Estávamos com um estande da CR na entrega dos kits da Meia da Asics, em SP (veja cobertura nesta edição), e foi possível ouvir um pouco das palestras e bate-papos que lá aconteceram. Em um deles, abordou-se o percurso em detalhes, bastando citar que por mais de meia hora se falou a respeito.
Então, fiquei sabendo que logo no km 1 havia um túnel, com uns 100 m de descida e outro tanto de subida. Sobre esses 200 m se debateu por uns 10 minutos e não consegui compreender muito bem por que esses míseros metros "poderiam comprometer toda a prova", como disse um palestrante. Depois fiquei sabendo que na avenida Pedroso de Moraes havia uma subida suave, que igualmente era merecedora de atenção. Aí me surpreendi mesmo, já que treino na Pedroso há 10 anos, duas vezes por semana, e sempre achei que era uma via plana. Pensei: ou eu sou um cara insensível à variação altimétrica ou ando muito bem treinado, o que sabia não ser verdade. Me lembrei do filme "Os deuses devem estar doidos"…
Um pouco assustado sobre as armadilhas do percurso, que requereriam, segundo os debatedores, uma estratégia bem elaborada e cumprida, resolvi não mais prestar atenção ao bate-papo, mesmo porque cada um defendeu de uma forma totalmente distinta como se deveriam encarar os 21 km.
No dia da prova, tomei um café da manhã corriqueiro e comi uma banana pequena antes da largada. Pelos meus treinamentos (longos confortáveis de 23 km por estrada, nos dois domingos anteriores; e rodagens de 15 km, às terças e quintas), imaginava que faria entre 2h00 e 2h05, mas como estava muito frio (10 graus), sabia que correria mais forte do que deveria, para esquentar, e isso poderia levar a uma quebra no terço final. Então, lá pelo km 4, estabeleci minha "estratégia", ao ver um corredor um pouco pesado à minha frente: não o ultrapassaria, de forma a me poupar para os quilômetros finais, sabedor do prazer que é correr rápido ao se aproximar a chegada.
CADÊ A SUBIDA? E assim fiz, aproveitando um trecho para conversar com um assinante, o que mostrava que estava correndo sem forçar. Foi quando descobri que não tinha ficado atento às tais subida e descida na Pedroso e acabei por não encontrá-las, o que me fez lembrar da minha primeira participação na Comrades, para comemorar meus 60 anos. Nessa ultra sul-africana existem 5 subidas famosas e tomei conhecimento sobre elas, mas sem chegar a sonhar ou ter pesadelos com esses morros, e muito menos sobre o que faria ao encontrá-los. Durante a prova, após umas duas horas desde a largada, perguntei a um corredor ao lado sobre a primeira das tais subidas e fiquei sabendo que ela já tinha passado…
Voltando à Meia da Asics, seguia atrás de meu robusto coelho e me surpreendia pelas passagens dos quilômetros a 5min30, ritmo que se mostrava relativamente confortável, mas decidi me manter fiel à estratégia traçada. Apesar de seu peso, meu marcador de ritmo involuntário ingeria sachês de carboidrato em gel a cada 20 minutos e na altura do km 17 recorreu também a algumas cápsulas, mas não sei do quê. Me lembrei novamente da minha estreia na Comrades, quando optei por fazer os 89 km sem levar absolutamente nada, confiando plenamente no abastecimento da organização, que oferece água, coca e isotônico a cada milha (1,6 km) e, de forma mais espaçada, banana, laranja, chocolate, batata e sal. Assim fiz também em São Paulo, apenas bebendo alguns goles de água no percurso, sem tocar no Gatorade oferecido.
Em frente ao velódromo na raia da USP, acabei me distraindo e passei meu coelho, nunca mais o vendo. Estava bem e resolvi correr sem me segurar, nos últimos 3 km. Foi quando, confirmando minha sensação de que estava em um bom dia, ao procurar a placa dos 18 km descobri que ela marcava 19 km, então era só ir para a chegada, que alcancei em 1h54. Mais uma vez constatei que, quando se está treinado (no meu caso, com boa quilometragem), tudo fica muito fácil em uma prova: as subidas são ótimas, as placas de km passam rápido, não há necessidade de estratégias mirabolantes e se fazem os últimos quilômetros voando.