Como muitos acompanharam aqui pela revista, decidi tentar a marca (até 4h20) que me garantiria a inscrição na Maratona de Boston 2017, para comemorar meus 70 anos. Escolhi Chicago por seu percurso praticamente todo plano e clima geralmente também favorável, e treinei durante 6 meses para me sair bem por lá, mas acho que não fiz a coisa certa.
Para começar, considero agora que o treinamento, para quem já tem certa bagagem, não precisa ser tão longo, podendo se reduzir a 3 meses bem feitos. Também realizei todos os vários longos (de 25 a 35 km) em ritmo muito confortável (acima de 6:30/km), quando a meta era correr Chicago a 6:00/km, para ter uma folga nos últimos quilômetros.
Meu último longão foi 4 semanas antes da maratona, o que considero uma grande antecedência, que aliás nunca tinha me acontecido, mas assim foi para participar da Meia da Praia Grande, onde esperava completar fácil em 2 horas, mas tal não ocorreu, o que já me chamou atenção de que alguma coisa não tinha saído bem na minha preparação. Seria o chamado overtraning?
Em função disso, fui para Chicago não muito confiante, para não dizer apreensivo, pois a meta não era simplesmente completar minha quadragésima maratona, mas sim obter resultado que me qualificasse para Boston, lembrando que já tinha falhado em Santiago e Punta del Este, em anos anteriores.
Talvez por esse clima e ainda pelo belo café expresso duplo na noite anterior, depois do jantar, simplesmente não dormi um minuto sequer e fui para a largada um pouco grogue. Até que comecei e mantive os 6 min/km, mas ao contrário do que imaginava, não corria confortável, e sim quase no limite. Cheguei aos 25 km por volta de 2h30, cansado e com enorme agravante: apareceram os primeiros sinais de cãibra.
Em função de um histórico dramático de cãibras, que quando começam logo depois da metade da maratona ficam incontroláveis depois, decidi, pouco antes dos 30 km, que o melhor a fazer era desistir, para não ir me arrastando para a chegada e com certeza estourar o tempo, e principalmente para não ter que solicitar auxílio médico quando as pernas travassem de vez e o sofrimento passasse da conta.
Fui andando por alguns quilômetros até o hotel, obviamente entristecido, mas consciente que tinha feito a coisa certa e já pensando quando será a próxima tentativa, se no Rio de Janeiro, em Buenos Aires ou outro local, antes de meados de setembro do próximo ano, limite para os que querem correr Boston 2017.
37.371 CONCLUINTES. A prova em Chicago é o que se espera de uma Major: muita gente e ótima organização. A feira é grande, sem ser espetacular, em local que exige deslocamento por ônibus contratados pelo evento e com alguma demora na fila. A entrega do kit é rapidíssima e frustrante: apenas uma camiseta e o número de peito, para os mais de 200 dólares da inscrição (aqueles que reclamam do que oferecem algumas de nossas provas deveriam reformular seus conceitos…).
A largada por baias em duas saídas (a partir das 7h30 e das 8h00) torna o começo da maratona tranquilo até demais, com vazios entre os corredores desde a passagem pelo pórtico. Depois, água e isotônico a cada milha (1,6 km), banheiros químicos em ruas transversais (devidamente informados), muita gente animada pelo percurso, na primeira metade pelo menos. Apenas um posto de carboidrato em gel (200 dólares…) e na chegada (segundo me informaram) uma toalhinha gelada, um copo de cerveja sem álcool e pronto!
O percurso é plano, mas com algumas subidinhas e descidinhas, o que não deve nem ser notado por quem entra na prova bem treinado e está num bom dia (o que não foi o meu caso). Não há muito o que falar do visual, já que se corre por ruas e avenidas com edificações em toda a extensão. Música em vários pontos.
Os acompanhantes são desestimulados/impedidos de ir para a área de largada e de chegada (afastadas 1 km, mas no mesmo parque), o que torna os sempre ansiosos metros finais pouco emocionantes, novamente segundo relatos de brasileiros concluintes, que totalizaram 414, dos 37.371 que terminaram.
Dessa forma, Chicago só perde para Buenos Aires, Disney, Berlim e Nova York entre as maratonas preferidas pelos corredores do país, mesmo com inscrições caras e por vezes difíceis, sem contar os atuais altíssimos custos da viagem, com o dólar a mais de 4 reais.
Campeões quenianos
Na quinta Major do ano, vitória dos quenianos Dickson Chumba e Florence Kiplagat, mas com tempos altos em comparação com o momento da elite mundial. Lembrando que a maratona norte-americana não conta com "coelhos" por uma determinação dos organizadores. A prova teve duas metades distintas. A primeira mais fria e sem vento contra, porém, na segunda parte, subiu a temperatura e o vento atrapalhou os corredores.
Chumba ganhou com 2:09:25, seguido pelos compatriotas Sammy Kitwara (2:09:50) e Sammy Ndungu (2:10:06). Ele já venceu em Roma, Eindhoven e Tóquio, sendo seu melhor tempo 2:05:42. Já Florence Kiplagat é bicampeã de Berlim, entre outros resultados. Ela venceu com 2:23:33, e caiu no final, superando a etíope Yebrgual Melese (2:23:43) e Birhane Dibaba (2:24.24).
Apenas completar… em 3h27
Tracei meu objetivo de concluir os 42 km em Chicago, sem a preocupação com o tempo. Pois, já havia corrido uma maratona e uma ultra de 50 km no fim de semana anterior em Madison e Milwaukee, no estado de Wisconsin.
Sabia que era difícil, pois correr mais de 130 km na mesma semana com deslocamento de cidades é algo assustador para qualquer corredor. Já passei frio nesta região do lago Michigan, local da largada, mas dia 11 de outubro a temperatura esteve muito agradálvel. Diante das circunstâncias, apenas completar já me deixaria feliz em participar pela segunda vez desta famosa prova, desta vez com 45 mil corredores. Foi dada a largada e só pensava em acabar com dignidade e orgulhoso em concluir três provas numa semana nos EUA.
Aproveitei a boa altimetria do percurso para completar os 10 km abaixo de 48 minutos. Completar a prova ou tentar um sub 4? Como numa montanha-russa, as expectativas foram e voltaram. Pensei em diminuir o ritmo e fazer uma poupança, para quando o urso cravasse suas unhas em minhas costas na segunda parte da corrida. Segui na balada abaixo de cinco minutos por km, mas preocupado com o que viria pela frente.
Do km 25 ao 30, momento sempre delicado de uma maratona, senti que o corpo aceitava bem os 4:50/km. Confiante, pela primeira vez, pensei não só em concluir, como chegar perto de uma maratona de 3h30, que é um bom resultado para a minha faixa etária (60 anos). Mas o calor e o cansaço acumulado das provas anteriores cobraram a sua conta. As coisas pareciam se complicar e do 33 ao 36 diminuí o ritmo.
Refiz as contas, faltando 6 km, o que pode ser uma eternidade se o corpo não obedece. Mas ele reagiu e, assim como o anjinho e o diabinho brigando pelo controle do joystick do cérebro, desta vez o corpo saiu vencedor e terminei em 3h27 a minha 130a maratona, incluindo 15 ultras neste pacote!
Por Nilson Paulo de Lima, de Uberlândia.