Tô Correndo Tomaz Lourenço 14 de julho de 2023 (0) (5599)

Por que maratonas “puras” lá fora têm até 50 mil participantes, enquanto nossa maior apenas 7 mil?

POR TOMAZ LOURENÇO


A colocação do adjetivo “puras” no título é para deixar claro que quando se fala das grandes maratonas no exterior (Nova York, Berlim, Tóquio, Londres, Chicago, Paris etc.) estamos tratando de corridas que oferecem como uma única opção de distância os famosos 42,2 km. Nada de várias provas no mesmo evento, como acontece no Brasil, em que os maratonistas acabam sendo os em menor número e, por isso mesmo, por vezes meros coadjuvantes.

Ainda em relação ao título, as grandes maratonas estrangeiras têm números gigantes de participantes, mas que poderiam ser o dobro ou muito mais se quisessem, optando por limitar as inscrições por razões de logística e infraestrutura, mas também para que aconteça mesmo uma competição e não um mero congestionamento humano. Por vezes, nem 10% dos interessados são atendidos.

Nesse sentido, algumas provas se destacam pela procura absolutamente incrível, como são os casos de Londres, que neste ano recebeu exatos 578 mil pedidos no sorteio das vagas, Tóquio (350 mil) e Nova York (400 mil), para ficar nas três mais desejadas. Em relação a elas, tanto a prova inglesa como a japonesa são procuradas basicamente por corredores do país, enquanto 1/3 dos interessados na Big Apple são de fora. Também em comum entre as duas primeiras, o grande número de participantes fantasiados, mostrando o espírito festivo predominante.

Até na mais “séria” das maratonas, a de Boston, em que é dificílimo se qualificar (nada de sorteio…), os números são expressivos, sendo que centenas ou talvez milhares de corredores conseguem o tão desejado índice, mas são cortados por alguns minutos, por uma questão de limitação de espaço na largada e mesmo no estreito percurso.

EVENTO ÍCONE. Vamos agora tentar responder à pergunta do título. Ao que parece, as grandes maratonas estrangeiras vêm de um histórico de sucesso e por isso mesmo passaram a ser um ícone em termos de evento, na linha “eu tenho que participar um dia”. E assim ser reconhecido (pela camiseta ou agasalho que vai usar depois…) e valorizado pelos seus pares, mesmo que nem seja muito chegado aos treinamentos para os 42 km.

Por aqui, o exemplo maior dessa situação, mas em menor escala, é a São Silvestre, que apesar de não ser lá grande coisa em organização atrai muitos corredores, com o detalhe de que centenas de inscritos vão em busca apenas da camiseta, para desfilar depois, por incrível que possa parecer.

Também é uma questão “quantitativa”, ou seja, deseja-se participar de um evento grandioso, de repercussão na mídia, e que ganha enorme importância quando se trata de uma corrida de 42 km, de 4 a 5 horas para a maioria, com pouca gente ao lado e menos ainda assistindo. Se existem algumas maratonas em que esses dois aspectos negativos não estão presentes, então é para lá que muita gente quer ir.

Contudo, será que essas possíveis explicações respondem ao questionamento inicial? Acreditamos que sim, mas naturalmente temos que lembrar que correr maratonas no hemisfério norte é muito mais “fácil” do que aqui em baixo, em função das temperaturas bem favoráveis e estimulantes para o treinamento exigido.

Quem já correu com os termômetros marcando entre 10 e 15 graus constatou como é prazeroso fazer uma atividade física e como naturalmente se sente animado a correr mais rápido e mais longe. Nem sede se sente e muito menos frio.

FRIO AJUDA. Então, parece que descobrimos como fazer para nossas maratonas saírem dos seus números modestos: basta que o Brasil deixe de ser um país tropical! É uma brincadeira obviamente, mas tem muito de verdade ou de justificativa para que os 42 km sejam encarados por tanta gente nos Estados Unidos, Europa, Ásia etc, enquanto por aqui os organizadores tenham que oferecer outras opções, além da mítica distância, para atrair um grande contingente de participantes para o evento chamado maratona, mesmo que os maratonistas mesmo sejam minoria.

Neste caso, aqueles que correram (ou caminharam) 5, 10 ou 21 km poderão depois passear, usando uma camiseta em que a palavra mais destacada é MARATONA, sem contar os eventos em que as medalhas são iguais ou quase para todas as distâncias. Se não bastasse, prolifera na internet e redes sociais a divulgação sobre gente que correu determinada maratona, quando na verdade são pessoas que fizeram as distâncias mais curtas.

Mas será que uma saída para esse pequeno interesse por encarar o desafio dos 42 km poderia se dar pelo oferecimento de apenas essa alternativa, como acontece nas maratonas mais importantes lá de fora, inclusive a de Buenos Aires? Acreditamos que até haveria um crescimento, no entanto, os organizadores não teriam o retorno financeiro conseguido atualmente, por perderem os participantes das provas menores, inviabilizando seu empreendimento.

Vale lembrar que na década de 80 (do século passado), a maratona que acontecia no Rio era “pura” e, por ser a corrida melhor organizada do país, chegou a contar com 5,3 mil concluintes em 1985, contra os 7,2 mil da edição deste ano. Corria-se a prova carioca pela sua excelência e, como só havia os 42 km, as pessoas se inscreviam nessa única opção.

PS: Serão muito bem recebidas opiniões contrárias, com maiores e melhores justificativas, outras suposições etc. Tudo pelo email tomazloureno1947@gmail.com. Desde já, obrigado pela participação! Pensar é preciso, escrever melhor ainda! (Parafraseando Fernando Pessoa)

OPINIÃO – Fernando Azeredo, diretor técnico da Maratona do Rio, enviou mensagem, destacando que a maior prova carioca aconteceu em 1986, com 8.537 inscritos. Ele comentou que o não crescimento do evento nos anos seguintes foi em função de dificuldades econômicas e a falta de patrocínios significativos assim como do apoio incondicional da prefeitura, como acontece nas grandes maratonas do exterior. Mas isso está mudando, afirmou, e a tendência é que a Maratona do Rio assim como outras brasileiras deverão ter cada vez mais participantes nos próximos anos.

Do que se depreende da explicação da Fernando Azeredo, a Maratona do Rio deste ano teve menos participantes do que a prova de 37 anos atrás!!! Ao contrário do que pensávamos e publicamos, que apenas não se tinha conseguido chegar ao patamar daquela época. Vale lembrar que a organização atual da prova carioca tem praticamente nenhuma relação com a que acontecia nos anos 80 do século passado. Ao contrário das gigantes do exterior, que se mantêm com a mesma direção, sempre com foco no atendimento de primeiro nível aos corredores, daí talvez a explicação para o seu sucesso.

PARTICIPANTES NAS MAIORES DO MUNDO

Obs: Todas “puras”

AS PRINCIPAIS NO BRASIL*

*Concluintes nos 42 km


Tomaz Lourenço é jornalista, 76 anos; lançou a revista Contra-Relógio em outubro de 1993, sendo seu editor até a última edição em abril de 2021. Correu mais de 60 maratonas no Brasil e exterior, além de 2 Comrades; seu recorde nos 42 km foi ao estrear na distância, em Blumenau 1992, com 3h04.

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