Corredores de laboratório

Eles conquistaram o sonho de qualquer corredor: têm tratamento de elite. E às vezes até melhor, com infra estrutura de dar inveja a muita gente que vive do esporte. São os 13 "sortudos" que fazem parte da equipe do Laboratório de Bioquímica do Exercício (Labex) da Unicamp, em Campinas.

No grupo, alunos e funcionários da universidade, sob o comando da professora e coordenadora Denise Vaz de Macedo, que criou a equipe junto com a professora Vera Regina Toledo Camargo com o objetivo de oferecer uma estrutura de aprendizado na qual os estudantes pudessem aliar teoria e prática. Quem ganhou, claro, foram os atletas, que são acompanhados atentamente por uma equipe de especialistas e têm todas as variáveis da corrida monitoradas.

E como se formou esse grupo de "privilegiados? "A maioria de nossos atletas ou nos procuraram para melhorar seus tempos ou eram indicação de outras pessoas. Os mais recentes foram recrutados de acordo com seus tempos de prova, depois convidados e passaram um período treinando conosco. Queríamos ver quem tinha o perfil de corredor que busca não só a saúde, mas também melhoria das marcas pessoais (o famoso "sangue nos olhos")", conta Denise.

"Os treinos são elaborados como qualquer outro feito por assessorias, a diferença está na periodização embasada cientificamente. Por exemplo, em período preparatório geral, visamos a uma melhoria da velocidade de limiar ventilatório (L1) e de VO2máx, e para isso utilizamos basicamente treinamentos contínuos com intensidades por volta de 80% da velocidade de VO2máx. Por outro lado, se queremos melhorar a velocidade do ponto de compensação respiratória (limiar 2 ou L2) montamos treinamentos intervalados que podem chegar a velocidades de VO2máx. Analisamos os vários tipos de treinamentos em períodos de tempo diferentes para visualizar as adaptações nesses atletas amadores. Nossa meta com as pesquisas é  determinar um padrão ótimo de treinamento para qualquer atleta amador, sem loucuras e com qualidade", explica Lucas Tessutti coordenador técnico da equipe e doutorando em Biodinâmica do Movimento Humano. Em outras palavras: eles são minuciosamente monitorados para que os especialistas possam encontrar novos modelos, parâmetros seguros e eficazes de treinamento para os corredores.

 

MORDOMIAS DE CAMPEÃO. Pode-se dizer que os 13 corredores têm um treinamento de luxo. Trocam de tênis e uniformes a cada três meses, têm à disposição academia, nutricionista, fisioterapeuta e psicólogo, fazem rotineiramente testes de VO2máx (de padrão ouro, o melhor método) a fim de traçar parâmetros de treino, além de análises sanguíneas, avaliações da composição corporal e ginástica de conscientização corporal, o Lian Gong, uma arte chinesa. Com o patrocínio do Grupo Gestor de Benefícios Sociais da Unicamp (GGBS), recebem inscrições e transporte para provas. Claro, porque o que eles querem ver mesmo são os pódios.

"Tenho hoje mais de 70 troféus e 200 medalhas, tudo exposto em uma pequena sala onde moro", conta, orgulhoso, o auxiliar administrativo aposentado Manoel Benedito da Silva, 59 anos, o "Da Silva". O caminho para chegar à corrida foi tortuoso, mas deu certo: trocou de esporte depois de se convencer de que não levava mesmo jeito para o futebol. E apostou certo. No Labex há cinco anos, já foi campeão por faixa etária duas vezes no ranking da Federação Paulista de Atletismo. "Correr é minha vida e sempre agradeço a saúde que tenho, pois me permite continuar e obter todas essas conquistas", conta.

"Observamos os trabalhos realizados no exterior e tentamos adequá-los para a nossa realidade, como forma de buscar outras respostas em metodologias de treinamento. E isso tem gerado bons resultados. Temos um artigo que deverá ser publicado nos próximos meses na Journal Strenght Conditioning Research sobre o protocolo de teste de VO2max específico para corredores de fundo, bem diferente dos costumeiramente utilizados. Outro trabalho é sobre as adaptações específicas que cada treino pode gerar, no qual fizemos diferentes tipos de treinamentos em  momentos diversos da preparação, visando a adaptações específicas", completa Tessutti.

E o item nutrição não deixa para menos. "Avaliamos os hábitos alimentares, sintomas clínicos subjetivos, composição corporal e exames bioquímicos. Com estas informações periódicas em mãos, mais o roteiro do treinamento de cada um, elaboro o plano alimentar e faço os ajustes ao longo de encontros quinzenais", relata Mirtes Stancanelli, nutricionista mestre em Biologia Funcional e Molecular pela Unicamp participante no projeto que descobriu as qualidades da garapa para fazer a reposição eletrolítica de atletas.

 

OS "ELEITOS". Todos os atletas comentam animados como melhoraram suas marcas significativamente depois de entrarem para a equipe. "Temos dois atletas universitários, Jonas e Marcos, que começaram conosco fazendo os 10 km por volta de 42 minutos e baixaram para 36 minutos em pouco mais de um ano. A dificuldade foi adaptá-los aos treinos longos, pois faziam provas de meio fundo. Detectamos a melhor distância para eles por meio dos testes de VO2max e testes de pista e desempenho na rua. Assim, traçamos uma relação dos resultados e encontramos um ritmo certo", explica Tessuti.

O fato é que dificilmente estes atletas teriam essa chance fora do Labex. Se por um lado ajudam as pesquisas a avançar, por outro lado têm acesso a uma oportunidade de ouro. "Sem o treinamento específico e minucioso que eles recebem aqui e sem o refinamento de informações, o treino e a periodização acabam sendo um chute no escuro. Eles talvez até melhorassem, mas poderiam pagar o preço com lesões graves", comenta Tessutti.

Jonas Lemos Talaisys, 27 anos, é mestrando em engenharia elétrica. "Comecei a correr por prazer e desafio. Até a minha vinda ao Labex não possuía um treinamento específico. Como além dos treinos são feitos trabalhos para verificar de que forma as variáveis influenciam o desempenho, ganhei mais disciplina e passei a entender melhor o porquê de seguir a risca os treinos e dietas recomendados. Com mais empenho, treino personalizado e acompanhamento, melhorei meu rendimento e diminuí o número de lesões. Tenho a oportunidade ímpar de treinar com qualidade e aprender sobre a ciência envolvida no treinamento", conta ele, que ficou em 5º lugar (geral) nos 5 km da Corrida Integração deste ano (17:12), uma das mais importantes provas realizadas em Campinas.

"É uma infra estrutura que talvez nem atletas de elite tenham", afirma, com propriedade, Carlos Eduardo da Silva, 20 anos, estudante de educação física. "Sem contar ainda o apoio para provas: transporte, inscrições e tenda da equipe, o que faz com que nos preocupemos somente em correr, além de estar representando a universidade e ajudar a unir ciência e prática", anima-se.

Apesar do grupo conquistar marcas importantes, por enquanto só recebe apoio dos órgãos internos da Universidade. "Crescemos muito nesses 10 anos e acredito que um dia possamos ser apoiados por marcas e empresas, o que seria ótimo para nos dar mais estrutura para ampliar o projeto", espera Denise.

 

DA AERÓBICA À COLEÇÃO DE TROFÉUS. A turma conta com apenas uma mulher, mas que corredora! "Meu pior tempo nos 10 km foi 51 minutos. Isso na primeira corrida que participei", conta a pedagoga Nadir Camacho, 55 anos, funcionária administrativa da Faculdade de Educação. Só que ela nunca havia treinado antes. "Tinha 35 anos e entrei na academia para perder o peso ganho durante a gravidez. Fazia musculação e aeróbica. Um belo dia me convidaram para participar da Integração, porque queriam formar uma grande equipe e lá fui eu, sem treino. Eram 10 km e antes só havia corrido nas aulas de Educação Física. A premiação era até a 30ª no geral feminino. Fui a 28ª e ganhei uma  medalha. Olhei para ela e repeti para mim mesma: – agora que sei que posso correr, nunca mais vou parar. E assim foi. Hoje eu vejo que realmente foi uma loucura. Minha unha do pé ficou preta pois corri com o tênis de aeróbica", relembra ela, que já fez 5 km em pouco mais de 19 minutos e os 10 km em 37 minutos. Ao todo, tem quase 800 troféus e medalhas nesses 20 anos de corrida e desde que entrou no Labex é campeã nos rankings de faixa etária da Federação Paulista de Atletismo. Atualmente lidera entre 55-59 anos.

Para ela, o mérito é dividido com a equipe única. "O tratamento que temos é de altíssimo nível. Conheço vários atletas de elite, inclusive da antiga Equipe Funilense, de onde saiu o Vanderlei Cordeiro e posso dizer que, no caso do Labex, somos realmente privilegiados", compara.

Quem também entende de colecionar troféus é Aristides Bianchi, 64 anos, jardineiro da Faculdade de Ciências Médicas. Ele começou a correr depois de ver exames de colesterol e triglicérides alterados e nunca mais parou. Ao todo, são 52 troféus. "O mais bonito é um de Bom Jesus dos Perdões, um colosso, coisa linda. Fiquei em primeiro na categoria. Há quatro anos participei de 32 provas no ano, e voltei com 27 premiações", relembra. O que o senhor Aristides não sabe é como viver sem o esporte. Com problemas de saúde, terá que diminuir o ritmo a partir de agora. "Foi um choque. Pensei que entraria em depressão. Minha vida é isso. Até quando não tinha transporte para as provas eu ia de bicicleta – e levava bronca do treinador. Mas sempre voltava com premiação", conta ele, que a partir de agora assumirá a função de auxiliar técnico da equipe. Afinal, não é preciso ficar longe das corridas por completo.

 

VIDA NOVA. Com 30 kg a menos, o administrador de redes da Faculdade de Engenharia Agrícola, Clóvis Tristão, 39 anos, resolveu que era hora de mudar. Após uma cirurgia para correção de um problema de hérnia de hiato há três anos, decidiu baixar o peso de vez, que beirava os 90 kg. "Para manter o peso comecei a correr porque achava caminhar muito chato. Tinha colesterol alto e pressão alta – tomava remédio diariamente – mas o médico disse que eu não precisaria mais tomá-los desde que continuasse com a corrida, e isso me motivou", conta ele que pesa 64 kg hoje e está com os exames totalmente normalizados.

Os resultados surgiram rapidamente depois que entrou para o Labex. Se antes o tempo para 10 km beirava os 60 minutos, agora completa em 45.

A corrida e os bons resultados valeram uma viagem a Paris para Silenício Vicente dos Santos, 48 anos, chefe administrativo. O esporte apareceu em sua vida quase sem querer. "Em 2001 estava desempregado e vivenciando o fim de um relacionamento. Comecei a correr para ver se esquecia os problemas. Depois de 30 dias participei de minha primeira corrida e o tempo nos 10 km foi de 46 minutos. Após alguns meses já chegava entre os primeiros em minha categoria. Com o Labex os resultados foram surpreendentes, e comecei a estar entre os primeiros colocados no geral", comemora. Santos é ex-funcionário da Unicamp e hoje trabalha no grupo Pão de Açúcar, empresa que patrocinou sua ida à Maratona de Paris esse ano. "Apesar de ter um clube de Corrida (PA Club) continuei com o Labex, pois criamos um vínculo muito grande e uma confiança no trabalho", explica o corredor que ficou em 2º lugar na categoria na Maratona de São Paulo, com o tempo de 2h41.

Para completar a equipe, um ultramaratonista. O técnico mecânico José Antunes dos Santos, 55 anos, teve que ser colocado na rédea curta. Corredor há muitos anos, gostava de exagerar. "Fiz 38 maratonas e duas ultras, mas pelos testes viram que eu me sairia melhor nos 21 km. Foi difícil, mas aprendi a respeitar mais meu corpo e me livrei das lesões. Às vezes o pessoal que trabalha comigo não entende porque eu faço isso, falam que estou perdendo tempo, que não ganho nada, mas acho que eles é que gostariam de se dedicar tanto a alguma coisa tão prazerosa. Além de a corrida ser algo muito importante para mim, faz diferença o trabalho de equipe. Nas provas nos ajudamos, torcemos e vibramos juntos. Cada conquista é uma vitória do grupo", afirma

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