A corrida de rua é um esporte muito individual. Claro que, em algumas provas, temos companhia. Em treinos, de vez em quando, também. Mas isso depende de correr no mesmo ritmo do dia, de encaixar os horários nessa vida corrida, de diversos fatores… Nosso desafio é com a gente mesmo. Com recordes pessoais. Tudo muda no revezamento. Deixamos o “eu” de lado e corremos pelo “nós”. A equipe passa a ser o motivo de esforço, concentração, determinação. Foi o que ocorreu na Tri Rio, no Ultradesafio SP-Rio, o 600K. Desde o primeiro momento, o entrosamento foi total. Passávamos quase o dia todo juntos e, como dividíamos os quartos nas paradas, em alguns casos, o “juntos” significava 24 horas.

A correria, na verdade, começou 12 horas antes da largada, pois um dos atletas, machucado, não pode largar. Essa confirmação veio somente na quarta-feira, véspera do início, durante o congresso técnico. Dá para inscrever alguém no lugar? Ficaria difícil, corrido demais já que a largada seria no dia seguinte às 5 horas, então, a decisão: cada um correrá um pouco a mais. O esforço que já seria grande, ainda maior. Brincamos que seríamos a equipe ultra do ultra. E tudo transcorreu dessa forma, pensando no “nós”, sem qualquer atrito, com uma união que chegou a impressionar e surpreender.

Quatro homens (Eu, Bernardo Tillmann, Fábio Bolt Duarte e Leonardo Schwab), três mulheres (Suyanne Lourenço Freitas, Juliana Nogueira Soeiro e Juliana Trindade) e o técnico Marcelo Tavares. Após três dias de disputa, fechamos o ultradesafio em 32:57:44, sendo 11:28:13 no primeiro dia, 11:31:23 no segundo (o mais longo dos três) e 9:58:44 no terceiro. Um ajudando e apoiando o outro o tempo todo. Dois fatores primordiais já que o cansaço vem com o tempo, algo normal, mas com um a menos, esse cansaço foi ainda maior. Porém, não havia tempo para relaxamento, para deixar para depois. Era tudo para agora. Nosso melhor dia foi o segundo, quando todos tinham as maiores quilometragens, mas mandamos ver, com tudo, o tempo todo. Isso tem um preço e o pagamos no último dia, apesar de todos fazerem seu melhor.

A prova é realmente difícil. Cansativa. Corremos pela estrada na maior parte do tempo, com caminhões, carros, ônibus passando ao lado. Quem conhece o caminho, sabe que há trechos da Rio-Santos sem acostamento ou com inúmeras crateras, que nos fizeram disputar espaço com os veículos. Tinha gente que desviava, mas outros que te xingavam, mandavam dar espaço. De dentro de uma carreta é fácil ser “macho”, muitas vezes pensei, outras, retribui o xingamento ou mostrei o dedo (e não era que estava em primeiro lugar).

Corri aproximadamente 70 quilômetros divididos em três dias (26 km no primeiro, 30 km no segundo e 14 km no terceiro). Com muitas subidas, descidas, areia, calor, vento. Ri também muito com o pessoal da Tri Rio. Erramos trechos, tivemos de voltar (principalmente na quinta-feira), passamos estresse, mas tudo no maior respeito e companheirismo. Todos superaram as adversidades. O experiente técnico Márcio Puga, o mentor da equipe ao lado do Marcelinho, tinha me falado que o importante nessa prova é a equipe, o coletivo, o “um por todos e todos por um”. Puga, pode ficar tranquilo, a Tri Rio foi realmente isso.

Antes da estreia na prova, muitos me disseram que mudaria a forma de encarar a corrida. Em certa parte, é verdade. O que altera é que você percebe que pode dar um pouco mais, que naquele momento em que está fazendo uma maratona “solo” pode não deixar o ritmo cair, ou apertar naquela descida ou plano, como se estivesse em um revezamento. Esse é o aprendizado que tiro desses quatro dias, de quarta a sábado. Além do que, agora, já posso dizer que fui de São Paulo ao Rio de carro, ônibus, avião e correndo.

A cobertura desses três dias de prova estará na edição de dezembro da Contra-Relógio.