Após a inscrição, minha cabeça passou a focar exclusivamente naquele que seria o meu maior desafio esportivo: completar no Deserto do Atacama, no Chile, nem que fosse o último a chegar. Comecei meus treinos tentando sempre aumentar distâncias, correr semanalmente na areia para ir acostumando a musculatura, correr com mochila e, claro, treinar pelo menos uma vez por semana durante o sol forte, esse que eu imaginava ser o maior dos desafios. Além disso, tive que colocar em prática outra preparação: a do material. Nos eventos Racingtheplanet, temos que carregar alguns equipamentos essenciais (roupas, saco de dormir, lanterna etc) e também a comida para os 7 dias!
Viajei dia 2 de março para San Pedro do Atacama, cidade sede da corrida. Na chegada, já senti outra grande dificuldade da prova: o ar seco. O Atacama é simplesmente o local que tem o ar mais seco da Terra, e com locais em que jamais se registrou chuva! Podia ser pior? Sim, mochila de 8 quilos (sem água), terreno macio e pedregoso na maior parte do tempo, sol quente durante o dia e frio à noite!
No sábado fizemos a checagem de equipamentos e os 111 competidores de 40 países (incluindo eu, o único brasileiro), partiram em direção ao primeiro camping da prova, cerca de 70 km da cidade sede e localizado a 3300 metros de altitude. Todos os competidores muito animados com a experiência e a beleza do lugar; acampamos em um canyon lindíssimo (e usamos as barracas que a organização montava diariamente).
COMEÇA A TRAVESSIA. No dia seguinte, após uma noite fria, começamos a nossa jornada pelo deserto. Uma etapa de 35 km de muito sobe e desce, passando em canyons secos e lindas vistas dos vulcões nevados dos Andes. Inexperiente, procurei me adaptar à mochila e ao terreno, correndo sempre que possível, mas respeitando as subidas e a altitude. Afinal, não se cruza a linha de chegada no primeiro dia, mas se pode abandonar no primeiro dia. E eu estava lá para completar. Terminei esse dia extasiado de felicidade. Corri de cabeça em pé, curtindo o visual, apreciando o companheirismo. Pela noite, hora de recuperar os músculos com a alimentação e aproveitar a água quente da organização para comer comida desidratada.
Nas 3 etapas seguintes (42 km, 40 km e 43 km), a prova nos levou por lugares ainda mais bonitos: dunas, canyons com rio em que deveríamos correr pela água, Vale da Morte, Vale da Lua, mina abandonada, topo de serras, os "salt flats", formações antiguíssimas de corais e sal, difíceis de até andar por cima, mas de uma beleza incomparável (o Atacama, há milhões de anos atrás, era leito de oceano, por isso existem tais locais com sal por lá). Imagine-se correndo 15 km atravessando um lago seco de sal? Isso foi realmente uma experiência única e inesquecível!
Cada dia que passava eu me sentia mais confiante para o que se chama de Long March. É o dia dos 74 km, uma ultra após 4 dias de "maratonas" no meio do deserto! E nos campings todos se ajudam muito, principalmente no aspecto da moral e dos incentivos. No dia da Long March, acordei me sentindo ótimo! Tomei meu café da manhã, passei protetor solar, preparei óculos, boné e mochila e ouvi as instruções do percurso enquanto pensava na minha tática. E decidi que faria o possível para completar em menos de 13 horas (queria chegar a tempo de mandar email para minha esposa e mãe dizendo que estava bem).
E às 8 da manhã, lá fomos nós pelos desertos de sal, dunas, terrenos pedregosos, subidas e descidas intermináveis! Foquei muito no meu ritmo e tentei seguir o plano a cada segundo. Mas às vezes é duro seguir planos com tantas bolhas nos pés (e como dói). Estava com bolhas desde o segundo dia apenas colocando esparadrapo por cima, sem tirar, com medo de fazer feridas que me impossibilitassem de continuar. Mas, no quinto dia, na Long March, nada me pararia!
Eu só tinha um pensamento na cabeça: chegar ao fim, e antes das 9 da noite! Não parei em nenhum momento do percurso (apenas nos 6 postos de controle para pegar a tão preciosa água e ganhar incentivo da organização). Mas não pude deixar de apreciar a beleza dos locais que passamos e acho que isso é que dava o fôlego extra! Como meus olhos curtiram! Essa deve ser a única corrida em que, cansado, você continua olhando para cima! A 3 km do final, a maior surpresa: descer por dentro dos canyons que formam o Vale da Lua, com a Lua no céu! Foi o momento mais mágico da prova. Meu cansaço desapareceu e quase quis deitar lá para imortalizar aquele momento. Mas, para corredor, linha de chegada é meta! E às 8h46 da noite, com menos de 13 horas de prova, cruzei a linha de chegada!
No sábado, apenas uma corrida relativamente plana e a grande chegada em San Pedro do Atacama, na praça central! Muita festa, fotos, e a tão esperada pizza com refrigerante! E muitos agradecimentos à organização, pela perfeição. Essa é uma prova que recomendo e que gostaria de fazer todos os anos de minha vida. Uma das melhores experiências que já tive no esporte. Que os demais desertos me aguardem, pois certamente deixarei minhas pegadas por lá!
Sobre o RacingThePlanet
O site www.racingtheplanet.com possui um circuito chamado 4Desert, em que os participantes devem ser auto-suficientes, por distância de 250 km em 6 etapas e 7 dias; as provas ocorrem nos locais "mais seco", "mais quente", "com mais vento" e "mais frio" do planeta, ou seja: Atacama, Sahara no Egito, Gobi March na China e Last Desert na Antártida. Além disso, anualmente é escolhido um local espetacular para uma corrida adicional nos mesmos moldes. Em 2011 será no Nepal e em 2012 na Jordânia.
Quanto custa? O total ficou em aproximadamente R$ 5.500, já incluída a inscrição, passagem aérea e eventualmente algum equipamento faltante (os principais são saco de dormir e lanterna). A RacingThePlanet fornece hotel na chegada e saída da prova, além de excelente equipe médica, água (9 litros/dia), banheiros químicos, computadores com acesso via satélite para se comunicar com a família, atualizar blogs etc. A organização é mais do que perfeita e faz você se sentir extremamente bem assessorado e seguro, o tempo todo.