8 de maio de 2024

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História Notícias Redação 11 de junho de 2020 (1) (953)

A última corrida de José Baltar, um dos grandes nomes do atletismo nacional

por Vicente Sobrinho

O atletismo brasileiro perdeu um dos grandes atletas do passado, José Baltar Cavalcante de Mattos, de 70 anos, vítima de Covid-19, no Rio de Janeiro. José Baltar faleceu no último dia 9, no Rio de Janeiro. A Contra-Relógio lamenta a notícia e, em luto, envia sentimentos à família. Como forma de homenagem, reproduzimos aqui uma matéria especial publicada na revista, que mostra a carreira do grande atleta. Confira.

Em setembro de 1980 a Printer realizou a segunda edição, desta vez com quase 700 participantes, mostrando o sucesso da iniciativa de oferecer a opção dos 42 km aos brasileiros, como já ocorria no mundo, de forma expressiva. Nesse mesmo ano mais uma maratona surge no Rio, promovida pelo Bradesco e Jornal do Brasil, marcando de vez o início das provas de 42 km no Brasil.

José Baltar Cavalcante de Mattos, cearense de Sobral, sempre foi facilmente reconhecido pela calvície precoce, pela altura (1,89 m) e por seu estilo elegante de correr. “Magrão” faz parte da história das corridas e maratonas cariocas. Foi o 4º colocado na estréia em 1979, com o tempo de 2h47, e o 9º na 2ª edição da mesma maratona (2h39). Com o detalhe de ter começado a correr para valer com 28 anos em provas de pista e logo também nas ruas e em maratonas.

DOS 800 M AOS 42 KM. Nos primeiros anos da década de 80, José Baltar era figura constante nos pódios de competições de 800 e 1500 e igualmente em corridas de 10 a 42 km. Ele comenta sobre essa época.

“Cheguei ao Rio, com 18 anos, para passear, mas acabei ficando; meu primeiro emprego foi de ajudante de supermercado, depois em 1974 trabalhei na Serpro, onde fiquei até 1991. Foi lá que tive a oportunidade de conhecer a corrida, sendo que nos primeiros dez anos de Rio de Janeiro eu nem imaginava o que significava a palavra atletismo.”

Como acontece para muitos iniciantes, a corrida foi apresentada para Baltar nas olimpíadas internas da firma que trabalhava. A estréia foi em duas provas na pista do Flamengo, em 1978, em duas competições muito diferentes. “Eu fui o segundo colocado nos 400 m e venci os 2000 m; as provas foram uma seguida da outra e eu corri de Kichute porque achava que esse era o melhor tênis para correr.”

Após essas provas, Baltar some por alguns meses, só retornando após insistência do amigo Ramiro, que queria levá-lo até o Fluminense para um teste, no qual chegou um pouco atrasado. Talvez por isso tenha sido tratado com pouco caso, sugerindo que voltasse outro dia e ele retornou, mas 3 semanas depois. “Eu não apareci na data combinada, demorei, precisava criar coragem. Logo que cheguei o professor quis tirar a prova dos nove e me mandou correr para valer, e assim fiz!” Baltar bate o recorde dos 3000 m do clube, com 9:38.

Surpreendendo a todos no Fluminense, José Baltar logo foi inscrito para correr sua primeira prova de rua a “Volta do Maracanã”, de 9,5 km na qual chegou em 4º lugar. A partir dessa corrida, Baltar começa a levar a sério os treinamentos e se dedica às pistas de atletismo. Em 1979 corre os 1500 m na pista do Célio de Barros, para 3:59 vencendo Carrapeta, atleta da Gama Filho, imbatível até então. Baltar evolui nessa distância e em 1980 faz 3:52; em 1981 chega a 3:49 e em 1982 a 3:46.

A GRANDE VITÓRIA NOS 1500 M. “Uma lembrança que ficou marcada para mim foi o vice campeonato brasileiro de 1981, quando nos 1500 m venci o recordista sul-americano Agberto Guimarães. Nos últimos 100 metros, com a emoção do estádio lotado, comecei a dar tudo de mim e a me aproximar dos dois ponteiros; como vinha de trás, surpreendi os dois quase na linha de chegada. O esforço foi tanto que desmaiei após cruzar a chegada. Inesquecível!”

Outra prova importante de Baltar foi a obtenção do recorde da milha (1609 m), com o tempo de 4:04.3 por ocasião do evento “Milha Internacional do Rio de Janeiro”, em 12 de março de 1983, organizado pela Corja (Corredores de Rua do Rio de Janeiro) e pelo NYRR New York Road Runners. Os quatro primeiros foram estrangeiros, e o tempo de Baltar não foi reconhecido oficialmente pela disputa ter acontecido na rua. Baltar superou nomes conhecidos da época, como Adauto Domingues (treinador de Marilson Gomes dos Santos), Cosme Nascimento e Wilson Parreiras (hoje organizador de eventos esportivos).

Apesar de algumas vitórias e vários pódios, Baltar dividia seu tempo entre treinos e trabalho, mesmo porque não havia premiação em dinheiro na época. Assim, sempre precisou trabalhar, o que lhe impedia de treinar com mais afinco para provas longas, como a maratona. José Baltar correu mais de 40 delas, e recordou que em 1985 participou pela primeira vez em Nova York, onde seguiu uma estratégia errada. “Passei a meia maratona muito rápido, em 1h03, e acabei quebrando, fechando em 2h40.”

Perguntado sobre as principais diferenças das corridas daquela época e as de hoje, Baltar foi enfático: “A mudança principal é muito boa, já que foi o surgimento de premiação em dinheiro. Os corredores de minha época, no balanço final corriam mesmo por prazer, para ganhar troféus. A corrida hoje é um grande mercado, gira muito dinheiro e, diferentemente da minha época, atrai a grande maioria pela qualidade de vida e não apenas pela competição.”

 

A NOVA REALIDADE DAS CORRIDAS. Baltar, que desde 2000 é Guarda Municipal do Rio, compara os dois momentos. “Atualmente vejo que há muitos anunciantes em uma prova, bastando olhar as camisetas. E mesmo assim, com tanto patrocinador, para se inscrever é caro. Estamos vivendo um tempo engraçado; quanto mais se cobra, mais vejo as corridas lotarem. O que me chateia é que o espírito é outro, ganhar uma medalha hoje tem uma conotação diferente. Participativa!? Sou da época que para fazer valer a medalha tinha-se que correr, até porque não havia para todos. Hoje é só completar.”

Perguntado sobre as diferenças da Maratona do Rio, no que considerava a época de ouro, ele comentou: “Acho difícil a Maratona do Rio voltar a ser o que era, principalmente na questão de apoio do público; antes de chegarmos em Copacabana, já no Leblon, enchíamos os olhos de tanta emoção pelo aplauso e apoio das pessoas. Agora isso acontece somente a alguns metros próximo da chegada e olhe lá!

Baltar acredita que essa mudança é fruto das várias divisões de provas dentro de um evento chamado maratona. “Ficou muito diferente, porque antes o maratonista era o personagem principal e as pessoas que assistiam tinham conhecimento do desafio que os participantes estavam enfrentando. Era dele e somente dele a glória por completar. Acho que deveríamos voltar a ter a maratona como uma prova única.”

Baltar operou os meniscos em 2007 e desde então se recupera. “Estou quase 100%. Pretendo voltar a treinar para correr com prazer. Não gosto de chegar me arrastando, não é inteligente. Creio que voltarei a competir em breve!”

Atualmente Baltar treina com os 12 colegas de profissão da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, com os quais divide toda sua experiência. “Estamos planejando participação em maratonas e meias, e no fim do ano na São Silvestre!” Baltar comenta que a SS é uma corrida que sempre lhe deixou encabulado, a ponto de nem conseguir lembrar as datas com exatidão: “Gostava quando ela acontecia à noite! Corri poucas, três ou quatro. Essa é realmente uma prova que requer muito preparo, porque é cheia de surpresas. Digo isso porque já tive o prazer de correr entre os primeiros e em num piscar de olhos, próximo do final, eu ser superado por vários corredores, mesmo me esforçando no limite. Minha melhor colocação foi um 55º lugar, nem lembro direito o ano.”

MARATONA VIROU CORRIDA COMUM

Quanto aos treinamentos Baltar afirmou sempre gostar dos treinos mais simples. “Acho importante correr em escadarias, degraus me fortalecem e dão resistência e explosão. Essa é minha forma de fazer peso e quanto mais repetições melhor. Acredito que tinha a fama de sempre ser veloz nas provas que tinham subidas porque fazia tiros em escadarias, e quando tinha falta de tempo chegava a fazer isso no prédio mesmo.”

Para os iniciantes que pretendem correr uma maratona Baltar ressaltou que é preciso formar base. “Comece com provas curtas e só depois avance para os 21 km. Acho que é necessário pelo menos 3 anos para o iniciante pensar em competir em uma maratona.”

E ele comenta sobre o que vê agora. “A maratona virou uma corrida comum e não deveria ser assim. O resultado é mais gente machucada, por falta de preparo. É só assistir quem chega próximo das 5 horas; dá impressão de um fim de guerra. É um sacrifício, quando deveria se correr por prazer.

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One Comment on “A última corrida de José Baltar, um dos grandes nomes do atletismo nacional

  1. Ao meu inesquecível amigo corredor José Baltar Cavalcante de Matos,que Deus,conforta seus famíliares e amigos,saudade das inúmeras corridas que participei com ele era um corredor de elite,elegante e muito veloz.

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