Blog do Corredor Fernanda Paradizo 15 de junho de 2018 (0) (4659)

“Pipocas”, uma praga das corridas brasileiras

Se você é um corredor que participa ativamente de competições, muito provavelmente já ouviu falar da expressão “correr de pipoca”. No mundo da corrida, isso significa participar sem número, ou seja, sem inscrição. Pode parecer estranho para alguns, mas essa é uma prática utilizada há anos. E, com o crescimento da modalidade e também do número de corridas e participantes pelo mundo, infelizmente há cada vez mais pessoas invadindo as provas de rua indevidamente, disputando espaço com gente que pagou para estar ali e ainda usufruindo de toda a estrutura de um evento particular.

Ao contrário do que muita gente pensa, entrar numa prova sem número não é apenas uma forma de afrontar os organizadores, que pagaram os impostos e taxas para fechar uma rua, um parque ou uma praça. Mas sim um desrespeito às regras e leis. “Se você acha que a prova é mal organizada ou não concorda com o valor da inscrição, faça seu treino no parque ou nas ruas perto da sua casa. Mas invadir um evento, mesmo que você não esteja usando a estrutura dele, como água, banheiro, suporte médico etc, é errado”, diz o corredor santista Maurício Benides Macchia. “É antiético, e um erro não justifica o outro.”

Para alertar ainda mais sobre essa questão, o corredor lembra o exemplo da Maratona de Boston de 2013, quando duas bombas foram explodidas ao final da prova e muitos corredores ficaram feridos. “Além da tragédia em si, imagina o transtorno de ter que lidar com pessoas indevidamente inscritas, correndo até com números xerocados ou mesmo com inscrições de outros? Como você identifica um corredor e entra em contato com a família dele no caso de um acidente? Como fica a assistência médica para alguém que burlou leis e por isso não poderia se beneficiar do seguro da prova”, indaga o corredor.

Quem também não aprova a presença destes corredores no percurso é a paulista Adriana de Toledo Piza. “Sei que existe um pouco de desconhecimento, principalmente por parte daqueles que estão iniciando na corrida. Mas, além do bom senso de mostrar que é errado, as assessorias deveriam orientar sempre seus alunos para jamais correr sem inscrição. Não querendo generalizar, mas já vi corredor com planilha de treino em que era sugerido fazer uma determinada prova para treino somente, sem precisar se inscrever”, conta Adriana, lembrando ainda que existem vários tipos de pipocas. Entre eles, os “assumidos”, que fazem isso em sã consciência e, quando indagados, dão as mais variadas desculpas para estar ali, como “a rua é pública”, “eu não pego água nem medalha (!)” etc.

Assim como Maurício e Adriana, são muitos os corredores que não aprovam essa prática, mas também uma boa parte parece não se importar muito com a presença deles. Numa pesquisa online realizada recentemente pela Contra-Relógio, que teve a pergunta “O que você acha dos “pipocas” nas corridas?”, 59% responderam que eles deveriam ser proibidos de entrar na área de largada e de fazer a chegada. Já 18% disseram que não se incomodam com presença deles na prova, enquanto 19% admitiram que às vezes correm sem inscrição e 3% confessaram que fazem uso corriqueiro dessa prática.

ORGANIZADORES. Mas, se grande boa parte dos corredores é contra, o que podemos dizer dos organizadores? Como será que eles lidam com essa situação? Uma das principais empresas do segmento no Brasil, a Yescom, organiza cerca de 40 eventos por ano, espalhados por vários estados no Brasil, promovendo corridas com até 25 mil participantes, como a São Silvestre, por exemplo, prova na qual o número de pipocas e de pessoas que burlam o número de peito, correndo com número de outros anos ou xerocado de outro corredor, é muito alto e crescente.

Segundo Thadeus Kassabian, da Yescom, calcula-se que entre 10 e 15% dos participantes não estão inscritos regularmente e, embora não tenham direito a kit, medalha e resultados, esse corredor acaba usando serviços básicos da prova, como banheiros, água e toda a estrutura de percurso.

“Esse percentual cresceu, mas se mantem nos últimos três anos”, informa Thadeus, alertando ainda que a Yescom sempre acaba dimensionando seus serviços com uma margem de segurança e não repassa estes custos aos corredores devidamente inscritos. “Desde o ano passado, temos promoções na abertura das inscrições com preços convidativos. Isso tem feito com que o número de pipocas não aumente.”

O principal circuito do Brasil, o Caixa de Corridas de Rua, que tem 12 provas ao longo do ano espalhadas pelo país, também sofre com essa invasão de pipocas. Para Hélio Takai, diretor da HT Sports, responsável pela organização do circuito, há duas classes de pipocas: aqueles que utilizam toda estrutura da prova e aqueles que procuram não fazer uso da estrutura e que, por isso mesmo, acreditam que estão agindo corretamente.

Além disso, Hélio alerta para aqueles que chegam ao cúmulo de falsificar o chip de cronometragem para poder pegar uma medalha, isotônico, frutas e água na chegada, e aqueles que transformam uma inscrição em três: “Um usa o chip, outro corre com a camiseta do evento e um terceiro com o número de peito”.

Ao contrário do que vem acontecendo com as provas da Yescom, que mantem há três anos a média dos pipocas, nas provas da HT, que atinge regiões mais diferenciadas pelo Brasil afora e faz eventos com distâncias de 10 km e 5 km, o que se vê é um aumento percentual.
“Ao longo dos últimos cinco anos, temos feito medição dos pipocas que cruzam a linha de chegada. A média até 2014 tinha sido em torno de 15% sobre o total de inscritos, mas esse número cresceu em algumas etapas para quase 25 ou 30%”, conta Hélio, que destaca que a estrutura não se resume a água no percurso, como muitos pensam.

“Temos que pensar nos banheiros, nos staffs no percurso, dimensionar as vias para esse público correr, as áreas de apoio na largada e chegada, o suporte médico, a estrutura da arena do evento, entre outras coisas”, destacando ainda para talvez um dos mais graves problemas, que é o do seguro para os atletas inscritos.

“A seguradora não cobre os pipocas, mas os organizadores podem ser responsabilizados pelo código civil, caso ocorra algo com eles durante a realização do evento. Para a organização, a responsabilidade sobre o corredor inscrito ou não no período da realização do evento é a mesma. Não podemos omitir socorro, caso um pipoca passe mal.”

Para tentar diminuir o número de atletas não inscritos, o circuito também tem oferecido alguns mecanismos de descontos, com inscrições de valores diferenciados, adequados ao perfil de cada praça. “Os preços que são praticados na região Sul são diferentes dos realizados no Sudeste, por exemplo. Além disso, os correntistas da Caixa e assinantes da revista Contra-relógio pagam valores diferenciados, assim como aqueles que fazem a inscrição antecipada”, comenta Hélio.

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