21 de setembro de 2024

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Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (87)

Sobre corridas, cachorros, vacas e outros bichos na Índia

Tomei gosto pelas corridas em 1989 e com o tempo me tornei uma corredora de longa distância. Além de uma melhor saúde, qualidade de vida, mais disciplina e foco nas atividades do cotidiano; ganhei muitos novos amigos nos treinos e nas corridas pelo Brasil e mundo afora. Para onde viajo por mais de um dia, meu tênis de corrida vai na bagagem e, claro, que na mala que levei à Índia quando fui trabalhar em Goa por 11 meses, não faltou meu "companheiro" de todos os dias. 

Próximo ao hotel onde morava tinha uma rua com cerca de 1 km de extensão e um pequeno canteiro verde no meio. Não se comparava à avenida Boa Viagem de Recife, mas ao menos a rua não era um depósito de lixo e cheia de buracos como a maioria das ruas de Goa. Por ser uma rua de pouco trânsito, não tinha motoristas indianos ensandecidos; mas justamente por ser um lugar pacato, havia muito cachorro de rua. Pelos menos três matilhas disputavam o território. Quando comecei a correr, era obrigada a caminhar em vários trechos da rua, pois se corresse os cachorros vinham para cima latindo e rosnando. Passei alguns meses correndo e segurando na mão pedras e pedaços de pau para me proteger. Com o passar do tempo, os cachorros deixaram de avançar, começaram a fazer festa balançando o rabo e depois passaram a me ignorar. Mas bastava um deles latir para a confusão começar. Os cachorros de rua, assim como os macacos em algumas regiões da Índia, geram graves problemas de saúde pública.

Além dos cachorros, as ruas também estão cheias de vacas. Mas ao contrário dos cachorros, elas vivem pacata e docilmente com os humanos. Foi com as vacas indianas que aprendi que estes animais têm memória. Todos os dias, entre 6 e 7 horas da manhã, as mesmas vacas "batiam ponto" na frente de uma das casas da rua. Elas mugiam e esperavam pacientemente que a dona da casa acordasse e viesse alimentá-las. O mais divertido era ver a reação dos cachorros. Eles ficavam furiosos, pois a senhora só dava alimento para elas. Depois de alimentadas, as vacas rumavam a outras áreas, deixando muitas "minas" pelo meio do caminho. 

Mas o bicho mais típico da Índia é o bicho homem. Logo cedo havia sempre muito indiano na rua, mas poucos fazendo exercício. Muitos se dirigiam ao posto de distribuição de leite da cooperativa e tinham um andar apressado para chegar ao posto antes que o leite acabasse. Muitas mulheres íam ao posto ainda vestidas de camisola. Também era comum ver homens em frente às suas casas com um copinho d'água na mão escovando os dentes. Ali mesmo, faziam o bochecho e cuspiam. Outra cena típica era homens e mulheres andando encostados aos muros das casas e arrancando as flores dos jardins, provavelmente para a cerimônia hindu chamada "puja" (oração diária com insenso, flores e outras oferendas feitas em casa).

Em torno das 7 horas, a rua ficava cheia de estudantes uniformizados para a escola: os meninos vestidos com calça ou short com camisa social e gravata e as meninas com saias plissadas abaixo dos joelhos e suspensórios, fazendo-me lembrar da farda que eu usava no Colégio das Damas na década de 70.

Por fim, alguns poucos estavam se exercitando. Cem por cento deles caminhando e a maioria era homem. Eles vestidos com calça social, legging ou sarongues e elas com os típicos saris (tecido de vários metros, transpassado pelo corpo). No começo, paravam com olhar estupefato ao me ver correndo, mas a reação mais comum era me ignorar. Depois de alguns meses, até passaram a me cumprimentar e eu já não me sentia uma estranha no ninho. Mesmo assim, jamais tive em Goa, o prazer de correr que estava acostumada; corria apenas para não perder a forma. Por isso, foi com grande felicidade que depois de 11 meses voltei a correr na avenida Boa Viagem.

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