As pessoas que sofrem morte súbita, praticando esporte ou não, tinham um problema que não foi diagnosticado, daí a importância de exames periódicos para aqueles que estão no chamado "grupo de risco". Nesta matéria, o autor comenta sobre avaliações feitas com praticantes de esportes de longa duração, e os efeitos dessas atividades para o músculo cardíaco.
A prática regular de atividade física atua de várias maneiras como uma importante ferramenta contra diversos males de saúde, sendo até mesmo apontada como capaz de aumentar o tempo de vida daqueles que se exercitam com regularidade. Apesar dessa ser uma questão controversa, é inegável que a atividade física proporciona maior qualidade de vida. Como se diz, "mesmo que não seja capaz de adicionar anos à vida, a atividade física adiciona vida aos anos de seus praticantes".
Se a atividade física melhora a qualidade de vida, nada mais natural do que vermos cada vez mais praticantes. E é esse mesmo o fenômeno que ocorre mundo afora, sobretudo quando o assunto é corrida de rua. Só para ficar em dois exemplos, a quantidade de atletas na corrida de São Silvestre, ao longo dos seus 82 anos de existência, saltou de 60 (sessenta corredores) para 15 mil, enquanto que nos 36 anos de existência da Maratona de Nova York, esse número pulou de 127 (cento e vinte e sete corredores) para 30 mil.
Mas ao mesmo tempo em que esse fenômeno evidencia uma maior consciência das pessoas com respeito à saúde, expõe um lado menos agradável do esporte devido ao crescente número de morte súbita entre atletas, profissionais e amadores.
A chamada morte súbita está quase que exclusivamente relacionada a casos de infarto do músculo do coração – miocárdio – e é uma situação que assusta pela forma furtiva como ocorre, já que é comum acontecer em pessoas que nunca apresentaram qualquer sintoma de problemas cardíacos, não sendo raros os casos em que esses problemas não foram detectados nem mesmo por exames específicos.
Os resultados dos exames
O infarto do miocárdio nada mais é do que uma redução do suprimento de sangue para o músculo cardíaco. Apesar de ser considerado um evento raro – 1 caso a cada 50.000 mortes – essas ocorrências arranharam a imagem de ícone de saúde do atleta e fizeram crescer a seguinte dúvida: é o esforço prolongado a causa desses infartos?
O resultado negativo para determinado exame não afasta a possibilidade de um evento dessa natureza. Segundo a Associação Americana de Cardiologia, cerca de 50% dos infartos agudos do miocárdio não são detectados pelo eletrocardiograma, sendo que pelo menos um a cada três infartos agudos do miocárdio não é clinicamente reconhecido nem pelo paciente, nem pelo médico devido a diversos fatores, entre os quais dores torácicas atípicas ou ausência dessas dores.
Em função dessa realidade, buscaram-se medidas alternativas para que fosse possível detectar cada vez mais antecipadamente os danos causados no organismo pela morte das células miocárdicas, uma vez que o grau de eficácia do tratamento está diretamente relacionado à precocidade do diagnóstico do infarto. Uma dessas medidas foi a detecção de determinadas substâncias que passam para o sangue após a lesão das células musculares; os chamados marcadores bioquímicos de injúria cardíaca. Entre eles, a Creatino Kinase [total, CK-MB e CK-MB massa], a mioglobina e a troponinia T, C e I.
Os efeitos das maratonas para o coração
Aproveitando as novas técnicas de avaliação por meio dos marcadores, diversos estudos foram realizados com o intuito de verificar se a musculatura cardíaca é lesionada quando exposta aos esforços realizados durante os eventos de longa duração. Em outras palavras, os estudos procuraram responder se eventos como as maratonas e as ultramaratonas são prejudiciais à saúde.
Basicamente, os estudos levados a cabo comparam as condições hematológicas, bioquímicas e estruturais do coração dos atletas antes e depois desses eventos, sendo que, em vários casos, aqueles marcadores foram detectados nos exames pós-eventos, sugerindo, em uma leitura apressada e superficial, que os eventos de longa duração são prejudiciais à saúde.
A interpretação desses resultados, contudo, deve ser feita sob uma ótica diferente daquela que é usada quando o mesmo exame é realizado em condições de repouso. O esforço a que a musculatura é submetida após longos períodos de atividade é, por si só, suficiente para provocar microlesões nas células. Essa, aliás, é uma das razões para as conhecidas dores do dia seguinte.
Em condições de repouso, não é esperado que haja lesão da musculatura esquelética, de forma que a presença de marcadores no sangue é tida como forte indício de lesão da musculatura cardíaca. Além do esforço, a produção de cortisol é outra circunstância ligada a eventos de longa duração que compromete a integridade da estrutura celular. A presença desse hormônio fraciona as moléculas de carboidratos, lipídeos e proteínas (músculos) para a produção de substrato energético, sendo que após a maratona o seu nível está bem acima do normal, só retornando aos valores basais após 24 h do final do evento.
Por conta da agressão às células musculares provocada pelo esforço, a ocorrência desses marcadores no sangue é esperada nos exames pós-esforço o que, a princípio, deve ser interpretado como resposta fisiológica normal frente ao esforço e não como um acometimento patológico. Há, porém, estudos que mostram algum grau de comprometimento da musculatura cardíaca decorrente desses eventos de longa duração.
Lesões temporárias
Em um estudo publicado em 2004 no American Journal of Cardiology, 105 atletas de esportes de longa duração, que não apresentavam qualquer sintoma relacionado à doença cardíaca, foram avaliados após os eventos. Entre esses atletas, alguns apresentaram resultado positivo para os marcadores bioquímicos específicos para lesões da musculatura cardíaca. Três meses após os eventos, uma parte dos atletas cujos resultados haviam sido positivos foi submetida a exames cardíacos. À exceção de um caso, não foi encontrado qualquer sinal de dano na musculatura cardíaca.
Em outro estudo, publicado em 1997 na Medicine Science Sports Exercise, nenhum dos corredores com resultado positivo após a maratona apresentou qualquer sintoma de doenças cardíacas um ano após os testes. O estudo mostra que houve reversão das lesões cardíacas observadas nos exames realizados por ocasião dos primeiros testes.
Em resumo, tem-se que as características mecânicas e fisiológicas dos eventos de longa duração provocam microlesões na musculatura esquelética e cardíaca. Em atletas sadios, essas lesões estão relacionadas à fadiga produzida pelo esforço e não a comprometimentos patológicos. Deve ser ressaltado que os estudos realizados mostraram reversão dessas ocorrências nos corações sadios, de forma que exames pós-esforço devem ser interpretados com cautela e não podem ser usados como diagnóstico exclusivo para doenças do coração.
Então é isso. Se você é um atleta com um coração sadio não há com o que se preocupar. Bons treinos, alimentação equilibrada e descanso são o suficiente para uma boa e saudável corrida. Mas o maior problema é justamente este: saber se você é realmente uma pessoa com um coração sadio.
O fato de uma pessoa nunca ter sentido qualquer dor no peito, como vimos, não é suficiente para classificar sua saúde coronariana. Esse julgamento jamais deve ser feito exclusivamente pelo atleta, mas sim em conjunto com um médico que saiba exatamente quais as suas atividades e planos. Qualquer tentativa que não considere essa orientação é inteiramente por conta e risco da própria pessoa e não vale a pena ser tentada.
Falsos-negativos
Como mencionado anteriormente, existem casos que mesmo os exames não detectam um problema latente que pode se agravar com o esforço e provocar o evento cardíaco. São os chamados resultados falso-negativos.
O resultado falso-negativo é um problema sério na medida em que a pessoa que possui uma enfermidade cardiovascular é informada que está sadia. Para diminuir as chances desse problema acontecer, o atleta deve ser orientado a realizar exames que estejam de acordo com o seu histórico clínico, fatores de risco, sinais e sintomas, além de considerar os achados de exames clínicos já realizados. Existem diversos exames para se diagnosticar doenças do coração, sendo que a escolha do mais adequado para cada caso é uma decisão que cabe ao médico.
Entre os fatores de risco deve ser considerado o histórico familiar, a idade, o sexo, o tabagismo, o diabetes, a hipertensão, o colesterol alto, entre outros. Aqueles com resultado negativo para um determinado exame e que apresentem um alto fator de risco devem confirmar junto ao seu médico a sua situação para afastar a possibilidade de ter ocorrido um resultado falso-negativo. Em casos de dúvida é sempre melhor buscar mais informações a se expor a um risco iminente e desnecessário.
Por outro lado, existem também os chamados resultados falso-positivos que são justamente o oposto. Nesse caso, a pessoa não é portadora de qualquer enfermidade, mas, por qualquer motivo, o resultado do seu exame sugere algum problema. Fora o susto, a realização de outro exame e uma boa conversa com o seu médico põe tudo nos seus devidos lugares.