Os maratonistas estavam acotovelados e nervosos. Um inexplicável atraso de meia hora deixava todos impacientes. Alguns conversavam sobre lesões como maratonista fala sobre lesão na hora da largada!), outros reclamavam do horário e alguns assobiavam e aplaudiam, chamando a atenção, talvez protestando ou simplesmente esquentando as mãos. O sol brilhava e um vento gelado ainda insistia a soprar com força. Ali dentro daquela massa humana o vento não castigava, deixando uma sensação confortável. Até que um espírito de porco resolveu acabar com essa sensação. Gases. O que era conforto se transformou em tortura. Não havia para onde correr. E os corredores se olhando: Quem seria o cretino? Mas nenhum mal é eterno; 31 minutos após o horário previsto, largada. Ar puro…
O dia estava lindo, contrastando com a semana inteira de chuva e ventos. "Deus é maratonista" disse alguém. A Maratona de Punta é linda como Punta. Começa pela orla e se espraia. Como é feita na semana da pátria brasileira, muitos brasileiros participam. Ao chegar na metade da meia, um retorno. Quem seguiria adiante faria a maratona. Os corredores dos 21 km davam meia volta. "Agora é só os loucos!" alguém grita com forte sotaque gaúcho. "Aqui se separam os guris dos homenzinhos!" insiste outro… gaúcho também. Abastecimento perfeito de água, isotônicos, frutas e até limonada. O povo uruguaio é simpático e educado. E tolerante. Um corredor identificado com a cidade de Sapucaia gritava a plenos pulmões: "Viva Perón! Viva o Boca!" Espera-se que ele não vá à Argentina gritar: Viva o Peñarol! é capaz de apanhar…
Chip eletrônico com registro na largada e na chegada. No restante os maratonistas tinham que ter boa memória, pois os números simplesmente apagavam com o suor. No km 21 a prova entra num circuito de automobilismo labirinto. Um vai e volta onde os que correm encontram os que correm menos. Pura sacanagem. Ali começa meu sofrimento. Vinha bem, ritmo forte, para terminar em menos de 4 horas com folga quando o urso em cima do muro me apanhou. A vontade era sentar na calçada e chamar um garçom. A mente manda e o corpo não obedece. Segui em frente arrastando os chinelos. Mais 21 de sofrimento. Uruguaios na torcida gritavam para incentivar : "Arriba, está quase acabando!" Quem me dera fosse verdade.
A Maratona de Punta serpenteava por bairros em direção a Maldonado. Depois uma longa ida e volta pela beira mar e um novo encontro de causar inveja com os corredores dos pelotões da frente. Algo bem desmotivacional. Mas o povo uruguaio não deixava de incentivar. Os marcadores de tempo iam passando com suas bandeirinhas. Se foi o das 3h40… depois o das 3h50… e quando o das 4h00 passou com uma turminha junto me deu vontade de chorar. Lá se ia o sub 4… e sem chances de reação. No km 38 um uruguaio me passa e pergunta: "Tudo bien?" respondo que sim e ele me replica: "Yo perguntei por que para mim no está!" Penso um segundo e digo: "Sem problemas, tampouco estava falando a verdade."
Finalmente aparece a placa do 40, 41… agora vai no vapor da gasolina. Mais gritos de incentivo e um enorme bife de chorizo na brasa e uma garrafa de Tannat se materializam na minha mente. Era o incentivo que faltava. Completo mais uma, a primeira em Punta. Acabou. Recebo uma medalha mais parecida com um chaveiro e confiro o tempo. O editor da CR vai dizer que foi sofrível, penso. E foi mesmo!