Você treina meses para buscar sua marca pessoal em uma prova-alvo. Chega o dia e, ao completar a distância, uma frustração: a corrida não tinha os 10 km ou 21 km anunciados. Será que o GPS está errado? Pergunta para um, para outro, para dez… tudo quase igual. Essa situação de desrespeito para os participantes é cada dia mais comum. Provas de classificação Nacional, obrigatoriamente, tem de ser aferidas por medidores credenciados na Confederação Brasileira de Atletismo – CBAt. Já nas corridas Estaduais, cabe à determinação de cada federação, sendo que a maioria faz vistas grossas.
Apesar de conceder o "permit", o alvará para a realização do evento, muitas federações não exigem que seja entregue o que é prometido: a distância exata. A prova tem tudo "bonitinho", com chip (para quê?), belos e recheados kits, ótima estrutura, hidratação abundante, vídeo da chegada, massagem, frutas no final, medalha, mas o atleta não sabe se correu uma distância medida e, portanto, não pode ter certeza sobre a sua performance. É quase uma enganação, em que o consumidor (corredor) acaba sendo prejudicado.
As Normas 7 e 10 da CBAt regem as corridas de rua pelo Brasil. São três níveis de provas: A1 e A2, de caráter Nacional, e a B, Estadual. Nas duas primeiras, caso não haja um problema de última hora (um acidente de trânsito no percurso, um ponto de alagamento, uma árvore que caiu…), ou seja, uma exceção, a distância será a prometida no regulamento. Já nas Estaduais, a história é completamente outra. Varia de federação para federação. Não há uma unanimidade, nem uma regulamentação geral. As duas normas completas podem ser acessadas pelos endereços eletrônicos www.cbat.org.br/normas/Norma10.pdf e www.cbat.org.br/normas/Norma07.pdf.
Primeiro e mais importante medidor internacional do Brasil, Rodolfo Eichler explica que há 32 anos começou (com ele) o trabalho de aferição de percursos no Brasil, e que é inadmissível hoje em dia uma prova em cidade não ter a medida exata. Para ele, por exemplo, uma corrida não pode usar a classificação de meia-maratona caso não tenha os 21.097 m, pelo menos. "Os agentes para isso devem ser as Federações, mas sabemos que o grande problema do Brasil é o tamanho, com 27 unidades, algumas estão mais próximas, com dinheiro, outras nem tanto", comenta. "Chegamos ao nível de uma corrida não ter medição, nem ambulância, mas ter chip e até quenianos." Para ele, o correto é vincular o alvará à aferição do trajeto. "Deveria ser assim em todos os Estados."
De acordo com Eichler, a medição também é importante porque define os cruzamentos que devem ser fechados, os pontos exatos de hidratação, ou seja, faz parte da segurança de uma prova. "Em grandes centros, não tem desculpa para uma corrida não ser aferida oficialmente. Hoje somos cinco medidores internacionais, mas há inúmeros outros, como cerca de 40 de nível C, ligados às federações", diz. "Citando um número aleatório de 5 mil provas pelo Brasil, temos umas 50 de categoria Nacional, outras 50 de primeiro nível, com premiação em dinheiro, mas sem classificação Nacional por causa das taxas. Chegamos a 100, sobram as outras 4.900", explica. "O interessante é que na maioria dessas provas, hoje em dia, o chip é o primeiro item a ser acertado, mas os resultados podem não ter qualquer credibilidade, porque não se sabe a distância real disputada."
SEM UNANIMIDADE. A Federação Paulista de Atletismo libera o alvará para a prova mediante o pagamento da taxa de R$ 2.500 , o teto estabelecido pela CBAt, além da cobrança extra pelos fiscais e delegados – valor que varia conforme o tamanho do evento, patrocínio, número de inscritos. Aferição? Não é exigida. Fica a critério do organizador. Então, ao participar de uma prova em São Paulo de caráter Estadual (se for Nacional, como A Tribuna, terá o selo da CBAt), saiba que não é certeza que o percurso foi aferido. Pode ter uma distância aproximada, mesmo com a chancela e fiscais da FPA presentes.
Já no Paraná, a situação muda de figura. De acordo com a federação de lá, só é liberado o alvará com a contratação de um medidor oficial da CBAt (são três níveis). Dessa forma, qualquer prova com o selo da federação paranaense terá o percurso anunciado. A taxa também é de R$ 2.500 e a aferição é paga diretamente ao medidor, além das diárias pelo tempo do serviço. A Federação Baiana de Atletismo tem a mesma exigência e, assim, as provas em Salvador teoricamente são todas aferidas, segundo a entidade.
Em Brasília, há um meio-termo. A taxa do "permit" de R$ 2.500 engloba também os fiscais e delegados necessários. Para a liberação do alvará, não é exigida a medição oficial do percurso, porém é indicada. Segundo a Federação, todas as provas com mais de 1 mil inscritos na Capital Federal têm o trajeto aferido, até porque os organizadores da região fazem questão de entregar o prometido.
COMPROMISSO COM O CORREDOR. Japão Carvalho, organizador de corridas em Minas Gerais, diz que não há uma exigência oficial da Federação Mineira para a aferição dos percursos, porém, ele defende a medida e diz que suas provas, como a tradicional Meia-Maratona da Linha Verde (que neste ano teve a Maratona) são devidamente medidas. "Faço isso porque por um compromisso com o participante. Além do que, se queremos fazer um evento oficial, esse é o caminho."
Paulinho Stone, do Corpa, responsável por diversas corridas no Rio Grande do Sul, como a Maratona de Porto Alegre, afirma que todas as provas gaúchas precisam ter o aval da federação gaúcha, conforme a legislação. "Inclusive pagando um valor não muito baixo pela taxa. Mas como aqui em Porto Alegre praticamente todas as provas de 5 km e 10 km são no mesmo percurso, não é necessário fazer sempre essa medição", explica. "Acredito que o maior ‘problema' das grandes cidades é que já é muito complicado conseguir a liberação para fechar o trânsito no dia. E para fazer a aferição do percurso do jeito correto, pelo método da bicicleta ‘calibrada', é necessário pedir batedores para garantir a segurança do medidor ao pedalar e medir o percurso."
Resumindo a história, você tem duas opções. Correr provas maiores, de classificação Nacional, como as que são válidas para o Ranking Caixa-CBAt de corridas de rua, ou confiar em quem está organizando o evento. Nas demais, poderá ter sido feita a aferição ou não. Uma boa medida seria a CBAt criar uma regra, obrigando essa informação no regulamento, passando a normatização às federações; em caso de provas não aferidas por medidor oficial (mas sim por hodômetro de carro ou moto, ou GPS, o que ocorre muitas vezes), que conste "distância aproximada" ou ainda "percurso não aferido oficialmente".