19 de maio de 2024

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Blog do Corredor Notícias Redação 6 de dezembro de 2010 (0) (106)

Sí, se puede!

Planejo correr uma maratona por ano. Então escolho bem a prova, levando em consideração uma série de fatores: minha disponibilidade, oportunidade, clima, percurso, objetivos. Esse ano coloquei na cabeça que queria fazer minha primeira sub 4 horas e consequentemente meu novo recorde pessoal. Teria de ser uma prova sem grandes dificuldades de altimetria. No início do ano cheguei a pensar em Berlim, realizada em setembro. Depois comecei a considerar Buenos Aires – bem mais perto, menos gasto, bem recomendada, percurso convidativo e em uma data "cabalística" (10/10/10).

Fiz minha inscrição no mês de abril, comuniquei meu treinador (Marcos Paulo Reis) da minha decisão, e passei a treinar com foco, tendo quase seis meses para me preparar. Começamos com um trabalho de base muito bem feito. Depois, nos mesmos três treinos por semana de sempre, lapidávamos velocidade, ritmo e resistência. Se existiu algum diferencial nessa minha preparação acho que foram as provas de montanha que fiz (ganhando com isso certa agilidade) e a bicicleta (usada como meio de transporte). Ter perdido quatro quilos ao longo dos últimos meses com certeza também ajudou a chegar bem na maratona portenha. 

 

MI BUENOS AIRES QUERIDA! As últimas provas e os últimos longões que fiz me deixaram confiante de que seria possível atingir a meta da maratona sub-4 (meu melhor tempo até então era 4h04, em Porto Alegre 2008). Mas sei que cada dia é um dia – e no dia da maratona tudo pode acontecer.

A previsão inicial para o domingo em Buenos Aires era de frio – quem sabe até uma chuvinha. Mas o sol começou a dar as caras já na sexta-feira, deixando a temperatura excelente para passeios, mas nem tanto para uma prova como a maratona. Um amigo argentino disse que, devido à alta umidade da cidade, a sensação de calor seria maior. Fiquei preocupada, pois havia me programado para o frio, até com camiseta de manga longa. Um treinador amigo, que encontrei na cidade, recomendou que eu diminuísse o ritmo de prova em caso de calor excessivo. Puxa vida, depois de tanto treino, seria o sol meu algoz?

E o sol brilhava bonito no domingo, 10/10/10. A largada era às 7h30, na Avenida Figueroa Alcorta (em Belgrano). Com o trânsito já interrompido pela região, o taxista nos deixou muito longe. Eram 6h40 e teríamos de caminhar uns 4 km. Estressei e mal falei com as pessoas que estavam comigo. Está aí uma coisa importante: planejar o deslocamento para largada, para evitar contratempos. Deveria ter me informado melhor na véspera. Metade caminhamos, a outra metade fomos trotando – o que no final acabou sendo bom, servindo como aquecimento.

Momentos antes da largada, tocavam algumas festivas canções argentinas, as pessoas batiam palmas e eu me arrepiava de emoção. Havia chegado a hora. A largada da maratona, com cerca de cinco mil participantes (muitos brasileiros e chilenos, alguns paraguaios e equatorianos e até europeus), aconteceu sem atropelos. Parti, concentrada no ritmo que deveria imprimir a cada quilômetro. Pelo planejamento, deveria pegar leve nos 10 primeiros, com ritmo de 5:45/km, para depois encaixar em 5:35, concluindo, se tudo desse certo, em 3h57. E tudo deu certo desde o início, com ritmo bem regular. Passei os 10 km em 55:37.

 

BOMBONERA? ONDE? Nem percebi passar a primeira hora de prova, percorrendo largas ruas e avenidas em direção ao centro. Estava me sentindo muito bem, mas embora confiante, sabia que o sub-4 não estava definido: temia o sempre possível "muro" depois do km 30. Nesse ponto encontrei amigos da minha assessoria e segui ao lado deles. Estávamos com camisetas amarelas, com uma pequena bandeira brasileira estampada, e um deles tinha a inscrição Brasil no peito. Com isso, éramos saudados o tempo todo. Os argentinos, em grande número pelas ruas da cidade, foram muito amáveis com os brasileiros: "Vamos, Brasil", "si, se puede!", gritavam.

Em alguns momentos lembrava a recomendação de um guia turístico local: Buenos Aires é uma cidade para se correr olhando para o alto, para admirar a beleza de suas edificações. Fiz isso em vários trechos. Em outros, concentradíssima em meu ritmo, consegui não enxergar o enorme e amarelo estádio do Boca Junior – Bombonera (entre o km 16 e 17), uma das atrações do percurso.

Passei pela meia maratona com o tempo de 1h55 – tudo seguindo conforme o planejado. A hidratação na prova foi perfeita: água a cada 5 km, com isotônico (e algumas vezes frutas) intercalando também a cada 5. Somente as esponjas molhadas – prometidas em três trechos da prova – não foram suficientes para todos os corredores.

Eu tomava meu carboidrato em gel a cada 50 minutos ou uma hora de corrida, me hidratando bem também. E segui com meus amigos, até o km 30, quando eles abriram um pouco. Não forcei para seguir junto – pelas minhas contas, era só manter o ritmo, podendo até diminuir um pouco, para chegar ao sub-4. Mas o sol começava a ficar forte, aumentando o desgaste, e tudo o que eu queria era chegar logo para escapar dele.

 

VAI UMA COCA-COLA? Em Buenos Aires contei com o apoio do treinador Fábio Rosa, da MPR. Ele estaria esperando os alunos no km 35 para ver se estávamos bem e dar uma Coca-Cola para levantar o ânimo. Aliás, ótima dica: ao correr uma maratona, combine com seu acompanhante ou um amigo de esperá-lo em um determinado ponto no quarto final da prova, oferecendo um refrigerante ou batata salgada. Desde o km 30 eu "sonhava" com essa Coca.

O 35 começava em um pequeno trecho de descida, tendo o Planetário Galileo Galilei à direita, e passava por baixo de um viaduto. Nesse instante veio aquela sensação maravilhosa que senti em minha primeira maratona, uma alegria imensa e também uma grande vontade de chorar. É difícil explicar por que isso acontece. Só sei que o ar começa a faltar, a respiração fica ofegante e até lágrimas ameaçam escorrer. Mas se eu chorasse poderia faltar fôlego. O melhor a fazer era controlar um pouco a emoção e partir em busca da Coca-Cola.

Mas cadê o Fábio? Quando já estava pensando que não iria encontrá-lo, o vejo atravessando a pista e me entregando uma garrafinha de Coca. Ele perguntou como eu estava e respondi: "estou ótima!" O refrigerante desceu redondo.

Faltava muito pouco. Mais 7 km e a sub-4 seria uma realidade. A essa altura a projeção era de 3h54.

Nos quilômetros seguintes entramos em um parque, com pessoas circulando entre os corredores da maratona – não chegou a atrapalhar, mas ficou um pouco confuso. Na reta final, novamente na linda Avenida Figueroa Alcorta, me senti poderosa – passo firme, brilho no olhar, sorriso no rosto -, conseguindo ultrapassar alguns corredores. Ouvi minha filha gritar "mãe, sub-4!". E ela correu para me fotografar. Lembro de ter dito: "É bom correr, porque eu não vou diminuir para você bater foto".

Faltando poucos metros para a chegada, veio novamente a vontade de chorar. Dei um grito de felicidade e deixei a emoção e as lágrimas virem. Cruzei a linha chorando e rindo. No relógio, a marca de 3:53:46 – uma sub-4, com folga.

PÓDIO MASCULINO VERDE-AMARELO

A maratona de Buenos Aires teve predomínio brasileiro no pódio masculino. A vitória foi do gaúcho Claudir Rodrigues, que esteve na liderança praticamente desde o começo, fechando no tempo oficial (bruto) de 2:17:31. Depois chegaram Adriano Bastos (2:17:41) e Marcos Alexandre Elias (2:18:28). No feminino, Rosalba Chacha, do Equador, venceu com 2:37:16, depois a brasileira Rosangela Pereira Faria (2:39:09) e chilena Natália del Carmen Romero (2:40:02). A prova valeu como campeonato ibero americano de maratona, tornando-se Claudir e Rosalba os campeões deste ano.

BUENOS AIRES: BOA, BONITA E BARATA

Comprando com antecedência, a passagem aérea para a capital federal argentina pode sair por uma pechincha. Idem para hospedagem – com várias opções de hotéis econômicos e até alugueis de apartamento por temporadas (mínimo de uma semana) em bons bairros.

E com a moeda argentina (peso) valendo pouco mais que cinquenta centavos do nosso real, Buenos Aires torna-se um roteiro perfeito para os brasileiros. Por lá come-se e bebe-se muito bem – das carnes aos doces, vinhos e cervejas, tudo é muito bom e relativamente barato. O maratonista, que perde de duas a três mil calorias na prova, as recupera rapidinho na gastronômica cidade.

Entre as atrações turísticas – além de tangos e compras -, você encontra belíssimas áreas para corridinhas pré e pós provas, como os Bosques de Palermo (onde está o Rosedal, no coração do Parque 3 de Febrero,  um jardim maravilhoso com várias espécies de rosas, excelente para uma caminhada tranqüila); Puerto Madero (na Avenida Pierina Dealessi, no lado oposto aos restaurantes badalados do cais) e Plaza de las Naciones Unidas (quatro hectares de área, cuja atração principal é a Floralis Generica, escultura de metal em forma de flor, criada pelo arquiteto argentino Eduardo Catalano).

E para quem quer conhecer Buenos Aires de um jeito diferente – trotando, uma dica é fazer um running tour. A Urban Running Tour (URT -http://urbanrunningtours.com.ar) oferece passeios por pontos importantes da cidade, comandados por um guia corredor (em espanhol ou inglês). Atende a grupos de até quatro corredores, com roteiros como Bosques de Palermo, Palermo Soho & Hollywood, Puerto Madero, Recoleta, San Telmo e Belgrano, em percursos de 10, 15 ou 21 km, de acordo com o gosto e o pique do freguês. Preços a partir de 60 dólares.

Um ponto negativo de Buenos Aires, como em qualquer grande cidade do mundo, é a violência: turistas recebem avisos o tempo todo para tomarem cuidado com bolsas, celulares e carteiras – o que pode deixar a viagem mais tensa, como constataram alguns brasileiros que lá estiveram para a maratona.

 

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