Sem categoria admin 10 de março de 2015 (0) (84)

A relação do corredor com a dor

Dor é uma experiência sensorial ou emocional desagradável, que ocorre em diferentes graus de intensidade – do desconforto leve à agonia -, podendo resultar, no caso específico dos corredores de rua, em uma lesão que, dependendo da gravidade, signifique a suspensão parcial ou total da atividade, temporária ou indefinidamente.
Por se tratar de uma experiência complexa que envolve o estímulo de algo nocivo e as respostas fisiológicas e emocionais a um evento, a percepção da dor pode variar não somente de uma pessoa para outra, mas também de acordo com a cultura, sendo transformada por muitos fatores. Portanto, é uma resposta subjetiva: cada indivíduo aprende a sensação, por meio de experiências relacionadas com lesões (físicas e/ou emocionais) no início da vida.
"A natureza da dor, em geral, tem sido um assunto de muita controvérsia ao longo dos últimos séculos. No século 17 a teoria de Descartes propunha que a intensidade da dor seria diretamente relacionada com a quantidade de lesão tecidual existente e que a dor seria processada em uma única via. Em 1965, Wall e Melzack criaram a teoria do portão de dor, que fornecia evidências para um modelo em que a percepção de dor é modulada pela resposta sensorial periférica e pelo o sistema nervoso central. Posteriormente, os avanços em neuroimagem e medicina molecular vem amplamente expandindo a nossa compreensão geral de dor", explica o fisiatra, médico do esporte e diretor da Clínica Aspin, na capital paulista, Rodrigo Guimarães de Andrade.
Em casos de dores fisiológicas, a percepção ocorre graças à nocicepção: terminações nervosas independentes dos neurônios, localizadas fora da coluna espinhal, no gânglio de raiz dorsal, que são estimuladas mecânica, elétrica, térmica e quimicamente, transmitindo seus sinais por fibras nervosas até os neurônios sensoriais da medula.
Este processo libera glutamato, um neurotransmissor responsável por enviar a informação de neurônio a neurônio até o tálamo. Lá, a mensagem é distribuída ao cérebro, onde ocorre o reconhecimento consciente da dor. Ignorar a dor quando corremos é quase praxe – por menor que seja, ela sempre estará presente. Mas saber identificar quando essa sensação é normal, por conta do treino, ou quando ela é indício de uma possível lesão é o "pulo do gato" dos praticantes de qualquer atividade esportiva.

AUTOCONHECIMENTO. Passado o período de adaptação física, que ocorre ao longo do tempo e requer paciência, aliado aos ajustes de limitação e ao respeito aos intervalos regulares (e adequados) de descanso, entra em cena o autoconhecimento. O psiquiatra e corredor Diogo Lara, de Porto Alegre, diretor do portal codigodamente.com, explica que o desenvolvimento da dor é quase sempre gradual, assim como sua percepção. "Um leve incômodo não costuma chamar tanto a atenção, pois basta correr um pouco e já passa. Isso se deve ao efeito analgésico fisiológico natural que ocorre no organismo, com o aumento da distribuição sanguínea e da liberação de endorfinas, gerando uma complexa reação analgésica desencadeada neurologicamente por esse aumento da circulação sanguínea. Ou seja, o próprio ato de correr mascara o desconforto que possa ser causado pela corrida em si", diz o especialista.
Diante disso, não é difícil concluir que a máxima (e batidíssima…) "no pain, no gain" (traduzido livremente como "sem dor, sem ganhos") é apenas uma meia verdade. É muito comum que corredores convivam com incômodos enquanto treinam; podem aparecer principalmente depois de um longão para provas como a maratona. Mas é importante também dar descanso ao corpo, já que não é recomendado correr com desconfortos – eles são os avisos de que é preciso mais tempo para se recuperar ou de que algo não vai bem. Por outro lado, sentir dor em um ponto específico repetidas vezes é um sinal bem mais claro de que algo está errado.
"Em atletas de alto rendimento a presença da dor é uma constante. Normalmente, dores resultantes de fadiga muscular ou energética são aquelas que têm um início marcado pela baixa intensidade, com piora progressiva até atingir um patamar moderado. As resultantes de lesão, ao contrário, geralmente têm início abrupto, com intensidade mais forte, diferentes das que o atleta está habituado a sentir, e usualmente estão associadas a outras manifestações clínicas, como edema (inchaço) e limitação da amplitude de movimento", ensina o neurocirurgião do Núcleo Avançado de Estudos em Ortopedia e Neurocirurgia, em São Paulo, e especialista em Microcirurgia Robótica, Paulo Porto de Melo.

TOLERÂNCIA À DOR. Rodrigo de Andrade frisa que uma compreensão robusta da maneira como a dor é processada pelo organismo é essencial para melhor diagnosticar e tratar um paciente. "Quando há uma dor nova, de moderada ou grande intensidade, ou quando a dor persiste, independentemente da intensidade, é hora de procurar atendimento médico para a realização de um diagnóstico preciso e planejamento de tratamento, seja medicamentoso ou não." Ainda de acordo com o especialista, há boas evidências de que a atividade física desportiva contínua não inibe a recuperação de uma condição crônica dolorosa, ao contrário dos tantos epigramas criados para ressaltar a alta tolerância à dor, tradicionalmente considerada uma virtude entre os atletas.
"Em algum momento a dor torna-se um obstáculo sólido, bloqueando o caminho para a excelência atlética. Esse fato é nitidamente demonstrado pelo amplo uso de analgésicos e antiinflamatórios entre os atletas. Como os efeitos primários dos antiinflamatórios são agir contra a inflamação e garantir analgesia, as razões mais lógicas para um atleta utilizá-los seriam aliviar a inflamação ou dor. Mas a motivação subjacente é o desejo de acelerar a cura, permitir um retorno mais rápido às competições e, possivelmente, melhorar o desempenho", afirma o médico, alertando para os perigos da automedicação.

 

Identifique a sua dor e saiba o que fazer

Quando o desportista aprende a conhecer melhor o funcionamento do seu corpo, a intensidade da dor pode mostrar se ele precisa de um repouso breve ou se deve se afastar dos treinos por um tempo para tratar o problema. Isso no caso das dores mais comuns, quando se fala em corrida, que são aquelas localizadas nas articulações e na musculatura.
O ortopedista e médico do esporte Roberto Ranzini, também de São Paulo, membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, preparou uma tabela de fácil e rápida consulta para o corredor aprender a identificar a intensidade da sua dor. "Mas dores no peito que irradiam para outras partes do corpo, assim como incômodos que começam em um membro e pioram com esforço, são exemplos de desconfortos que precisam de avaliação médica imediata", orienta.

Dor leve
Como é:
aparece quando você começa a correr, mas geralmente desaparece quando você aquece e continua o treino.
O que fazer: nada de alarde; use gelo na região após a corrida para relaxar a musculatura.

Dor moderada
Como é:
surge no início do exercício, mas permanece em uma intensidade tolerável, sem alterar seu ritmo de corrida.
O que fazer: o melhor é dar um descanso para o corpo, permitindo uma melhor recuperação do organismo.

Dor severa
Como é:
o desconforto aparece antes, durante e após o exercício, e a dor aumenta à medida que você continua o treinamento, interferindo no desempenho.
O que fazer: pare assim que sentir esse tipo de dor, consulte um médico e siga suas recomendações.

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