Só quem já sentiu o prazer de cruzar a linha de chegada de uma maratona sabe o quão gratificante é. E chegar bem é algo que não tem preço. Mas para completar com alegria só há uma opção: preparo! Sem treinar adequadamente, há grandes possibilidades de você transformar algo maravilhoso em uma dolorosa experiência, a ponto até de nunca mais querer repetir a façanha.
E no ano em que se comemora 25 anos da estréia da participação feminina em maratonas olímpicas, em Los Angeles 1984, a Contra-Relógio foi saber como foi o preparo de três mulheres, que, coincidentemente, estrearam na mesma prova, na última Maratona do Rio de Janeiro.
Há oito anos a publicitária Érika Fujyama, 44, de São Paulo, escutou de seu médico, em um exame de rotina: "Colesterol crítico! O que prefere: viver mais alguns anos neste estado, passar a tomar medicamentos ou ganhar qualidade de vida, caminhando e correndo?" "Era o que eu precisava escutar para dar uma guinada. Alguém tinha que me chacoalhar, para me acordar. Foi o que decidi; era uma questão de vida ou morte". E assim, Érica passou a correr.
Já a pedagoga Silvana Vilela Vieira, 39, conta como começou a se interessar em estrear em uma maratona. "Há três anos, quando conheci meu namorado, já corria, porém o meu limite era 10 km; motivada por ele comecei aumentar a distância e participar de provas mais longas de 15 e 21 km, até colocar como meta os 42 km".
A razão para a estréia em maratona da assessora de vendas Solange Pereira Silva, 25, é curiosa: "No dia que completaria minha primeira maratona, fazia um ano que corria". A novata entre as três estreantes aqui destacadas, tanto em idade como em termos de tempo da prática da modalidade, fala de sua iniciação: "Comecei a correr por gostar e querer melhorar a qualidade de vida; conheci meu esposo, que é ultramaratonista, aí ganhei gosto ainda maior".
COM ORIENTAÇÃO CERTA. Desde que colocaram em mente que iriam enfrentar o desafio de uma maratona, as três buscaram profissionais especializados que as ajudassem e orientassem de forma correta na empreitada. "A orientação de um especialista é fundamental para evitar erros que possam provocar lesões. Acredito que um treinador também ajuda a manter o equilíbrio na ansiedade. Se for só na empolgação dos amigos, sem uma orientação qualificada, corremos o risco de frustrações em relação às corridas que temos como meta.", avalia Silvana Vieira.
"Qualquer um melhora um pouco treinando sozinho, mas sem o acompanhamento de um técnico que elabore um treino, respeitando as limitações do indivíduo, os riscos de lesões aumentam significativamente, assim como de ter um esgotamento por excesso de treinos; e a possibilidade de insucesso é grande, além do potencial do indivíduo não ser explorado ao máximo", diz Nelson Evêncio, presidente da ATC-SP (Associação de Treinadores de Corrida na capital paulista).
Mas nem todos podem, gostam ou mesmo dispõem em sua cidade de treinador e, nesse sentido, as revistas especializadas cumprem de certa forma esse papel de orientação, assim como a internet, que está a um clique de distância. Aliás, segundo estimativas, apesar do enorme crescimento das chamadas assessorias esportivas, a maioria dos corredores brasileiros treina por conta própria, especialmente os mais experientes.
"Antes de ter uma supervisão técnica, eu tentava correr, mas não conseguia, pois fazia 200 metros e já me sentia cansada com falta de ar e dores. Achava impossível. Mas depois que tive orientações do meu técnico Branca tudo mudou; o que era impossível foi tornando-se real, com suas orientações aprendi – pois para cada novo desafio uma nova estratégia – as técnicas de corrida, a postura, a respiração, treinos educativos e a hidratação que também é muito importante. Hoje consigo correr e me sentir bem, aliás, cada corrida me sinto melhor", conta Solange. Já Érika, que tem o mesmo orientador, comenta que "no meu caso, o treinador foi responsável pelo meu autoconhecimento e pela recuperação da minha auto-estima.",
Os técnicos de corridas de rua costumam afirmar que para correr bem uma maratona são necessárias no mínimo três seções de treinos semanais por alguns meses. "O atleta tem que ter disponibilidade de treinar pelo menos três a quatro vezes por semana corrida, além de fazer musculação ou fortalecimento muscular duas vezes na semana no mínimo", diz o técnico Vanderlei "Branca" Severiano. "Se ele não dispuser deste tempo, é melhor treinar para as provas menores e adiar o projeto maratona, pois poderá se lesionar e ficar frustrado ao não completar a prova ou terminar, com sofrimento, em um tempo muito alto", observa Nelson Evêncio.
AS MUDANÇAS PARA CADA UMA. "Tudo mudou. Para mim, em primeiro lugar foi ter assumido um compromisso com o técnico. Infelizmente quando se compromete consigo mesmo, a gente costuma se sabotar, mas quando existe o outro, as coisas ficam mais sérias", diz Érika, que não acredita nas teorias de auto-ajuda, "mas o meu movimento começou de fora para dentro, ou seja, o técnico manda e eu obedeço; funcionou para mim. Além disso, ter que acordar muito cedo, (pra mim era quase de madrugada levantar às 6 horas!), ter dias e horários planilhados dá um norte e uma missão a cumprir, representa uma meta. É claro que muito deste início, para quem era sedentária assumida, dependia muito do incentivo do treinador e dos amigos", conclui.
Além do treino de corrida propriamente dito, as candidatas a maratonistas precisam de cuidados complementares, como ter uma dieta equilibrada, um sono regulado e fazer exercícios complementares. Silvana diz que seu treino semanal "é inconstante, devido ao ritmo de trabalho", por isso, prioriza os longos do final de semana, e ainda pratica Pilates e musculação. Meu namorado Nilson Paulo de Lima é maratonista e tem formação em Educação Física; ele montou minha planilha de treinamento, iniciando 4 meses antes da maratona que escolhi para estrear.
"Procuro seguir rigorosamente meus treinos, que têm variação de terreno, ritmo, frequência cardíaca de esforço; em dias alternados tenho rodagem (distância) e ritmo, e até mesmo a caminhada e o descanso fazem parte da preparação", fala Solange de sua rotina semanal de treinamento.
Preparadas, as três estavam prontas para enfrentar a quase toda plana Maratona do Rio, mas difícil em função da alta umidade relativa do ar e da temperatura, com o sol dando as caras, depois de duas horas de prova. Mais que o preparo físico, o mental foi fundamental para gerar um alto grau de confiança nas estreantes.
"Se não tivesse o treino adequado acredito que não completaria os 42 km. Em todo o percurso ele estava em minha mente, especialmente quando as câibras queriam aparecer. Muito importante para tanto tempo correndo é o psicológico; no momento em que cansava eu me lembrava que estava treinada e para isso que estava ali, para chegar", diz Solange.
"Estava preparada fisicamente para suportar os 42 km, preparação lenta que me ajudou a conquistar quilômetro por quilômetro. E também psicologicamente, os treinos nos preparam para o dia da corrida. Nos finais de semana, durante os longos, fui me condicionando e acostumando a passar mais tempo correndo, pensando na vida, dividindo os quilômetros, sem ansiedade em acabar logo", diz Silvana.
Corrida tranquila. E o grande dia chegou para as três corredoras. "Como foi minha primeira maratona, meu interesse era chegar bem, independente de tempo. O objetivo era terminar e ter vontade de fazer outras; para isso precisava chegar bem. Completei em 5h03, uma emoção incomparável; uma felicidade muito grande e a sensação de vencer e dever cumprido comigo mesmo", conta Solange, que mora em Sorocaba, SP.
"Foi uma surpresa quão bem completei essa prova, em 5h07; isso é realmente um incentivo para enfrentar novos desafios, outras maratonas. Tinha medo de ser extremamente sofrido e doloroso fazer uma maratona, e se assim fosse, teria encerrado ali mesmo carreira de maratonista. Foi tão bom que já estou me preparando para a próxima", comenta a corredora Silvana Vieira, de Uberlândia, MG.
E a paulistana Érika? "Minha preocupação era driblar o psicológico, durante a maratona. Ia me lembrando dos percursos difíceis que já havia feito, dos treinos técnicos em terrenos íngremes, os piores momentos nas provas de revezamento com chuva e lama, ou seja, toda experiência que tive ao longo de 10 meses me embasaram a passar bem pelos 42 km. Cada músculo usado tinha sido trabalhado, cada alimento ingerido foi abençoado. Terminei ainda com um sprint final, buscando forças sabe-se-lá-de-onde, e terminei em 4h28, muito emocionada".
São três histórias que se entrelaçam e com um final feliz: o de completar a primeira maratona de forma planejada, saudável e prazerosa.