Entre os dias 5 e 8 de março último ocorreu em Nottingham, na Inglaterra, o segundo Encontro sobre Bases Biomédicas da Performance de Elite (tradução livre), organizado pela Sociedade Fisiológica, uma das mais importantes entidades reunindo fisiologistas do esporte.
Ao longo dos quatro dias de evento, centenas de trabalhos foram expostos, em que pesquisadores novatos mostravam seus resultados mais recentes e veteranos ofereciam um apanhado dos principais marcos de suas carreiras. Estivemos por lá e revelamos aqui três trabalhos que mais nos chamaram a atenção.
Gordura versus carboidratos
Por que é interessante: A onda low-carb, pregando redução drástica de carboidratos na alimentação, ganhou muita força recentemente, e a discussão que começou no campo da saúde agora está migrando para os efeitos sobre a performance.
Achados recentes: O argumento pró low-carb é que, se reduzindo a ingesta de carboidratos, o organismo se acostuma a queimar mais gordura (este é um fato). Utilizando-se mais gorduras, se preserva os estoques de glicogênio (também real), que o organismo parece levar em conta ao criar nossa percepção de esforço (fato). Assim, uma dieta rica em gorduras poderia melhorar a performance, por reduzir a sensação de esforço via uma melhor manutenção do glicogênio.
No outro lado da moeda, argumenta-se que a queima de gordura é menos eficiente do que a de carboidratos (fato), e que por isso metabolicamente não faz sentido tentar maximizar o uso de gordura durante o exercício, quando o foco é performance.
Veredito: Com dois pesquisadores de peso discutindo o assunto, cada um vindo de um dos pontos de vista ilustrados acima, percebe-se que até o momento não existem provas concretas de que uma transição para dietas low-carb traga benefícios para a performance.
Esta foi a conclusão até mesmo do grupo que acredita que a dieta deveria funcionar. No entanto, defensores do low-carb também podem dizer que os mesmos estudos mostraram que a dieta low-carb pelo menos não piora a performance.
"Memória" muscular
Por que é interessante: Um achado comum, porém pouco explicado, é o de que indíduos treinados que passam por um período de destreino conseguem melhorar sua performance de forma muito mais rápida, num segundo protocolo de treino.
Este fenômeno é conhecido como "memória muscular", e sugere que algo no músculo "guarda" as informações de resposta ao treinamento. Até pouco tempo atrás, se acreditava que tal memória ocorria em algum lugar do sistema nervoso, sendo simplesmente uma questão neural/coordenativa.
Achados recentes: Um grupo norueguês conseguiu demonstrar que quando células musculares se hipertrofiam (aumentam em tamanho), a sua quantidade de núcleos aumenta. As células voltam a encolher com um período de destreino, como seria esperado, porém os núcleos "extras" não são perdidos, e parecem ser chave da memória muscular.
Veredito: Tais achados podem parecer meio distantes para a prática da corrida, mas possuem implicações muito sérias. Imagine, por exemplo, o caso de atletas que utilizam doping por testosterona ou outros hormônios, que estimulem a hipertrofia no início de suas carreiras, quando ainda estão longe dos controles anti-doping. Pela meia vida de uma célula muscular, estes atletas se beneficiarão por anos de seu doping, sem que haja qualquer evidência!
Adaptação ao calor
Por que é interessante: Protocolos de adaptação ao calor são importantíssimos para o desempenho em ambientes quentes, porém, por sua própria natureza, são extremamente sofridos. É preciso se expor por longos períodos a um ambiente hostil, apesar da baixa intensidade de exercício, e qualquer alternativa que diminua um pouco o sacrifício é bem vinda.
Achados recentes: Uma nova linha de estudos propôs que a desidratação poderia ser aliada ao estresse térmico, como forma de aumentar a carga total das sessões de aclimatação, o que poderia acelerar o processo adaptativo (no estilo "sofrer mais para sofrer por menos tempo"). Os últimos estudos na área, contudo, mostram que privar os atletas de fluídos durante o processo de aclimatação não traz vantagens.
Veredito: Protocolos de aclimatação utilizam cerca de 90 minutos de exercício leve a moderado por 5-8 dias consecutivos em ambientes quentes e úmidos. Tais protocolos trazem grandes benefícios de performance, e o sofrimento extra de restringir o acesso a fluídos não traz vantagens adicionais. Portanto, esqueça seu colega de treino durão e tome seu gole d'água sempre que preciso.