros inferiores, e dessa forma as adaptações metabólicas no sistema cardiovascular provenientes de um tendem a ser aproveitados no outro. Uma das diferenças mais importantes entre as duas modalidades, no entanto, está no comprimento em que a musculatura é mais exigida nas duas modalidades. Explica-se: quando se treina um músculo, sempre existe um comprimento em que ele é solicitado a realizar mais força, e a partir disso existe o que se chama de curva força x comprimento de um grupo muscular.

Por exemplo: para se estender o joelho (um “chute”), nosso pico de força está com o joelho flexionado em 90°, e a capacidade de produzir força cai conforme estendemos o joelho. Para corredores e ciclistas, no entanto, esta curva não é a mesma, porque o quadríceps (responsável pela extensão do joelho), é solicitado em comprimentos diferentes nas duas modalidades, mudando a forma da curva. Isto é um problema particularmente grande para triatletas, por exemplo, que precisam treinar as duas modalidades com a mesma importância.

Para corredores que apenas trocam parte do seu volume de treino durante algumas semanas por ciclismo, esta questão não chega a ser de grande relevância, apesar de já ter sido demonstrado que a inclusão de treino de ciclismo por apenas 10 dias já o suficiente para causar pequenas diminuições na economia de corrida.

NATAÇÃO BENEFICIA SIM – O treino de natação não irá fazer com que um corredor corra mais, ou melhor. Simples assim. O que complica descartarmos a natação com uma modalidade interessante de cross training é o fato de que muitos corredores têm a se beneficiar da prática da natação no âmbito de condicionamento geral, pois nadar oferece ganhos de condicionamento para os membros superiores que a corrida jamais oferecerá, tornando a aptidão física do corredores mais homogênea. Em períodos de recuperação de lesões, por exemplo, a natação pode vir a ser a única alternativa de modalidade que um corredor consiga realizar sem risco.

O mais importante quando se opta pela natação é estar consciente da necessidade de se realizar um treinamento com a mesma qualidade daquele que se faz em terra, com dias longos, dias de série etc. Mas já reparou que o “quadro” com o treino do dia nas piscinas de academias é o mesmo desde quando você começou a nadar, seja lá quando foi isso?

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