Especial Performance e Saúde Redação 12 de julho de 2011 (0) (144)

Onde a corrida já o levou?

Viagem e corrida, um casamento mais do que bem sucedido. E com anos de duração. Quer maneira melhor de conhecer um novo local do que correndo? Basta não esquecer o tênis em casa. Se bem que, muitas vezes, principalmente se o passeio é pelo litoral, correr na praia descalço é um atrativo a mais. Ou seja, nem o tênis fará falta. Viagens a trabalho também não são empecilho para uma escapadinha para correr. Servem para relaxar e esquecer a correria diária. Quatro corredores contam à Contra-Relógio alguns dos lugares que visitaram correndo.

O jornalista Fábio Maradei, de 42 anos, é assessor de imprensa do Santos Futebol Clube e da prova 10 Km Tribuna FM, que reuniu 16 mil pessoas no dia 15 de maio e é considerada uma das mais bonitas e festivas do Brasil. Como está sempre viajando com o time de futebol, Maradei tem dificuldade para participar de competições, porém enumera alguns dos lugares atraentes e diferentes que correu nos últimos anos.

"Comecei a correr com uns 15 anos. Fazia remo e a corrida era complemento. Na época, corrida de rua não tinha essa força toda", lembra Maradei. "Voltei a correr há uns cinco anos, motivado pelos amigos e também pela minha esposa, Mônica, que depois passou a ser corredora também." Sem os domingos livres por causa do futebol, o jornalista correu a Meia da Praia Grande, em 2008, concluída em 1h46. "E ainda fui entrevistar os vencedores…"

Mas foi com o time do Santos que Maradei diz ter ganho a motivação que faltava. "Em todas as viagens aproveito para correr. Na mala sempre tem meu tênis, bermuda, camisa, meia e boné, sem falar no Garmin, que ajuda muito nos lugares novos", afirma o jornalista, que dispensa a esteira, mesmo com chuva. "Gosto de sair para correr na rua. Quase sempre acho um parque", diz Maradei, que correu em 15 Estados brasileiros, incluindo Acre e Piauí. "No Acre foi muito legal, porque saí correndo pelas avenidas até o Estádio Arena da Floresta e em certo momento tinha uma estrada toda arborizada, com uma placa indicando a Bolívia. Bem louco! No Piauí, não acreditei no calor que passei."

Com o Santos participando diversas vezes da Copa Libertadores da América, Maradei esteve nos últimos anos no México, Chile, Paraguai, Venezuela, Colômbia… "O mais legal, sem dúvida, foi o Chile. Fui em um parque numa montanha, com uma subida íngreme de 4 km, sem nada de trechos planos. Um lugar lindo", diz o jornalista. "Em San Cristobal, na Venezuela, pediram que eu saísse sem nada de valor, por causa dos assaltos."

No Paraguai, Moradei lembra ter corrido em um parque da capital Assunção, com uma pista de cinco quilômetros, muito boa, mas que chamou a atenção por ter pouquíssima gente. "No México, estive em Torreon, para jogar contra o Santos Laguna. Saí para correr logo cedo e todo mundo achava estranho, um guarda até ficou olhando meio atravessado", conta, rindo. No dia 11 de maio, o Santos enfrentou o Once Caldas, em Manizales, na Colômbia, a 2,3 mil metros de altitude. "Não senti nada diferente, fogo mesmo é o cansaço por tantas subidas e descidas. Era um estranho no ninho, só eu correndo pelas ruas do centro de Manizales."

Nem nas férias Maradei deixa o esporte de lado. "Fui com minha mulher para Miami e, claro, corri por tudo. Conheci a cidade correndo!". Mas o local preferido do jornalista fica no Brasil mesmo. Gosto muito mesmo de correr em Copacabana, Leblon, Ipanema. O astral do Rio de Janeiro é fantástico e lá tem muitos corredores, sobretudo no domingão, quando fecham a avenida (da orla). Um lugar comum, digamos, mas o visual é incrível."

 

COM OS MOAIS. A Ilha de Páscoa pertence ao Chile. É a terra dos "Moais", gigantescas estátuas de pedra, construídas com rochas vulcânicas. Têm de três a dez metros de altura, chegando a pesar dezenas de toneladas. A área total é de apenas 18 km². Qualquer terra mais próxima está distante 3,2 mil km. Recebeu este nome por ter sido descoberta em 1772 num domingo de Páscoa. Foi esse lugar que o médico Michel Honda, de 41 anos, de São Paulo, escolheu para correr uma maratona. Por sinal, a maratona começou bem antes da largada: somando as horas passadas no check-in, embarques, desembarques, conexão, foram 24 horas da viagem São Paulo-Santiago-Ilha de Páscoa.

Na sexta-feira que antecede a Maratona da Ilha de Páscoa, há uma prova de triatlo e, no sábado, outra de mountain bike. O kit foi entregue na véspera da corrida, quando Honda acabou conhecendo a maioria dos outros competidores. São menos de 100 inscritos, incluindo os 31 da maratona, os 21 da meia e os participantes dos 10 e 5 km. Gente do Canadá, Argentina, Reino Unido, Brasil, Hungria, França, Austrália, Alemanha e Espanha. "Demos uma volta pela única cidade de toda a ilha, Hanga Roa, e partimos em direção ao outro extremo. No trajeto, todo em pista asfaltada, hidratação a cada 2,5 km com água e isotônicos entregues pelos ilhéus sempre muito cordiais", lembra Honda.

No percurso, a paisagem vai mudando devagar. As casas ficam cada vez mais distantes umas da outra. Depois, há bosques de eucaliptos e pastos. "Avançamos pelo meio da ilha, sem a visão dos Moais, as cabeças gigantes, que ficam no litoral. O percurso não é nada fácil; por ser uma ilha vulcânica não há praticamente trechos planos e enfrentamos muitas subidas com sol e vento contra", descreve o médico. "Atravessamos toda a ilha e, na metade da prova, chegamos ao seu lado oposto, na praia de Anakena. Essa é a parte mais bonita, com montes cobertos de flores roxas, crateras de vulcão, palmeiras na praia e o Oceano Pacífico logo atrás." O retorno é pelo mesmo caminho, num isolamento total. "Recebi a medalha desta prova inesquecível de uma menina com roupas típicas."

De acordo com Honda, conhecer a Ilha da Páscoa foi uma experiência única, proporcionada pela paixão pela corrida. "Trata-se de uma maratona bastante exótica e cara, uma viagem cansativa e demorada. Mas vou levar as ótimas lembranças para o resto da vida. Valeu muito a pena."

UMA REVOLUÇÃO. Outro adepto das viagens para correr é o técnico judiciário Marcelo Jacoto, de 31 anos, assinante da CR, que compete desde 2002. "A corrida revolucionou minha vida porque, desde o momento que passei a correr com frequência e a viajar por causa das provas, tive a oportunidade de conhecer muitos lugares", diz. Jacoto estreou na São Silvestre de 2000, quando se preparou por "longos" 15 dias, sem qualquer orientação, como lembra. "Passei a correr regularmente, treinando com equipe, deixando de ser um ‘atleta de final de semana', a partir de 2002. Em 2003 fiz a minha primeira prova fora de São Paulo, a Meia-Maratona do Rio. Foi uma revolução na minha vida, pois, até então, estava com 24 anos e o máximo que viajava fora de São Paulo era para o apartamento de minha família no Guarujá. A corrida despertou meu interesse de conhecer novos lugares e meses depois já estava em Belo Horizonte para a Volta da Pampulha."

Jacoto estreou em maratonas internacionais em 2005 em Nova York. "Para tanto, fiz algumas provas como preparação, dentre elas a Maratona de Blumenau e as meias de Buenos Aires (a primeira no exterior) e Salvador. Já estava virando um ‘maraturista'", conta o técnico judiciário. Então, a partir de 2007, cansado dos percursos iguais de São Paulo, prometeu a si mesmo que faria mais provas no litoral e interior paulistas, além de Estados vizinhos. "Sem nunca repetir uma prova no calendário, hoje são 19 maratonas em 19 lugares diferentes. Fui pesquisando, conhecendo novos circuitos. O ineditismo – contando principalmente pela cidade, para aliar corrida e turismo – passou a ditar meu calendário. Ao mesmo tempo, comecei a programar minhas maratonas em lugares que nunca havia sonhado conhecer antes de me tornar corredor amador. Fui para Roma e Chicago em 2007, Londres e Berlim em 2008, Disney, Santiago do Chile, Boston e Amsterdã em 2009, e Barcelona, Assunção e Atenas em 2010."

O técnico judiciário, sempre que define uma prova, faz pesquisa em guias e internet, a fim de conhecer os principais pontos turísticos e aproveitar ao máximo as cidades visitadas. "Tenho o costume de procurar shows e jogos de futebol no período das minhas viagens, mas tudo é planejado para não prejudicar o desempenho na prova em que estou inscrito", explica. Cansado do asfalto, Jacoto também partiu para as corridas de montanha. "Sem dúvida, tive experiências inesquecíveis e até mesmo desenvolvi a parte cultural por causa das pesquisas turísticas."

Em 2011, o roteiro de Jacoto está, no mínimo, eclético. Meia-Maratona de Lisboa, em Portugal; a Corrida da Ponte Rio-Niterói, no Rio de Janeiro, e a Maratona da Muralha da China. "Ainda pretendo correr as maratonas de Veneza e Buzios (cross-country) neste ano. Acredito que a corrida nos dá a oportunidade única de percorrer lugares, sejam eles vias públicas ou trilhas, que jamais poderíamos estar no dia-a-dia, como a Ponte Estaiada (SP), a Ponte Rio-Niterói (RJ), a Terceira Ponte (entre Vitória e Vila Velha, Espírito Santo) na Dez Milhas Garoto, a Esplanada dos Ministérios de Brasília, o Autódromo de Interlagos, a pista do Jóquei Clube e o Estádio do Pacaembu (em SP), por exemplo."

Na hora de definir onde vai correr, o que mais motiva Jacoto é o local a ser conhecido/visitado, o ineditismo da prova e o quanto o percurso pode ser desafiador. Com isso, não deixou de fora um momento único: a comemoração dos 2.500 anos da origem da maratona em Atenas, na Grécia. "Tive a felicidade de participar de uma edição especial, que contou com o triplo de inscritos habituais. A Grécia, assim como Roma, parece um lugar ‘congelado no tempo'. A cidade chama a atenção pelo contraste existente entre as construções modernas/atuais e os sítios arqueológicos com séculos de existência. A cultura é muito diferente da nossa, mas os gregos são receptivos", conta. "Cada maratonista tem uma recepção digna de um atleta olímpico, é impossível não se emocionar. Confesso que foi a minha chegada mais inesquecível."

Outra viagem/corrida dos sonhos de Jacoto foi para Villa La Angostura, um pequeno distrito próximo de Bariloche, na Argentina, que ganha vida em novembro por ser palco da K42. "Apesar de ter viajado em uma época de baixa estação – há pouca neve nas montanhas, com a estação de esqui fechada -, a temperatura é baixa para nossos padrões e o azul dos lagos é um autêntico espetáculo da natureza. O cordeiro patagônico, prato principal da região, domina o cardápio de todos os restaurantes, muito aconchegantes à noite. Como a organização determina que todos corram com a camiseta oficial da prova, a largada é um mar de gente na mesma cor (em 2010, o vermelho predominou)", descreve o corredor viajante. "Resolvi participar porque havia visto o álbum de fotos de um colega e fiquei com muita vontade de conhecer o lugar, além de gostar de participar de corridas de montanha com altimetria bem variável."

De acordo com Jacoto, não há dúvidas de que a beleza natural é o maior charme da K42 Villa La Angostura. "Os corredores passam por rios de águas geladas, que cobrem os tornozelos, e sobem e descem inúmeras trilhas. No final da subida do Cerro Bayo (estação de esqui, com cerca de 3 km bem íngremes), a recompensa surge com uma vista panorâmica da região, com lagos azuis e o gelo que resiste na parte mais alta das montanhas. Vale todo o esforço."

 

ENCONTRO DOS OCEANOS. Marcos Vinícius Gagliardi, de 40 anos, consultor técnico de avaliação do Ensino Superior, é um veterano de provas. Começou há 26 anos, tendo 38 maratonas e três ultras entre as mais de 300 corridas. Natural de Botucatu, no interior de São Paulo, diz que a corrida o levou a lugares distantes tanto no Brasil quando no exterior. Entre eles, a Grécia, nos 2.500 anos da maratona. "Mais do que qualquer outra coisa, a Maratona Clássica de Atenas é a ponte que liga a lenda com a história e destaca o poder da vontade e da alma humana. É uma diversidade de valores, de consciência social e ambiental, de amizade e de solidariedade", resume. "Eu estava lá, ainda sem muito acreditar."

Neste ano, Gagliardi fez a "viagem dos sonhos", para Cidade do Cabo, na África do Sul, onde correu a ultramaratona Two Oceans, de 56 km, no encontro entre os oceanos Atlântico e Índico. "Se essa não for a prova mais bonita do mundo, com certeza está entre elas", diz o corredor, que fechou percurso em 5h44.

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