Tarde de sábado, 2 de novembro, véspera da 43ª Maratona de Nova York. Saguão lotado do hotel na 7ª avenida. Espalhados pelo longo e largo corredor, centenas de estrangeiros conversando, em inglês, italiano, francês, espanhol, português. Uma verdadeira torre de Babel, em referência à capital do império babilônico, centro político, militar, cultural e econômico do mundo antigo. Local de abrigo de grande número de imigrantes de diversas nacionalidades. Assim é Nova York, a capital do mundo.
Mas durante 4 dias por ano, nos dois que antecedem à prova, no grande dia e no seguinte, Nova York ganha ainda mais ares de uma cidade internacional, ao receber maratonistas e acompanhantes de todas as partes dos Estados Unidos e de uma centena de países, uma invasão de 100 mil pessoas, aproximadamente. Que se espalham pelo Central Park, pelos pontos turísticos, pela Times Square, pelo Museu de História Natural, pelo Empire State, na pista de patinação do Rockefeller Center.
Depois da passagem do furacão Sandy, que impediu a realização do evento no ano passado, a edição de 2013 foi ainda mais especial e desejada, com milhares não conseguindo se inscrever. Entre os países com mais representantes, tivemos 2.961 franceses, 1.751 alemães, 1.724 italianos, 1.434 holandeses, 1.400 britânicos, 1.290 canadenses, 860 suíços, 779 suecos, 746 australianos, 746 mexicanos e 694 espanhóis.
Outro atrativo de Nova York, além dessa "internacionalidade", é que as portas estão abertas para todos os níveis de corredores. Não há tempo limite para conclusão e, dessa forma, praticamente todos que largam vão até o final. Este ano saíram 50.740 e terminaram 50.304. Por isso mesmo, muita gente opta por lá estrear, apesar do percurso não muito favorável. Basta contar com a sorte para conseguir uma vaga por meio da loteria ou comprar os pacotes das agências de viagem com a inscrição garantida, como ocorre no Brasil com a Kamel Turismo.
A participação não é restrita. Longe disso. Há até histórias inesquecíveis, como de Joy Johson, da Califórnia, de 86 anos, a mais velha a completar Nova York neste ano, em 7h57, que morreu no dia seguinte. Entre os homens, o concluinte mais idoso foi Colin Thorne, de 89 anos, da Nova Zelândia. Enquanto Julissa Sarabia, de 30 anos, de Nova York, foi a concluinte de número 1 milhão da história da prova.
SEGURANÇA. Neste ano, devido ao atentado à bomba em Boston, o esquema de segurança foi reforçado antes, durante e depois do evento. Na Expo, quem chegava com bolsas ou mochilas, passava por uma vistoria prévia. Uma fila a mais do que normalmente ocorria. O mesmo antes de entrar nos ônibus ou ferry boat que levavam para a área da largada em Staten Island. Após a corrida, era necessário dar longas voltas a pé, pois os caminhos foram centralizados, sempre com grades, policiais e detectores de metais. Felizmente, não houve qualquer ocorrência.
O esquema de quatro ondas de largada, separadas por 25 minutos entre elas, e em três pontos diferentes, funciona perfeitamente. Duas saídas nas pistas de cima da ponte Verrazano-Narrows e outra embaixo, cada uma com currais determinados por tempo comprovado ou de expectativa de conclusão. Tudo é determinado pelas cores nos números (azul, verde ou laranja). Os trajetos são diferentes até por volta do km 5, quando se unem, seguindo daí o mesmo até o final. Assim, desde os primeiros metros, é possível correr no ritmo almejado, especialmente para quem larga nos currais mais à frente. Na concentração, tudo ocorre na mais completa tranquilidade, com inúmeros integrantes do staff informando, placas espalhadas por todos os lugares, banheiros em número suficiente, além de donuts, frutas, água, café e chocolate quente.
Nesta edição, houve vento contra em boa parte dos 42 km, o que baixou a sensação térmica para 3°C, temperatura mais fria do que as normalmente registradas no período da maratona. O que obrigou todo mundo a levar agasalhos sobressalentes que foram jogados para a doação minutos antes da largada. O que minimiza um pouco os efeitos do frio é o calor do público, com gente na rua aplaudindo e incentivando em praticamente todo o trajeto. E nos 6 quilômetros finais dentro do Central Park, a torcida é ainda maior, o que acaba sendo determinante porque esse trecho final é bastante ondulado.
MUTAI E JEPTOO. Se não houve surpresa na questão da segurança, na elite o resultado foi ainda mais previsível. Os quenianos, como esperado, dominaram a maratona, como vêm fazendo ao longo deste segundo semestre nas principais disputas. Geoffrey Mutai foi bicampeão com 2:08:24, enquanto Priscah Jeptoo venceu com 2:25:07.
Entre os brasileiros, destaque para Jovadir Junior Acedo, 18º no geral, com 2:22:34, seguido por César Martins, 26º, com 2:25:18. A brasileira melhor colocada foi Maria Clara Castro, na 48ª posição, com 2:59:19.
Acedo treina com o técnico Clodoaldo do Carmo, do Clube Pinheiros, em Bragança Paulista, juntamente com Solonei Rocha. E o atleta vive um ótimo momento. Já tinha sido o quarto colocado, em Buenos Aires, em outubro, com o recorde pessoal de 2:16:29. Acedo foi a Nova York como um dos ganhadores da categoria amador da Golden Four Asics em 2012. Ele explicou à Contra-Relógio que está fazendo uma preparação específica visando ao índice para os 42 km nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, no Canadá, que serão realizados em 2015. Para isso, deve fazer duas tentativas, uma em abril e outra no segundo semestre de 2014, mas as competições ainda não estão definidas. Em Nova York, o frio foi um dos adversários.
Já César Martins bateu o recorde pessoal e, de quebra, terminou na segunda posição da categoria máster (acima de 40 anos). "Antes de vir para cá, olhei os resultados dos anos anteriores e sabia que tinha chance. O recorde pessoal veio em consequência", afirmou. "Sobre a prova, eu tinha a estratégia de segurar o ritmo até o km 30 ou um pouco mais. Queria estar o mais inteiro possível perto da linha de chegada para um sprint, que era onde eu falhava nas outras maratonas que fiz. E consegui. A segunda meia foi apenas 45 segundos acima da primeira. Pela diferença da altimetria do trajeto, isso não é nada", completou César, que aprovou a experiência em Nova York. "Pessoas gritando, incentivando o tempo todo. Já tinha ido para Chicago e achado fantástico, mas Nova York é mais emocionante que Chicago. Não importa percurso, temperatura… O povo vai mesmo às ruas para incentivar os corredores e isso faz toda a diferença."
Sensação de quero mais
Não estava em meus planos correr a Maratona de Nova York, porém, pelo primeiro lugar na categoria imprensa da Golden Four Asics, no ano passado, tinha duas possibilidades de viagem: Paris (que acontece muito próxima de Boston, em que já estava inscrito) e Nova York. Nem pensei duas vezes. Mesmo se nada impedisse a ida à capital francesa, teria escolhido a maratona americana por tudo o que ela representa no mundo das corridas. E nenhum arrependimento.
Na medida em que me dedicava aos treinos, ouvia que o percurso da Big Apple não era propício a recordes pessoais. Que as pontes iam minando as energias, que o final era complicado, que a não tão íngreme, mas longa subida da 1ª Avenida quebrava corredores anualmente…
Porém, a amiga Fernanda Paradizo, companheira de CR e autora das fotos desta matéria, que vai a Nova York todos os anos, comentou não ser mesmo uma prova fácil, ou seja, de itinerário plano, mas também nada muito complicado. E, na sexta-feira, o maratonista olímpico americano Ryan Hall, que não correu por estar machucado, comentou que o maior problema seria o vento contrário. "Achem alguém bem grande, grande mesmo, na hora da largada. Façam amizade com ele, que o paredão (corta-vento) estará garantido", brincou durante um café da manhã para a imprensa. E tanto Fernanda quanto Ryan acertaram.
O percurso é um pouco difícil sim, mais até do que imaginava. Só que eu descobri, desde a largada, que estava no dia de bater meu recorde pessoal. E quem larga nos primeiros currais da onda inicial, como foi meu caso, corre muito solto, livre, desde o início. Não há uma aglomeração e em momento algum se lembra de que se está numa corrida com 50 mil pessoas. E, à medida que os quilômetros vão passando, fica ainda mais livre, mas em compensação são poucos os acompanhantes (para pegar carona contra o vento).
Com a temperatura mais fria do que o previsto, era o momento de arriscar. Encaixar um ritmo, controlar a cada 5 km (as placas são em milhas, com hidratação com água e isotônico a cada 1,6 km), mas há as marcações por quilômetro de 5 em 5. Sempre ouvi falar que quando você passava pelas pontes havia muito vento, mas este ano em qualquer trecho pegamos vento no peito ou de lado. Então, não sei se essa sensação de que a prova é mesmo difícil (pior que São Paulo ou Curitiba, por exemplo) é por causa do vento ou se é o percurso. Aliás, quando saímos do Bronx e entramos para a parte final no Central Park, as ondulações são constantes e é preciso chegar com perna lá; do contrário, você vai sofrer bastante ou quebrar.
Mas o público faz a diferença, principalmente nesse trecho final. Fechei em 2:57:31 (tinha 2:59:55 em Buenos Aires-2012), em 569º na classificação geral, com a sensação de quero estar lá de novo. Se você gosta de maratonas, Nova York tem de entrar em seu currículo. Pelo menos uma vez! (André Savazoni)
DEPOIMENTOS
SUB 4H
"Correr a Maratona de Nova York era um sonho que tinha há quatro anos. E que consegui, depois de três tentando a loteria sem sucesso. Larguei na ‘turma do fundão' da 4ª e última onda, ao som de New York, New York, com a meta de terminar em menos de 4 horas.
Desde o início dava para notar que a segurança estava reforçada e não podia ser diferente depois do que aconteceu em Boston. Corremos o tempo todo cercados por policiais e passamos por detector de metais na entrada da área de largada, mas nada que tirasse o brilho da prova. Mesmo saindo lá atrás, hidratação à vontade em todos os postos, além de correr no ritmo previsto desde o início.
Na primeira metade tudo era festa, o corpo respondia bem, o frio de 5 graus ajudava e a incrível torcida local gritando seu nome o tempo todo fazia tudo ficar mais fácil. Mas sabia que o percurso era duro e a prova só começaria de verdade mais tarde.
Nos últimos quilômetros não podia ser diferente, com as pernas começando a sentir o peso das inúmeras pontes e intermináveis ladeiras; as dores apareceram e as passadas foram perdendo amplitude. O ritmo foi caindo vertiginosamente e fui fazendo conta até o final, mas consegui: cruzei a linha de chegada exausto em 3:59:14! Entre juras de amor e ódio, me apaixonei por Nova York.
Rodrigo Lucchesi, do Rio de Janeiro
INESQUECÍVEL
"A Maratona de Nova York é emocionante. O difícil é falar sobre o evento em poucas palavras, tamanha a grandiosidade e os pontos positivos. Uma organização impecável e um percurso desafiador, com subidas na segunda metade.
A largada é um show à parte, com um coral de crianças cantando o hino dos Estados Unidos. A distribuição dos corredores pelos três pontos para as 4 largadas em cada um, com percursos distintos até o km 5, faz com que os mais de 50 mil corredores não tenham seus ritmos desejados prejudicados no início da prova. E a chegada ao Central Park é maravilhosa e vibrante.
Resumindo, a Maratona de Nova York é tanto para iniciantes quanto para experientes. Todos irão participar de um evento inesquecível!"
Cláudia Dumont, de Belo Horizonte
EMPOLGAÇÃO
"Todo ou quase todo corredor um dia sonha em correr a Maratona de Nova York. Depois de ter me inscrito na loteria por três vezes consecutivas e não ter sido sorteado, este ano eu tinha o direito garantido. Como todos que correram lá comentam que se trata da major com o percurso mais difícil, treinei muito mais do que o planejado e acabei chegando com uma condição física ótima e muito focado no meu objetivo: sub 3h.
A prova começou para mim já na sexta-feira, com a ida à feira. Organização impecável. Retirei meu número rapidamente e sem nenhuma fila. As únicas eram na entrada do Javits Convention Center, já que devido aos atentados na Maratona de Boston deste ano, a organização se viu obrigada a aumentar a segurança, fazendo revistas nas bolsas e sacolas das pessoas.
No sábado, para entrar um pouco mais no clima da maratona, me inscrevi para participar da corrida de 5 km e aproveitei para me aclimatar à temperatura que encontraria no domingo.
A minha largada seria às 9h40 e saí do hotel por volta das 5h, para ter tempo suficiente de chegar ao ferry boat que leva os corredores de Manhattan até Staten Island. Apesar do horário, na rua e depois dentro do Metrô, só se veem corredores andando com suas sacolas. Todos bem agasalhados, já que os termômetros marcavam em torno de 5°C.
O sistema de ondas e currais por tempo funcionou perfeitamente. Em nenhum momento tive dificuldade de correr. O único ponto negativo é a necessidade de ficar em torno de 40 minutos dentro da baia aguardando pelo início. E em Staten Island estava ainda mais frio do que em Manhattan.
Meu planejamento era virar a meia-maratona pouco abaixo de 1h30 e passei no limite, o que me deixou um pouco preocupado, pois a segunda metade de uma maratona é sempre mais difícil, ainda mais em NY. Logo após o Brooklyn, veio a ponte Queensboro na altura do km 26, e que leva os corredores para Manhattan. O silêncio ao cruzá-la é o momento para pensar nos km que faltam. Quando se vai chegando ao final da ponte, começa a se ouvir um verdadeiro rugido das pessoas em Manhattan aguardando os corredores. A hora em que saí da ponte e caí na 1ª Avenida foi para mim um dos momentos mais marcantes da prova, pois o apoio do público chega ao ponto de abafar qualquer outro barulho. A empolgação é tanta que a subida suave, mas constante, quase passa despercebida. Um mar de gente em todos os lados da avenida.
No km 36 você chega à 5ª Avenida e a prova começa a mostrar sua dificuldade. Subida difícil e longa, já com o Central Park ao lado direito. Muito apoio do público, mas corredores já caminhando ou parando com cãibras. Fui indo como dava. Quando se faz a curva para entrar no Central Park, mais subidas e descidas. A aglomeração aumenta, o apoio do público também e a cabeça começa a querer fazer você caminhar. Quando passo o portal de chegada, mal consigo caminhar depois de tanto esforço, mas paro o relógio e vejo: 2:59:19. Corri duas vezes em Chicago, que é uma prova sensacional, mas no dia 2 de dezembro estarei me inscrevendo novamente para tentar uma vaga em Nova York 2014. Só entendi a grandeza da prova depois de correr lá."
Eduardo Marques, de Florianópolis