Corridas de rua podem reunir facilmente de 3 a 25 mil participantes. Corridas de montanha são consideradas sucesso com 300 atletas inscritos – salvo exceções que, graças à maior infra-estrutura, chegam a 1.200. Claro que a oferta infinitamente maior de asfalto nas grandes cidades e a facilidade de você sair de casa e no "quarteirão seguinte" já estar correndo contam para que haja esse disparate entre os públicos. A corrida de montanha envolve deslocamento e planejamento – muitas vezes até como uma espécie de "mini-férias" com a família.
Além disso, o próprio nome "corrida de montanha" causaria impacto no que diz respeito ao interesse. É o que pensa o organizador Kleber Ricardo Pacheco, do Naventura Mkt, Esportes e Turismo, responsável pelas principais provas no Paraná, estado com grande tradição nesse tipo de esporte. "Ao mesmo tempo em que atrai pelo desafio, assusta principalmente os corredores iniciantes. Falta conhecimento do público para participar de uma prova assim. Talvez uma saída fosse promover seminários, palestras e até mesmo atrair maior cobertura de mídia para mostrar à grande massa como essa modalidade é fascinante", diz.
PATROCÍNIO TÍMIDO. Espaço nos veículos de comunicação, segundo Bernardo Fonseca, diretor comercial da X3M Sports Business, responsável pelo circuito X-Terra, também seria um caminho para aumentar o interesse e o apoio dos patrocinadores e, como numa roda-viva, atrair mais gente ao esporte – já que a adesão de importantes marcas esportivas também faz com que o evento seja "bem visto" pelos corredores. "A difícil cobertura televisiva, por exemplo, torna o plano comercial menos interessante para grandes empresas do mercado", analisa Bernardo.
E se há um grande complicador para a realização de mais e melhores corridas de montanha e de aventura ele é a questão comercial. "Estas provas exigem logística diferenciada e têm custo alto para realização. Não se vive somente da inscrição do atleta, é obrigatória a venda de cotas de patrocínio", afirma Euclides Neto, o Kiko, responsável pelo Mountain Do, em Florianópolis. De acordo com os especialistas, as empresas acabam optando por apoiar circuitos de corridas em grandes cidades do Brasil, minimizando os custos com material.
Um caso de corrida que, embora esteja em sua nona edição, ainda encontra dificuldade em reunir corredores é o Desafio Praias e Trilhas. "O evento acontece em um lugar de beleza ímpar, que é Florianópolis. A organização é da mesma empresa que faz a Volta à Ilha, com todos os cuidados que a prova merece. É claro que para muitas pessoas é muito mais fácil correr os 150 km da Volta à Ilha (em equipe) do que fazer o Desafio, que são duas maratonas em dois dias. Também entendo que existem corredores que preferem competições com muita gente ou com corredores famosos. Mas a falta de patrocínio pesa. Provas de uma complexidade técnica grande, com muitos gastos e número pequeno de participantes, não atraem patrocinadores", justifica Carlos Duarte, diretor geral da Eco Floripa Eventos Esportivos, organizador da Volta à Ilha e do Desafio Praias e Trilhas. Vale lembrar que o Desafio Praias e Trilhas conta também com a categoria revezamento, em que três atletas correm, em média, 14 km em cada um dos dias. Portanto, é uma boa opção para quem quer aproveitar as belas paisagens e a infra-estrutura da prova sem se desgastar tanto.
PAISAGENS ÚNICAS. Agora, mesmo com maior apoio e divulgação, o número de participantes em uma corrida de montanha muitas vezes permanecerá limitado. "As etapas do Circuito Brasileiro de Corridas de Montanha geralmente são realizadas em parques ecológicos, o que exige maior atenção em relação à utilização do espaço", diz Fábio Galvão Borges, presidente do Circuito Brasileiro de Corridas de Montanha. "Por medidas de preservação ambiental, deve existir um controle na quantidade de atletas neste tipo de corrida. Dependendo do percurso, o número não pode passar de 100 ou 200", completa Kleber Pacheco.
Por isso, ao invés de aumentar o número de corredores nas competições, os organizadores têm procurado criar novas provas. Lugares não faltam e há muito a ser descoberto e apreciado pelos amantes do esporte. "No Brasil temos locais com elevações maravilhosas de norte a sul do país", atesta Kiko, do Mountain Do. "Como nossa Mata Atlântica não existe igual", completa Fábio Borges.
Entre uma das mais novas opções para os corredores de montanha está a Gramado Adventure Running, realizada em Gramado, organizada por Mathias D'Andrea Modena, Daniel Rech e Thiago Menuci. "A região tem enorme potencial de turismo de aventura, pouco explorado até hoje. Nossa expectativa é transformar essa prova na maior corrida de aventura do Rio Grande do Sul. Acreditando no sucesso, estamos comercializando o projeto da terceira edição, programada para setembro", conta Mathias. Já a equipe do Mountain Do, atendendo a pedidos para a realização de provas individuais, prepara o lançamento do Circuito de Charme, com percursos de 18 km em média. "Teremos corrida na Praia do Rosa (SC), em agosto, e em Campos do Jordão (SP), em setembro. Todas comportando 1200 pessoas, com o padrão de qualidade que criamos", revela Kiko.
Atrelar turismo às corridas, aliás, é uma grande forma de torná-las mais populares. "Fazemos isso em todos os nossos eventos. Por esta razão, eles são realizados em locais especiais: Florianópolis; Urubici (uma das cidades mais frias do Brasil e com muitas montanhas) e São Francisco do Sul (terceira cidade mais antiga do Brasil e com lindas praias)", diz Carlos Duarte. E as regiões onde são realizadas as competições também saem ganhando. "Toda a cadeia turística – os setores de hospedagem, alimentação, comércio, serviços – é beneficiada. A cidade sede do evento só tem a ganhar com a visibilidade que o esporte proporciona", diz o organizador do Moutain Do. Segundo os especialistas, porém, nem sempre as administrações se convencem desse retorno positivo. "No Paraná dificilmente conseguimos apoios municipais, seja com ajuda financeira ou estruturas básicas", revela Kleber Pacheco, do Naventura.
RUMO AO TOPO. Apesar das dificuldades para fazer emplacar as corridas de montanha no Brasil, os organizadores acreditam em seu crescimento. "Estamos formando corredores de montanha", diz Pacheco. Para Fábio Borges, a saturação de provas de rua certamente contribui para trazer novos adeptos à modalidade: "Hoje, 80% dos corredores chegam até nós porque estão cansados do asfalto".
Os números comprovam o avanço. "Tudo tem seu tempo e estamos no caminho certo… Dentro do X-Terra, por exemplo, realizamos a corrida rústica – também chamada de trail run. A modalidade cresceu muito desde seu inicio: começamos com uma prova em 2007, com 300 atletas inscritos. Em 2010, temos seis edições e 1500 atletas em média", diz Bernardo Fonseca. Já o organizador Kiko revela que o Mountain Do, que tem seis anos de existência, cresce em média de 18% a 20% ao ano em número de participantes.
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO. O treinador Miguel Sarkis, na apresentação da edição brasileira do livro Guia Completo para Correr em Trilhas (Editora Gente), conta que o cross country – um tipo de corrida em trilha e montanha – sempre esteve inserido em sua vida: "Cada corrida vinha acompanhada de uma história diferente. Embora competisse – e para competir neste tipo de prova é necessária muita energia e boa dose de criatividade – as corridas sempre foram divertidas, diferentes e fantásticas". Para a autora Dagny Scott Barrios, uma das maiores especialistas em corrida do mundo, "você não conquista a trilha, você reage". E como em uma dança, quanto mais você se entrega, melhor. "Existe sensação de aventura o tempo todo", completa Bernardo Fonseca, do X-Terra.
"Correr em montanhas e trilhas é flertar com o desconhecido. Não existe um passo igual ao outro", resume George Volpão, montanhista e corredor curitibano, que elege o Desafio Praias e Trilhas como a melhor prova do gênero que já correu. Em uma modalidade como essa, portanto, é preciso querer sair da zona de conforto e afiar a capacidade de improvisação.
Para Volpão, outra boa coisa da corrida de montanha é o companheirismo que existe entre os praticantes. "Por ainda ser um grupo pequeno que encara essas provas, as pessoas acabam se sentindo cúmplices na ‘loucura',que é meter o tênis na lama. Com isso, laços de amizade se fortalecem e boas experiências entre corredores são mais fáceis de acontecer". Para quem está pensando encarar o mundo "selvagem" das trilhas, ele aconselha: "Aventure-se! Se você gosta realmente de se desafiar, correr uma prova em praias e montanhas pode mudar completamente a forma de encarar sua corrida."
Nem tudo, porém, são troncos a pular, matas a abrir e rios a atravessar, como um Tarzan de tênis. Dagny Barrios garante: corrida em trilha tem tudo a ver com quietude e beleza relaxante. Pois então experimente conectar-se com a natureza, corra e seja feliz.
MINHA ESTREIA NA MONTANHA
por Yara Achôa
No dia 27 de março, na Vila de Paranapiacaba (SP), em um trecho de 12 km de Mata Atlântica cravado na Serra do Mar, me aventurei ao lado de outros 300 atletas em minha primeira corrida de montanha. Chegar lá, aliás, já foi uma aventura, pois a neblina tomava conta da estrada e das ruas, deixando um clima fantasmagórico no ar.
Muitos amigos avisaram que essa era uma corrida para andar em certos trechos, para esquecer o relógio, completamente diferente de qualquer outra no asfalto. Os paralelepípedos lisos da cidadezinha e a leve subida logo de cara me fizeram ter certeza de que o ritmo era completamente outro. Mesmo assim, fiz o 1º km a 6:07. No 2º, ainda no centro, uma subida bem mais íngreme me fez caminhar. "Normal", pensei. E completei esse trecho em 6:22.
No 3º km seguimos por uma estradinha de terra que nos levaria à trilha. Ainda dava para correr, mesmo tendo muitas subidas e descidas. Não sei bem qual a quilometragem na hora em que entramos na trilha. E não dá para chamar esse trecho de corrida. Como o caminho é estreito, formamos uma fila indiana e seguimos em uma caminhada acelerada, desviando (ou tentando desviar) de galhos, raízes, buracos, poças de lama.
Ainda não tinha caído a minha ficha da dificuldade da prova. Dava risada e me distraía com as conversas, acompanhava os outros corredores e achava que estava indo bem. Talvez aí tenha faltado um pouco de concentração, porque uma corrida de montanha – aprendi isso depois – exige muita concentração. De vez em quando a natureza me lembrava disso: espetei a mão em uma árvore espinhenta e tropecei várias vezes. O 4º km foi completado em 13:37. Estava começando a ficar difícil.
Muita gente começou a passar na minha frente, mas ainda acompanhava um bom grupo quando chegamos ao primeiro riozinho. Aliás, foi um momento de alegria: hora de lavar os tênis já completamente tomados de barro. Alegria passageira. Afinal, saindo do rio você já metia o pé na lama de novo, escorregando a cada passada.
Não diria que uma corrida de montanha seja só difícil, ela é complicada – como um jogo que exige atenção, raciocínio, decisões rápidas, muito rápidas. E o 5º km foi o mais complicado. Não sei se exatamente nesse trecho, mas atravessamos outro rio, com água praticamente na cintura, e quase errei o caminho. Voltei quando um corredor atrás de mim me chamou e apontou o rumo certo.
Entre escorregadas, pés na lama, trechos em que eu tinha de descer quase que de costas e outros subir quase engatinhando, fui indo. Cheguei a "deixar" o tênis em uma poça de lama, tendo que cavar para tirar ele de lá. Um momento marcante no percurso: olhar para cima, ver um caminho de pedras, com água caindo em cascata, e me perguntar "é por aí que tem que ir?" Sim, era. Foi aí também que prendi o pé entre duas pedras e não conseguia tirá-lo.
Para se ter idéia, fechei o km 5 com 19 minutos! E lembro de ter falado alto, entre irônica e desanimada: "Parabéns, Yara! Um quilômetro em quase 20 minutos!" Nesse ponto vi também que tinha se passado quase uma hora de prova. Por aí, comecei a calcular que completaria em um tempo absurdamente maior do que a minha mais pessimista expectativa.
Com muita fome, por volta do km 6 engoli a seco um carboidrato em gel. A "reação" começou no quilômetro sete, completado em 13:20. A partir daí, acho que quase até o 10º, já fora da trilha, corri sozinha. Ninguém na minha frente, nenhum ruído de passos atrás de mim. Atenta às marcações do caminho, com medo de me perder.
Era hora de correr um pouco. Mas as pernas pareciam bambas, sinal do grande esforço que tinha feito até então. E era só me entusiasmar um pouco para logo em seguida aparecer grandes valetas ou poças de lama, me fazendo parar repentinamente e escolher rapidamente qual o melhor caminho a seguir – para depois ter a impressão de ter feito a escolha errada.
Nesse trecho de solidão experimentei um misto de força, fraqueza, coragem, medo, determinação, insegurança, certeza, paz.
Pouco antes de completar o km 9, ultrapassei alguns retardatários, o que me encheu de ânimo. Logo em seguida veio um trecho mais plano e agradável. Na reta final, uma das visões mais lindas e marcantes: a cidade coberta de névoa, luzes avermelhadas ao longe, alguns amigos me esperando. E os fotógrafos: armei o meu melhor sorriso – aquele que expressa a felicidade do corpo e da alma – e cruzei a linha de chegada com o tempo de 2h06.
Quando o corpo esfriou, apareceram as dores. Num primeiro momento, parecia que eu tinha corrido uma maratona. E não era só isso. Eu estava cansada, com sono, com muita fome. Mas no final, o que ficou da minha primeira corrida em montanhas foram boas sensações e reflexões. Mesmo sendo uma corredora urbana – adoro o asfalto, o plano -, sei que quero mais. Descobri um novo caminho para trilhar."
PARA SABER MAIS
Confira datas, locais, prazos de inscrição das provas principais provas
CIRCUITO BRASILEIRO DE CORRIDAS DE MONTANHA
http://www.corridasdemontanha.com.br/
CIRCUITO K42 ADVENTURE MARATHON
http://www.bombinhasrunners.com.br/
DESAFIO PRAIAS E TRILHAS
www.ecofloripa.com/praias_trilhas/index_praias.html
GRAMADO ADVENTURE RUNNING
http://www.gramadoadventurerunning.com.br/
MOUNTAIN DO
http://www.mountaindo.com.br/
NAVENTURA
http://www.naventura.com.br/
VOLTA A ILHA
http://www.voltailha.com.br/
XTERRA
http://www.xterrabrazil.com/