Em 2005, unindo o entusiasmo de recente corredor de rua com a condição de "maraturista", fiz minha primeira maratona em Saint Paul – Minnesota, aproveitando que meu filho lá residia. É uma corrida que sai de Minneapolis e vai até Saint Paul, por isso chamada de Twin Cities (cidades gêmeas). Terminei em 4h39 e no artigo que foi publicado na CR elogiei demais a prova, que era considerada a mais bonita maratona urbana da América, com 8 mil participantes, prometendo voltar para um tempo menor.
Em 2010, para comemorar 60 anos de vida e 35 de namoro com minha esposa, resolvemos viajar pelos EUA e incluímos voltar à Saint Paul para refazer a maratona. E então pensamos: porque não ir parando em outros lugares e correr outras maratonas? Após pesquisa na internet, programação de viagem, percursos e conciliação de datas, consegui fazer a inscrição para Twin Cities em 03/10, Chicago em 10/10 e Niagara Falls em 24/10.
Feita a programação, iniciei a preparação com meu treinador Paulinho Nogueira, que elaborou um treinamento especial, visto que eu já estava com 60 anos e sempre fui um corredor comum, de certo modo lento, do tipo demora, mas chega.
O treinamento consistiu de 4 meses, de junho a setembro. As semanas foram divididas em rodagens às terças, sextas e domingos, numa média de 8 a 10 km por dia. Às quintas um longo de 15 a 20 km, e aos sábados, um longo de 26 a 35 km. Nas quartas, treino de qualidade de 6 a 10 km, com intervalado de 2 minutos forte seguido de 4 fraco. Entre as maratonas seriam 2 dias de repouso, 2 de trote leve de 6 a 8 km, seguidos de mais 2 dias de repouso antes da próxima.
Paralelamente, fiz um pouco de musculação e consultei uma nutricionista, pois sentia que estava precisando de um fortalecimento nas minhas condições físicas. Também, fiz os exames médicos de rotina para segurança nos treinos e nas corridas. O coração estava normal, pronto para suportar as corridas, mas para minha surpresa os médicos descobriram um câncer de próstata. Eu, devido à idade, já fazia exames urológicos rotineiros, de 6 em 6 meses, mas a doença evoluiu, me pegando de surpresa. Além disso, com exames mais detalhados para avaliação da extensão da doença, suspeitou-se de metástase nos ossos.
Após consultas a outros médicos e opiniões, recebi o sinal verde do meu médico para correr as 3 maratonas e só na volta realizaria a biópsia óssea para ver a extensão do problema e realizar a operação de próstata, posto que o quadro clínico se mantinha inalterado. Concentrei-me na viagem com minha esposa, que nesta altura também já tinha feito inscrição para 10 km em Saint Paul e Niagara Falls. Para acompanhá-la em pelo menos uma, também me inscrevi para correr 10 km no sábado, em Saint Paul.
TWIN CITIES: MUITA FESTA. A corrida continua muito bem organizada. Na sexta, já começam as festividades na cidade de Saint Paul com a feira instalada em um hotel de frente para o rio Mississippi. No sábado, acontecem vários eventos para crianças, além da corrida de 10 km em que predomina a participação feminina. A presença das famílias, ao longo do trajeto de 5 km (ida e volta) é festiva e barulhenta. Usei a corrida para um treino leve, acompanhando minha esposa e tirando fotografias.
No domingo vem a maratona. Os corredores são levados de ônibus de Saint Paul até a largada em Minneapolis. Devido ao frio, os atletas ficam alojados em um estádio até a hora da largada. Como curiosidade, em dezembro, a cobertura deste estádio veio a ruir devido ao acumulo de neve durante as primeiras nevascas que atingiram aquela região no início do inverno. Notei poucos conjuntos musicais ou bandas ao longo do trajeto. Mas, lá continuava, posicionado na 2ª milha, o presidente da suprema corte de justiça do estado tocando sua tuba, como faz todo ano desde que aconteceu a 1ª maratona.
A população compareceu em massa às ruas, estando presente de modo bem festivo em todo o trajeto, excetuando a ponte sobre o Mississippi, que divide Minneapolis e Saint Paul no km 31 da corrida. É onde começa a parte final de 11 km, com uma subida de 5 km, seguida de uma leve descida de 5 km, completando com uma nova subida de 500 m e uma descida de 500 m até o tapete de chegada.
Atendendo a orientação do treinador para fazer a 1ª num tempo bom, e as outras duas para chegar, fiz meu melhor tempo em maratonas – 4h11.
CHICAGO: MUITO CALOR. Fiz o que um corredor não deve fazer antes da maratona. Por ainda não conhecer a cidade, passeamos muito, e mesmo não andando bastante, graças ao excelente sistema de transportes, o desgaste físico foi inevitável. A cidade estava toda enfeitada e preparada para uma maratona histórica, em função dos números da data: 10-10-2010.
Muito bem organizada e sem atropelos na largada, apesar da multidão – contei cinco músicas desde o início até passar pelo tapete de largada. Em todo o trecho a participação da população é bastante significativa, com gritos e palavras de incentivo.
Corri bem até o km 32, em que comecei a ficar com a boca seca, não havendo água que satisfizesse. Vinha me hidratando em todos os postos fixos, aliás muitos – cerca de 20. Tinha tomado o meu gel de 8 em 8 km, mas o peso de uma 2ª maratona em 1 semana e o forte calor acabaram me afetando. A partir do km 35, parava nos postos de abastecimento, pegava 2 copos de água (abertos) e ia andando e tomando, e depois voltava a correr. Mas, logo depois a boca secava novamente e meu rendimento caía.
Vi, nos últimos 6 km, vários corredores passando mal e sendo atendidos por paramédicos. Nesta altura e horário da corrida, a organização já tinha levantado a bandeira amarela e depois vermelha de alerta para os corredores, devido ao calor de quase 30ºC.
Mas, além da boca seca e certo desconforto muscular com a sensação de perna presa e pesada, mas que foi suportável, consegui terminar em 4h41. No final, ainda ganhei um copo de cerveja, que saboreei com muita satisfação.
Terminada Chicago, fui descansar por cerca de 10 dias, visitando meu filho que havia mudado para a Virgínia Aproveitei para fazer um curso rápido de fabricação de cerveja caseira com ele, o que constatei que é muito fácil e barato nos EUA, com os insumos e condições disponíveis e oferecidos pelo mercado. O produto final fica realmente muito bom, principalmente nas cervejas de sabor específico como alle e stout.
NIAGARA FALLS: MUITA ÁGUA. É uma corrida interessante e diferente. É realizada saindo da cidade de Buffalo (no estado de Nova York) e vai até a cidade de Niagara Falls, no Canadá, desenvolvendo-se ao longo de uma plana e "interminável" rodovia às margens do rio Niagara, e terminando junto às cataratas.
Niagara é uma cidade turística, com inúmeras diversões para crianças e adolescentes. E para os adultos, os cassinos, não tão grandes como em outras cidades, mas bem aparelhados para levar o seu dinheiro.
No sábado, há uma corrida de integração (3 km) entre corredores de diversos países, terminando com um café da manhã grátis e bem servido em uma cafeteria da cidade. No domingo, do mesmo modo que em Twin Cities, o corredor que está sediado em Niagara pega um ônibus que o levará até Buffalo em cerca de 1 hora de viagem.
É imprescindível levar o passaporte com visto americano e canadense válidos, pois o ônibus passa pela fiscalização da guarda alfandegária na fronteira. Pode depois deixá-lo no guarda volumes que funciona muito bem. No ônibus que peguei, havia corredores de vários países. Na fronteira, um policial entrou no ônibus, verificou os documentos de todos, olhando e devolvendo e, adivinhem, pegou o meu, olhou, guardou e ao final da inspeção me convidou para sair. Silêncio geral no ônibus, pois os corredores ainda tinham que continuar a viagem e correr uma maratona.
Ao sairmos, o policial chamou o comandante que veio do escritório com cara de poucos amigos. Deu uma olhada no passaporte, repreendeu o policial, disse que estava tudo correto, me desejou boa corrida e mandou voltar ao ônibus. Após o susto, ao entrar fui aplaudido por todos, além de ouvir as piadinhas costumeiras do motorista e dos corredores aliviados e ansiosos para chegar na largada.
Em Buffalo, como ainda tinha muito tempo (a largada era somente às 10 horas), e estava frio, fomos levados para um instituto de arte espaçoso, confortável e bem aquecido. Os corredores acomodaram-se em poltronas ou deitavam no piso acarpetado. A largada é calma, pois o número de participantes é pequeno, pouco mais de mil. Largamos ao tiro de um canhão que simbolizava a guerra entre canadenses e americanos em 1812 pela posse do território.
Corre-se por cerca de 7 a 8 km na cidade, no plano, com uma pequena subida para atravessar a Peace Bridge entre EUA e Canadá, sobre o rio Niagara. Durante este trajeto pouca gente no percurso e percebia-se que eram familiares dos corredores.
Ao entrar no Canadá corre-se no plano por 34 km, de novo com pouca gente assistindo. A animação maior ficava por conta de grupos de estudantes e adolescentes de diversas escolas, colocados nos postos de abastecimento e que faziam muito barulho.
De novo, corri bem até o km 32, quando novamente minha boca começou a secar. Optei por parar nos postos, pegar 2 copos de água (abertos) e tomar andando, para depois voltar a correr. Mas, logo minha boca secava novamente e meu rendimento caía.
Mesmo assim, a chegada foi emocionante, pois como tinha poucos corredores (e eu já era um dos últimos), o locutor falava alto e em bom som o nome e o país do corredor, parabenizando-o e ganhando os aplausos do público. Pouco antes da linha final, uma criança entrou na pista, deu com sua mão na minha e correu ao meu lado. Foi muito legal.
Após a chegada – 4h38, aquela sensação gostosa de ter completado as 3 maratonas e o abraço da esposa, que havia participado da corrida de 10 km.
De volta a São Paulo, com a alma leve que acompanha os corredores, voltei aos exames e tratamento médico para uma nova maratona. Aquela que será talvez a mais difícil, a maratona da vida.
Nota: Após escrever este texto, fui operado e tratado muito bem pelos médicos. A doença estava no início e a suspeita de metástase nos ossos não se confirmou. Estou me recuperando e já pensando em repetir a dose no final de 2011 em outros 3 lugares. E se Deus quiser, desta vez focado unicamente no desempenho das maratonas, sem o stress de uma doença ocupando a mente.
* Rodinei Pereira é assinante de São Paulo.