No meio científico, apresentar estudos em um congresso é a maneira mais rápida de fazer com que seu trabalho chegue ao grande público. Pula-se o arrastado processo de publicação em periódicos especializados, que pode demorar anos. No meio esportivo, um dos maiores eventos deste tipo é o encontro anual do Colégio Europeu de Ciências do Esporte, que teve a participação de mais de 3 mil pesquisadores de diversos países.
Nestes eventos é possível mostrar os resultados de seu trabalho em apresentações de 10 minutos, sendo que o autor principal pode ser questionado pela plateia logo após. Assim, se estabelece uma linha direta entre o que é produzido nos centros de pesquisa e o grande público. Sempre de olho nos últimos achados que podem ser benéficos aos corredores, organizamos esta compilação dos trabalhos que mais chamaram a atenção em 2013.
ORIGEM DE FADIGA. Uma área "quente" nos últimos anos, e de grande importância para o treinamento, se refere à origem da fadiga. Muito se fala sobre se a fadiga está nos músculos ou na cabeça, se não seria simplesmente uma sensação ao invés de um evento fisiológico.
Recentemente, com o advento de novas tecnologias, é possível separar os diferentes "tipos" de fadiga, para identificar qual a real causa da diminuição de força (ou do ritmo de corrida, por exemplo) durante o exercício, e assim criar estratégias de treino mais eficientes. Um estudo inglês comparou a perda de força muscular durante uma contração máxima realizada após três testes de ciclismo de diferentes distâncias: 4, 20 e 40 km. Inicialmente se viu que após os três testes a força voluntária das pernas diminuía sempre na mesma proporção.
No entato, apesar de o nível de fadiga "voluntária" ser o mesmo entre testes de 4, 20 e 40 km, a origem do desgaste corporal era diferente entre eles. No teste mais curto, a fadiga estava essencialmente na musculatura em si, ou seja, houve uma perda de capacidade contrátil do músculo. Já nos testes mais longos, o cansaço muscular era menos pronunciado, mas a fadiga central foi mais elevada. Este desgaste "central" se mede de uma maneira um tanto quanto curiosa: se utiliza um aparelho para enviar um pulso elétrico ao cérebro no local exato para gerar uma contração da musculatura do quadríceps; depois se compara a força desta contração com aquela que a pessoa é capaz de gerar voluntariamente. Curiosidades à parte, fica a conclusão: quanto mais longa a prova, mais mental é a fadiga.
SUCO DE BETERRABA. Estudos investigando os benefícios do suco de beterraba sobre a performance e saúde cardiovascular seguem a todo vapor. O suco de beterraba é uma fonte natural de nitrato, que entre outros efeitos no organismo torna a contração muscular mais eficiente, diminuindo o custo energético da corrida e melhorando a performance. O mesmo grupo inglês responsável por um dos primeiros trabalhos na área demonstrou neste ano os efeitos de diferentes dosagens de suco de beterraba sobre o exercício em três parâmetros: pressão arterial, consumo de oxigênio em exercício e performance.
Ao comparar quantidades de 70, 140 e 280 ml de suco de beterraba ingeridos 2,5 horas antes do exercício, concluiu-se que enquanto a performance se beneficiou na mesma proporção com as dosagens de 140 e 280 ml, a ingestão de 140 ml potencializava a redução de pressão arterial. E a dose de 280 ml levou a uma maior redução do consumo de oxigênio em exercício. Enquanto estas dosagens parecerem ser benéficas, é bom não exagerar: o consumo desmedido de suco de beterraba antes do exercício pode levar a distúrbios estomacais bem no meio da prova!
SUPLEMENTOS CASEIROS. Muito se fala na indústria da suplementação sobre os benefícios exclusivos de determinada marca, moléculas desenvolvidas em laboratórios, fórmulas patenteadas, etc. Só para depois vir alguém e demonstrar que uma caixinha de achocolatado tem o mesmo efeito que toda essa tecnologia.
Na mesma linha industrial versus caseiro, um grupo português comparou os efeitos de uma bebida especial pós-treino contendo um mix de carboidratos e proteínas com uma vitamina caseira feita com leite desnatado, morango e banana. A bebida caseira obteve uma curva semelhante à do shake industrializado nos quesitos de recuperação de força e alívio de dores musculares, após um protocolo extenuante de musculação. É mais um alerta para aqueles que acreditam em todas as propagandas que leem.
MELHOR SÉRIE. Uma das principais falhas nos estudos investigando os efeitos do treinamento físico é que, para manter a simplicidade de interpretação, os treinamentos são normalmente baseados em um único tipo de série. Ou se faz treino intervalado, sempre igual, ou se treina sempre em ritmo constante, que também não muda.
Um estudo austríaco com pacientes em processo de reabilitação cardíaca resolveu investigar se existe mesmo diferença entre os diferentes tipos de série. Foram comparados os efeitos de seis semanas de treino contínuo (31 minutos entre 65 e 75% da frequência cardíaca máxima), intervalado (4 x 4 min entre 85-95%) ou em pirâmide (65-95-65%, dois minutos em cada estágio). Todos os três tipos de treino aumentaram significativamente a capacidade de exercício dos pacientes, o que mostra que existem várias formas de fazer o treinamento físico dar certo, e as diferentes séries podem ser mescladas e ajustadas com a preferência de cada um.
TÊNIS COM MOLAS. A onda dos tênis com molas foi um dos grandes fiascos técnicos da indústria esportiva nos últimos anos, mas nem por isso a ideia está completamente morta. Depois do Nike Shox, que possuía grandes molas nos calcanhares ou por toda a extensão do solado, se consideram agora os efeitos de "micromolas de alta densidade" inseridas no solado de um tênis normal de corrida, como é o caso dos tênis da americana Spira. Sendo muito menores, estas molas não criam (em tese) a instabilidade das suas antecessoras e simplesmente atenuam a velocidade com que as cargas de impacto são impostas ao organismo.
Neste primeiro trabalho foi demonstrado que, apesar de as molas não aumentarem a propulsão da passada (o que talvez a indústria e os corredores fossem gostar), elas reduzem significativamente algumas das forças de impacto no solo, o que é promissor para o campo de redução de lesões por estresse. É esperar para ver.
MUSCULAÇÃO. Há muito tempo que se recomenda que exercícios de musculação sejam realizados sempre em cargas máximas. Por exemplo, uma série de 10 repetições para fins de hipertrofia deve ser realizada com uma carga em que se consiga realizar as 10 repetições, mas não se conseguiria realizar 11. Esse conceito é conhecido como treinamento por RM (repetições máximas).
A lógica para este tipo de trabalho é que maximizando a fadiga e o acúmulo de metabólitos na musculatura, durante o exercício, se potencializaria a sinalização para que o organismo se adaptasse ao exercício. Dois renomados pesquisadores espanhóis, em palestras diferentes, questionaram este conceito.
Novos dados apontam que diminuir o tamanho das séries, como por exemplo realizar 7-8 repetições com a carga de 10 repetições máximas propicia adaptações de magnitude semelhante ou até maior, além de reduzir os riscos de lesão e tornar a recuperação mais rápida, pois o distúrbio da homeostase (adaptação do corpo a efeitos externos) é menor. Uma excelente notícia para quem não gosta de sofrer na sala de musculação! Além disso, estas séries "mais leves" também facilitam a realização dos treinos de musculação e de corrida ao mesmo tempo, tornando ambas as práticas mais eficientes.