19 de maio de 2024

Contato

Releitura Redação 21 de março de 2022 (0) (2577)

A CORRIDA COMEÇA AOS 40…

por Yara Achôa | TUDO EM CIMA | ABRIL 2010

Apagar quatro dezenas de velhinhas no bolo pode requerer algum fôlego. Mas será que a preparação para se iniciar no esporte nessa idade é tão diferente do frescor dos 20 anos?

A velha máxima “a vida começa aos 40” anima quem está perto ou já chegou às quatro décadas. É quase como se fosse dada a oportunidade de zerar o cronômetro e iniciar um novo ciclo. Ainda que não seja necessário esperar tanto tempo, há quem aproveite a entrada nos “enta” (quarenta, cinqüenta, sessenta…) para uma transformação no estilo de vida. É aí que a corrida muitas vezes passa a fazer parte do cotidiano dessas pessoas. Geralmente mais estáveis profissionalmente, mais maduros, podendo ter um melhor gerenciamento de seu tempo, esses novos atletas aparecem em número cada vez maior correndo (e bem) em parques, ruas e provas. A questão é: eles precisam ter cuidados diferentes dos recomendados aos mais jovens?

Mais do que apontar “necessidades especiais” na hora de um veterano começar a correr, o treinador americano Hal Higdon, no livro Corrida e Boa Forma Depois dos 40 (Editora Gente), recém-lançado no Brasil, mostra que é possível se tornar um bom corredor após as quatro décadas de existência. “Com o passar dos anos, alcancei muito mais sucesso do que tinha conseguido no ensino médio ou na faculdade”, diz. Ele conta que, depois dos 40, ganhou quatro medalhas de ouro e cinco de prata e de bronze nos Campeonatos Mundiais de Veteranos (ou Masters). “Em uma de minhas vitórias, estabeleci um recorde mundial na categoria M45 que, um quarto de século depois, ainda permanece como recorde americano para veteranos”. Por que não poderia acontecer com você? Ok, não estamos propondo que você se torne um campeão mundial, mas quem sabe o melhor naquele encontro da turma de ex-colegas da faculdade…

Da mesma maneira, o professor de educação física José Alexandre Filho – ou Bro, como é conhecido -, da Academia Pelé Club, de São Paulo, decidiu provar na prática aos amigos quarentões que era possível realizar uma mudança radical, com força de vontade e apoio de especialistas. Ele reuniu uma equipe de médicos, nutricionistas e personal trainers e traçou o projeto A Vida Começa aos 40 – transformado em livro, pela Editora Lua de Papel, lançado no final de 2009.

Em 16 semanas, os profissionais acompanharam a transformação de um quarentão sedentário e acima do peso: Daniel – o voluntário que topou encarar o programa – perdeu 11 quilos de gordura e ganhou 6 quilos de massa muscular, reduzindo sua gordura corporal de 23,29% para 11,93%. “É a inatividade e não a idade que leva o indivíduo a ter problemas de saúde e até parecer mais velho. Recebemos uma pessoa que já apresentava sinais de hipertensão, colesterol alto, entre outras coisas, e o levamos a conquistar condições clínicas ideais, além de um visual sarado”, conta Bro. E mesmo um ano depois do encerramento do programa, Daniel mantém a forma. “Hoje ele está ainda melhor, tanto em termos de saúde, como de condicionamento e performance”, completa o professor, mostrando que mesmo com o passar do tempo é possível evoluir.

SEGURANDO O TEMPO

Definitivamente a chegada da idade não limita a atividade física. “Em todos esses anos trabalhando com treinamento para amadores, vi vários exemplos de pessoas que mudaram seu estilo de vida aos 40, 50 e até aos 60 anos, e várias delas confessaram que nunca haviam atingido um nível de condicionamento comparado ao daquele momento, o que, convenhamos, é maravilhoso!”, comemora o treinador Mário Sérgio Silva, diretor técnico da Run&Fun Assessoria Esportiva, de São Paulo. Ele lembra, porém, que a partir dos 30, o corpo já começa a entrar em processo contínuo de perdas fisiológicas, entre elas a de massa muscular, força, velocidade de condução nervosa, diminuição da elasticidade muscular e articular e menor viscosidade das articulações. “Esses processos sofrem uma aceleração maior a partir dos 40 anos. Por isso alguns corredores começam a ter mais problemas musculares e articulares após essa época”, alerta.

O bom é que a atividade física, em especial a corrida, pode fazer com que seus níveis funcionais permaneçam estáveis. Segundo Mário Sérgio, um homem de 50 anos ativo pode ser comparado fisiologicamente a um jovem de 20 anos. “É por isso que em muitas maratonas e provas de corrida pelo mundo todo, entre os 20 primeiros colocados sempre encontramos corredores com mais de 40, o que confirma que é possível se manter até em um patamar competitivo”.

CUIDADOS QUE VALEM PARA TODOS

Os exames médicos são recomendados para todos que iniciam uma atividade física – em qualquer idade. Mas o check-up cardiológico, especialmente a realização do teste ergométrico, segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, é obrigatório a partir dos 40 anos. Trata-se de um dos exames mais importantes dentro da avaliação de saúde do indivíduo. Portanto, quarentão ou quarentona, você deve começar com uma ida ao médico, seguida da realização das avaliações de laboratório.

Outra indicação que vale para todos os corredores: musculação. “Mas ela tem se mostrado especialmente benéfica para a melhoria de qualidade de vida de pessoas acima dos 40. Acredito que, aliada a um programa de corrida, representa também uma proteção para sua capacidade cardiorrespiratória”, diz Mário Sérgio. Isso porque a dupla “corrida e musculação” contribuiria para a diminuição de gordura no organismo e para o aumento de massa magra por meio do crescimento dos músculos e também do peso ósseo (aumento de 30% a 50% do peso). “As duas atividades fortalecerão o coração e todos os grupos musculares, ajudando tanto na evolução cardiovascular como na prevenção de lesões e perda de peso”.

Agora, se existe uma dica mais específica para esse grupo de veteranos ela é: corra por prazer. “Você pode e deve participar de competições, nas mais variadas distâncias, mas corra sem competir com os mais jovens e sem querer demonstrar que, apesar dos primeiros fios brancos e das primeiras marcas de expressão, pode ganhar deles”, aconselha o treinador da Run&Fun. É importante respeitar seu corpo – e nessa altura do campeonato você já deve estar bem familiarizado com ele, não? “Com a maturidade você passa a se conhecer melhor e tira maior proveito disso, inclusive na hora da atividade física”, diz o professor Alexandre Bro, ele mesmo um corredor de 42 anos.

Também é importante lembrar que, mais do que nunca, o descanso e o sono são necessários. Um corredor mais velho precisa de mais tempo de recuperação do que um mais jovem. “Isso é fisiológico”, diz Mário Sérgio.

Se você começou agora ou pensa em se iniciar no esporte, depois dos 40, acredite: a corrida foi feita para você. Em pouco tempo, com fôlego renovado, você será capaz de colocar no chinelo muito jovem por aí.

MAIS VELHINHAS EM SEU BOLO

Se você começar a correr aos… … pode acrescentar a sua vida mais…
35 anos 2,51 anos
40 anos 2,34 anos
45 anos 2,10 anos
50 anos 2,11 anos
60 anos 1,75 anos
65 anos 1,35 anos
70 anos 0,72 anos
75 anos 0,42 anos

Fonte: Livro Corrida e Boa Forma Depois dos 40

BOX

10 PASSOS PARA O SUCESSO DOS VETERANOS

“Às vezes é preciso uma vida inteira para aprender a treinar”, diz o americano Hal Higdon, que entrega os segredos que levou décadas para descobrir:

  1. Seja consistente: você precisa treinar durante o ano todo. Os veteranos, particularmente, não precisam treinar todos os dias, já que dias de descanso ocasionais e bem planejados podem contribuir para o condicionamento. “Mas é vitalmente importante evitar longos períodos sem correr”, diz o treinador.
  2. Encontre bons companheiros de treino: não importa se mais jovens ou mais velhos que você, mais lentos ou mais rápidos. Você pode se forçar um pouco mais nos exercícios com alguém a seu lado.
  3. Corra rápido: inclua treino de velocidade no seu mix de treinos. Corridas de longas distâncias, em ritmos relativamente mais lentos, apenas podem levá-lo até certo ponto. Para melhorar, você também precisa correr mais rápido.
  4. Escolha metas atingíveis: se focar numa meta muito elevada, poderá ter problemas. Se começar a lutar para seguir um programa de treino preestabelecido, feito por você mesmo ou por seu treinador, modifique-o.
  5. Gerencie eficientemente seu tempo: o mais importante é não perder tempo. Corredores que têm empregos, família e outros compromissos não podem passar seus dias obcecados com o treino. “Em outras palavras, tenha uma vida real”.
  6. Mude seus hábitos: faça algo diferente. Se seu foco anterior tinha sido a distância, mude para um treino de velocidade. Se for um louco por velocidade, tente corridas mais longas.
  7. Faça intervalos: nunca pare de correr completamente, mas também não precisa competir continuamente. Largue as competições durante um tempo.
  8. Escolha superfícies diferentes: trilhas na mata são boas para seus treinos mais difíceis. Corra em ritmos diferentes. Faça morro acima e morro abaixo. Encontre caminhos que, por mais difíceis que sejam, ofereçam um cenário deslumbrante, que desperte o prazer de viver.
  9. Tenha objetivos flexíveis: você não pode mudar o tempo e, com freqüência, não pode nem mesmo prevê-lo. O percurso pode ser mais difícil do que você esperava. “Desde que saiba que você é um campeão, não se preocupe com o que o resto do mundo pensa”, aconselha Higdon.
  10. Não se esqueça do descanso: treino excessivo ou muito forte pode ser tão ruim para você quanto nenhum treino. “Não exagere, pois menos treino pode levá-lo mais longe durante anos e anos de corrida”.

LEVADA PELOS AMIGOS

“Sempre pratiquei esportes. Em 1996, então com 46 anos, conheci algumas pessoas e começamos a sair todos os dias da academia para uma corridinha matinal. Eu era bem condicionada por anos e anos de ginástica, mas, no início, correr foi um sacrifício.

Comecei sem treinador, correndo de qualquer jeito, o que me levou a uma fratura por estresse. Daí, resolvi procurar uma assessoria esportiva, fui fazendo mais amigos, convenci muitas pessoas a virarem corredores, meu marido inclusive (o que foi muito bom para nosso casamento). E a corrida passou a fazer cada vez mais parte da minha vida.

Todos os dias levanto às cinco da manhã para cumprir minha planilha. Sou muito disciplinada e treino, com chuva ou sol. Além disso, faço aulas de alongamento, fortalecimento e natação. E uma coisa leva à outra: para fazer esporte a gente cuida mais da alimentação e do descanso. E sente-se bem, feliz, esquece até a idade que tem!

Nesses 14 anos de corrida foram muitas provas: três maratonas, várias meias, 10 São Silvestre, centenas de provinhas de 10 km, uma prova linda na Provence (França), uma de 9 milhas em Carmel (EUA), uma meia em Buenos Aires, várias de revezamento na Ilha Bela, Florianópolis, Bertioga.

Em 2007 tive a infelicidade de ser atropelada – por incrível que pareça, dentro de uma farmácia! Tive que ser operada e tenho, desde então, o ligamento anterior cruzado rompido. Pensei que nunca fosse voltar a correr. Mas a vontade era tanta, que consegui. Hoje cuido muito do fortalecimento e do alongamento e não sinto dor. Mas não cobro mais tanto resultados, só quero continuar fazendo o que me faz tão bem. Não pretendo fazer mais provas longas, mas adoraria continuar com as de 10 km. Correndo eu tenho amigos, saúde e bom humor. E quando me perguntam qual será meu próximo objetivo, respondo: continuar correndo!”

Biba Russo Burgierman, 59 anos

PENSANDO NA SAÚDE

“Comecei a correr em 2005, com 35 anos. Mas não tinha consistência nos treinos e acabei parando logo, usando como desculpa o início do meu aperfeiçoamento universitário. No final de 2008, meus exames de sangue já mostravam colesterol alto e, para completar, havia engordado muito. Foi no dia 1º de janeiro de 2009 que decidi que não iria completar meus 40 anos daquele jeito. E voltei a correr. A preocupação com a saúde foi a principal motivação. Os resultados começaram a aparecer logo, tanto no bem-estar como na minha performance. E isso motivou ainda mais. Vi logo que a idade não era um problema e penso que poderia estar em um outro nível se tivesse começado mais cedo.

A grande dificuldade foi e continua sendo conciliar os treinos com a minha rotina de trabalho. Viajo bastante e no início cheguei a perder vários treinos por achar que não teria como correr em um lugar desconhecido. Com o tempo percebi que isso também era uma desculpa. Hoje sempre carrego meu kit de corrida e batizei os treinos longe de casa de ‘treinos-turismo-pitorescos’.

Confesso que não segui a cartilha básica do corredor e não fiz nenhum exame médico no início, para confirmar que estava apto a correr. Mas comecei devagar e costumo seguir o que muitos dizem: ‘escute o seu corpo’. Se sinto alguma dor diferente, não hesito em deixar de fazer um treino programado. Se o planejamento diz para imprimir um ritmo mais forte, porém naquele dia o corpo não está respondendo, faço o melhor que posso.

Agora já são praticamente 13 meses correndo. O condicionamento melhorou muito. Na primeira prova da qual participei, em 2009, fiz 5 km em 28:35. Em 2010, fechei em 23:15 o mesmo evento. Isso sem falar nos mais de 10 quilos perdidos nesse período. No início, achava que 6 min/km era o meu pace ‘natural’ e que meu limite eram os 10 km. Mas já me dei conta que ainda estou longe de atingir meu limite e estou trabalhando para continuar melhorando. Só fico me policiando para que isso não vire uma obsessão.

O grande objetivo no ano passado foi fazer a São Silvestre. Completar essa prova foi muito especial. Para 2010 tracei a meta de fazer ao menos duas meias-maratonas – e já participei da primeira, terminando em 1h55. Meu plano mais ambicioso é partir para uma maratona. Mas entendo que a preparação para os 42 km é diferenciada e acho que meu corpo ainda não está preparado para lidar com a distância. O que espero é continuar sem lesões para chegar aos 80 correndo e feliz!”

Roberto Shigueo Suzuki, engenheiro, 40 anos

MOTIVADO PELA SÃO SILVESTRE

“Após uma cirurgia no joelho esquerdo (ligamento cruzado ‘destruído’ e meniscos), aos 41 anos, vendo a São Silvestre pela televisão, comecei a ter vontade de correr. Mas entre querer e fazer, existia uma grande distância. O início foi apenas com caminhadas e trotes bem leves. A primeira prova da qual participei foi o Troféu Independência do Brasil, em 2003. Não chegou a ser traumática, mas estava muito pesado, quase 20 quilos a mais do que tenho hoje (78 kg). De lá para cá, já fiz outras 261 provas e me sinto muito melhor do que quando era jovem. Tenho marcas de 42 minutos nos 10 km e 3h40m na maratona.

Procuro correr quatro vezes por semana e igualmente faço natação, além de pedalar, quando é possível. Meu objetivo este ano é lutar por um troféu na categoria em provas de montanha e continuar a participar de duatlos (natação e corrida). Não vou parar nunca!”

Ricardo Tadeu Riso, analista de informática, 48 anos

ATRÁS DE UM AMOR

“Minha história com a corrida começou no segundo semestre de 2008, aos 41 anos. O motivo foi uma paixão fulminante: a garota por quem me apaixonei era corredora e, para poder ficarmos juntos, eu ‘precisava’ acompanhar os treinamentos dela. Literalmente corri atrás. O início foi difícil, já que até então era sedentário. Não tinha nenhuma noção do esporte e, lógico, vieram as dores, principalmente nos joelhos.

As primeiras vezes que corri foram estranhas. Tinha vergonha: de iniciar o trote, de parecer lento, de parar. Sempre achava que as pessoas estavam me olhando e julgando. Corria sem olhar para os lados, de cabeça baixa. Mas eu pensava que tinha que conseguir o meu objetivo, que era correr para acompanhar ‘a mulher da minha vida’.

Na minha primeira corrida – 5 km, quatro meses depois do início da empreitada -, foram 29 minutos de ‘sofrimento’. Terminei com o joelho inchado, a ponto de quase não aguentar dirigir o carro. Mas de lá pra cá, não parei mais. Fisicamente me sinto bem: a corrida areja a cabeça e libera o estresse. Também já não tenho mais vergonha: com sol, frio, chuva, de dia ou à noite, sábados, domingos, durante a semana, lá estou eu correndo, orgulhoso de mim.

Em 2009 participei de várias provas, de várias distâncias. Porém as mais emocionantes foram a Meia do Rio e a São Silvestre. Embora não seja a minha meta – não quero me estressar com a corrida, ter de seguir planilhas etc. -, sei que ainda posso evoluir muito no esporte. Meu projeto mais ambicioso é correr fora do Brasil. Estão na lista a Meia de Paris e a Maratona de Nova York, quem sabe para o próximo ano.

Hoje estou muito melhor do que antes. Emagreci oito quilos com a corrida, me sinto sempre disposto, física e mentalmente. Outra coisa: não gostava de beber água (apenas refrigerante e sucos) e hoje a água é minha aliada número 1. Também passei a me preocupar mais com a alimentação. Quanto à paixão… ela transformou-se em amor e até hoje estou correndo atrás.”

Ricardo Bacelar Diniz, servidor público, 42 anos

LEIA ESTA MATÉRIA COMO FOI EDITADA NA REVISTA IMPRESSA, CLICANDO AQUI 

Veja também

Leave a comment