Performance e Saúde admin 4 de outubro de 2010 (3) (112)

Como se recuperar mais rápido (sem mágicas…)

Algumas edições atrás comentamos sobre a importância da recuperação para a melhora da performance. Se o corredor não permitir ao seu corpo recuperar-se entre uma sessão e outra de treino, ou entre ciclos de preparação, dependendo do planejamento seu treinamento servirá apenas para deixá-lo mais cansado e propenso a lesões a cada treino que passa.

Parece fácil reconhecer este tipo de situação, mas se fosse mesmo não teríamos tantos corredores – mesmo os amadores – com lesões típicas de overtraining (excesso de treino) e com inexplicáveis quedas de performance. A realidade é que como os corredores amadores não têm o seu treinamento no topo de suas listas de prioridades, fica até mais difícil realizar uma recuperação ideal.

Enquanto o atleta profissional treina, come e descansa profissionalmente, o amador normalmente encaixa seu treino, às vezes quase profissional, em algum espaço da agenda diária, talvez entre uma reunião e outra no trabalho, acompanhado por uma dieta e um descanso "amadores". Fica então a questão, válida tanto para amadores quanto para profissionais: como otimizar sua recuperação e como saber quando é dia de treino forte e quando é dia de descanso? 

Começando de trás para frente, vamos falar sobre as ferramentas disponíveis para saber o que fazer no dia-a-dia do treinamento. Alguns métodos estão sendo criados e testados, tendo como alvo definir o melhor treino a se fazer, ou não fazer, numa base diária. No entanto, ainda estão longe de estar prontos e disponíveis, apesar dos softwares que já fazem diversos cálculos sobre trabalho realizado, stress de treino e outras variáveis interessantes.

AVALIE-SE DE VEZ EM QUANDO. Para avaliações a longo prazo, uma boa medida é o uso de séries padrão sub-máximas. Sua marca de performance máxima também é um indicador de seu nível de condicionamento, porém adicionar um teste máximo extra em sua planilha a cada 3 ou 4 semanas, só para saber se o treino está andando bem, já seria um passo em direção às lesões e ao overtraining.

Séries sub-máximas e sua subsequente recuperação são muito mais convenientes, e se sua planilha tiver poucos dias você ainda pode fazê-las antes de um treino mais sério. A série pode, dentro de certos limites, ser qualquer uma. Pode ser um 5 km em 30 minutos, podem ser 8 x 400 m em 1:45 com 30 segundos de pausa, enfim, você escolhe, desde que não seja uma série máxima, mas que exija algum esforço.

Tente fazer a série o máximo possível dentro do tempo especificado, não forçando nem ficando pra trás do planejado. Marque sua frequência cardíaca imediatamente ao final da série e 1, 2, 3, 4 e 5 minutos após. Vale usar frequencímetro ou medir em alguma veia (a maioria dos corredores utiliza o pescoço ou o pulso para tal, mas é possível utilizar veias que passam no quadril ou qualquer outra mais superficial).

Você terá uma curva como a da figura, e ao longo do tempo outras séries vão sendo adicionadas ao gráfico, mostrando se seu condicionamento está melhorando ou piorando. Uma melhora de capacidade é indicada por uma menor frequência cardíaca final e também por uma queda mais rápida em direção aos valores de repouso, enquanto a deterioração do condicionamento se evidencia por uma frequência cardíaca que custa a baixar.

Neste dia, faça também uma pequena anotação sobre o que você sentiu durante a série, como grau de esforço de 1 a 10, por exemplo. Lembre-se também de estar sempre descansado na hora de realizar a série, de preferência tendo repousado adequadamente no dia anterior.

Já que ainda não temos ferramentas para saber com certeza o que fazer a cada treino, uma alternativa é que a recuperação seja maximizada a cada treino. Entram aqui diversos produtos e técnicas que prometem – prometem, veja bem – melhorar a recuperação de atletas. Antes de começar a falar deles, é importante saber alguns detalhes.

A maioria das técnicas não é comprovada, isso se devendo a falhas ou faltas de estudos a seu respeito ou mesmo devido aos marcadores de recuperação utilizados, muitas vezes inespecíficos. Um exemplo rápido: estudo mostra que a ingestão de uma determinada proteína logo após o exercício não melhora a performance em um exercício seguinte, porém alguns marcadores celulares de formação de proteínas estão aumentados. Isso quer dizer que a tal proteína acelera a recuperação? Depende… se você só olhar a performance do segundo teste, não; mas é provável que a empresa que vende a proteína em pó irá usar o aumento do marcador para dizer que seu produto acelera a recuperação muscular – o que também não é mentira. Isso é o que irá ocorrer com a maioria das técnicas. Alguns dos indicadores utilizados nas pesquisas podem ser positivos, enquanto outros não se alteram.

FRIO E CALOR. A idéia de hidroterapia é antiga, e os métodos são os mais diversos. Imersão em banheiras de água fria, gelada, quente, ou aplicação de bolsas de água quente ou fria, ou mesmo técnicas que alternem frio e calor são oferecidas aos atletas. A teoria maior é que o frio oferece a diminuição de inchaço e edema, enquanto o calor aumenta a irrigação sanguínea na região, acelerando os processos metabólicos existentes.

Apesar de haver evidências de que a imersão em água fria acelere a remoção de lactato sanguíneo, há cada vez mais evidências de que a simples existência de lactato circulante (como é o caso no pós exercício) pouco tem a ver com fadiga. Apesar disso um achado comum em estudos é que a crioterapia (aplicação de frio) diminui a sensação de dor.

Por outro lado, um estudo de 2006 mostrou pessoas que faziam imersão em água fria (5-10ºC), após as sessões de treino de musculação, apresentaram menos adaptações ao treino do que as que não fizeram a imersão em água fria. A manipulação de temperatura deve ser feita com cuidado, pois muitas técnicas não conseguem mudar mais que a temperatura superficial do corpo, e diminuir a temperatura local abaixo de 15ºC pode até mesmo aumentar a inflamação. A própria camada de gordura sob a pele irá influenciar a temperatura muscular quando bolsas de frio ou calor são administradas. 

COMPRESSÃO. A indústria de materiais esportivos não ficou pra trás no segmento de recuperação de atletas, e embora as vestes de compressão não sejam muito comuns entre os corredores, as meias de compressão estão se tornando mais e mais populares. Isso é bom, no sentido de que atraiu diversas pesquisas sobre o seu uso. Apesar do maior corpo de pesquisa, seu uso ainda é muito controverso e muito mais impulsionado pelo fato de grandes estrelas do atletismo as usarem.

Alguns trabalhos mostram algum benefício em seu uso, porém os mecanismos para tal ainda são obscuros e as teorias propostas de que as vestimentas de compressão aumentam a retirada de metabólitos e facilitam o retorno venoso não se comprovam tão facilmente. As evidências mais fortes ficam para uma diminuição de inchaço, talvez por menor movimento dos tecidos moles. Alguns estudos, no entanto, apontam que resultados são obtidos quando as vestes são utilizadas por (longas) 72 horas.

REPOSITORES NUTRICIONAIS. Muito se fala sobre os suplementos alimentares, e a revista possui uma sessão própria sobre isso. Para não passar em branco, vamos olhar um artigo publicado em 2006, com uma história curiosa. Um dos autores, um professor americano que trabalha com nutrição esportiva, estava no supermercado e, ao comprar um achocolatado pronto, viu que sua concentração de carboidratos era similar ao das bebidas esportivas disponíveis no mercado. Nasceu então uma pesquisa comparando os efeitos de água, bebidas esportivas e leite achocolatado na recuperação de exercício, medida através de uma nova série de exercícios duas horas após. O leite achocolatado venceu.

Não quero com isso dizer que suplementos não são importantes ou úteis, mas sim que na maioria das vezes os alimentos "normais" irão dar conta do recado. Seja um ou outro, fique registrado que a ingestão de carboidratos e proteínas logo após o término do treino parece ser benéfica em termos de agilizar a recuperação de tecidos danificados.

RECUPERAÇÃO ATIVA. A recuperação ativa consiste na realização de exercícios leves após ou no meio de uma série principal, como o famoso "trote" ao final do treino. Apesar de acelerar a remoção de lactato sanguíneo, voltamos ao problema de que o lactato em si pouco tem a ver com a fadiga no pós-exercício. Com isso, a justificativa de que a recuperação ativa funciona por manter a circulação de sangue mais elevada, facilitando a remoção de metabólitos prejudiciais (principalmente lactato, se acreditava) ao funcionamento muscular, não se sustenta, e os mecanismos reais da recuperação ativa também são relativamente obscuros, Além disso, um dia onde o treino é somente um trote leve também pode ser encarado como uma forma de recuperação ativa, desde que não sejam 20 km de trote leve…

A lista de técnicas para facilitar a recuperação poderia seguir, cada vez com métodos menos ortodoxos, porém a explicação sobre seu real funcionamento e eficácia se tornaria mais do mesmo que acabamos de ver. Ou seja, poucas evidências em favor do método, às vezes pela falta de estudos e não de resultados positivos, quase sempre com alguma indicação de que a técnica funciona em níveis moderados, porém de que seu uso exagerado pode ser deletério.

A mensagem desta revisão parece ser que "alguma coisa é melhor que coisa nenhuma" e possivelmente um trote leve no fim do treino, seguido de um lanche, já irão lhe oferecer algum benefício, caso se tornem rotina, podendo ser somados ao uso ocasional das outras técnicas.

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3 Comments on “Como se recuperar mais rápido (sem mágicas…)

  1. Bom artigo. Esclarece bastante as “coisas”. Eu, por exemplo, não acreditava em algumas técnicas utilizadas, o que o artigo mostrou com propriedade. Somente vejo um senão, os artigos, quando citado a data de publicação, são relativamente antigos (2006). Provavelmente hoje jé existem mais artigos sérios, pois, esta é uma matéria da “moda”. abraços.

  2. Bom artigo e muito importante para nós corredores que estamos sujeitos a ocorrência de lesões. O artigo esclarece vários detalhes importantes sobre a recuperação. Gostei muito da parte que fala da recuperação ativa a qual acho muito importante.

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