Tudo estava indo bem. Você evoluindo no treinamento, conseguindo baixar seus tempos em provas, participando de grandes desafios, traçando metas ainda maiores. Eis que de repente uma dorzinha começa a incomodar. Embriagado pela sensação de poder e superação, você não liga para o sinal e continua em ritmo intenso. A dor aumenta, passa a comprometer a performance e até o humor e a única saída, então, é procurar um médico. Diante do especialista você ouve algo como "vamos realizar alguns exames e enquanto isso vai ter que parar de correr". Você tenta argumentar que o incômodo não é tão grande, que é possível aguentar, que tem uma corrida no final de semana… Mas não tem jeito: o diagnóstico aponta uma lesão e você é obrigado a parar. Sim, é duro sair de cena no melhor da festa. Só que se você não der esse tempo, o problema certamente vai piorar e comprometer ainda mais sua vida. Mas como enfrentar os dias, semanas e por vezes meses longe dos tênis de corrida? Mais do que a própria recuperação física, é preciso ter apoio para não se deixar abalar pelo psicológico.
A primeira grande dificuldade do atleta lesionado é aceitar que está machucado. "Ele passa por diferentes fases durante a lesão: a primeira está relacionada à negação e acontece quando o corredor não dá valor para a dor que sente, negando que o corpo está lhe colocando um limite físico. Em um segundo momento, ele se dá conta de que está machucado e geralmente fica com muita raiva", diz Carla Di Pierro, psicóloga do esporte do Instituto Vita, de São Paulo.
A mistura de sentimentos e a interrupção repentina na atividade física mexem com a pessoa e ocorrem inclusive alterações na produção de endorfina e serotonina. "São reações químicas e psicológicas. Pode aparecer uma espécie de síndrome de abstinência, quando o corredor experimenta estados de nervosismo, angústia e até depressão", afirma Rogério Teixeira da Silva, ortopedista e especialista em medicina esportiva, coordenador do NEO – Núcleo de Estudos em Esportes e Ortopedia, de São Paulo. Há casos até em que o corredor controlava um quadro depressivo com atividade física e, com a lesão, é obrigado a voltar para os remédios.
As lesões costumam ser um problema para o atleta amador porque pressupõem perdas esportivas, físicas e psíquicas, relacionadas a limite, fracasso e frustração. "Além da perda imediata e futura de rendimento, devido à interrupção, o tempo ocioso antes ocupado pela corrida traz a sensação de queda de performance, ganho de peso, e a pessoa não se vê mais capacitada a realizar o que antes fazia com facilidade", analisa Carla.
Em um terceiro momento, quando ‘cai a ficha', o corredor percebe que precisará tomar algumas ações para melhorar sua situação: é etapa da negociação, ou seja, de rever os treinos, estabelecer novas metas, programar novas atividades. Se este momento é bem elaborado, ele parte para a aceitação e reorganiza a vida, a fim de voltar logo e inteiro para os treinos "Agora, se ele começa a se ver como lesionado e incapaz, existe a possibilidade de ficar mais inquieto, sentir-se perdendo a identidade de atleta e excluído do grupo de corrida – e entra em cena a fase da depressão", diz a psicóloga do esporte.
O problema é fixar-se nessa etapa, sentindo-se despersonificado, com medo, ansioso e daí passar a ter comportamentos desajustados, como obsessão pelo retorno ao esporte, retorno precoce associado à lesão reincidente, reclamações exageradas e alterações rápidas de humor. "Ele vive a culpa e o pessimismo, o que não ajuda no seu humor e na sua motivação para recuperação. O importante é estar atento para cada uma das fases, perceber-se passando por elas e superando-as. Na etapa depressiva, quando reina o pessimismo, é importante questionar estes pensamentos e comportamentos, e procurar basear-se em evidências realistas de que é possível se recuperar", recomenda Carla Di Pierro.
Para ajudar a aliviar suas angústias, ouça seu médico, seu fisioterapeuta, seu técnico e valorize suas palavras. Entenda sobre sua lesão, suas possíveis causas, seu tratamento e que cuidados terá que tomar dali em diante. Procure exemplos próximos de reabilitações bem sucedidas e encare o trabalho da reabilitação. "Em alguns casos será importante ainda a participação de um psicólogo do esporte e até a administração de antidepressivos", diz Rogério Teixeira.
UM PASSO APÓS O OUTRO. Algumas lesões são leves e requerem poucos dias de repouso e treinos leves, outras são mais graves e afastam o atleta das corridas por meses. O mais importante é entender que você tem um problema e precisa de um tempo de recuperação. "A ansiedade é prejudicial ao tratamento. Sua atenção deve estar voltada à reabilitação, incluindo estabelecimento de metas de recuperação diárias e semanais, junto ao médico e fisioterapeuta. Aceite que seu corpo é de carne e osso e que você tem limites. A partir disso será mais tranquilo equilibrar os treinos e não se machucar mais", aconselha a psicóloga do Instituto Vita.
Para começar a vencer a angústia, aprenda a sentir prazer com pequenos ganhos. "Para quem está parado há um mês, pedalar na ergométrica e transpirar um pouco pode ser encarado como um prêmio", diz Carla. Outra dica é estabelecer metas realistas com os profissionais que estão auxiliando no tratamento. Por exemplo: até determinado dia o trabalho será de analgesia, depois serão algumas semanas de fortalecimento, no prazo "x" dias terá início um treinamento adaptado às suas condições. Assim você se sente no controle do processo e não à mercê das decisões dos especialistas que o acompanham.
Enquanto não pode por o pé no asfalto, dependendo da lesão você pode se dedicar a uma série de outras atividades. A natação é a campeã de indicações, pelo baixo impacto que promove. "Ela ajuda a manter o condicionamento físico e traz benefícios psicológicos, porque você se sente ativo. Pedalar sem carga e fazer musculação para membros superiores também podem ser boas opções", diz o ortopedista Ricardo Cury, professor do Grupo de Cirurgia do Joelho e Trauma Esportivo da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho.
MEDO NA HORA DE VOLTAR. Por mais que você estivesse querendo voltar, o retorno aos treinos também pode ser cercado de angústia, por causa do medo de se machucar de novo. Daí que é preciso fazer uma programação para que tudo ocorra da maneira mais tranquila possível. "É um processo: realizar a fisioterapia com um especialista, fazer exercícios de propriocepção (percepção do próprio corpo, que inclui consciência da postura, do movimento, das partes do corpo e das mudanças no equilíbrio), reproduzir os movimentos da corrida dentro do ambiente seguro da fisioterapia vão preparar o atleta e deixá-lo mais seguro. Cada avanço deve ser capaz de gerar confiança para o próximo passo", diz o ortopedista Ricardo Cury.
O retorno efetivo ao asfalto também deve ser gradual. "Recomece com 30% do volume de antes da lesão, por duas semanas. Passe para 50% por mais duas semanas e 75% outras duas semanas. Não mexa na intensidade da corrida e se sentir alguma dor volte ao médico", sugere Rogério Teixeira da Silva.
Pode existir dor psicológica? Os especialistas dizem que não. "O que pode existir é insegurança. Você pode potencializar a dor por causa do medo", diz o ortopedista Ricardo Cury. E mais: a dor é multidimensional, ou seja, ela tem fatores físicos, psicológicos, comportamentais e culturais envolvidos. "Aprendemos a sentir dor de um jeito ou de outro. E muitas vezes ela ganha uma função – por exemplo, se eu tenho dor, sou cuidado com carinho e atenção. Portanto, é possível que a dor física da lesão já esteja curada, mas por inúmeras causas o atleta ainda sinta o incômodo. Existe também a dor crônica – a partir de um mês sentindo um incômodo sem parar, seu cérebro fica mais sensível a qualquer estímulo doloroso. Isso merece intervenção farmacológica, médica e psicológica", explica Carla Di Pierro.
O melhor é não se lesionar. Mas se acontecer, o melhor é não se desesperar. Aprender com a experiência dessa parada obrigatória certamente vai fazê-lo um corredor mais consciente, capaz de ir cada vez mais longe.