Especial Performance e Saúde Redação 12 de março de 2013 (0) (116)

O que mudou na forma de treinar

Hoje, quando alguém decide correr, geralmente para manter a saúde e a forma, sabe a quem recorrer. Treinadores e assessorias esportivas estão espalhados por todo o país. Informações sobre tipos de treinamentos, volume adequado, planilhas, calendários de provas são facilmente encontradas em revistas e sites. Mas nem sempre foi assim. Há duas décadas, quando surgiu a CR, eram raríssimos os grupos de corrida e apenas técnicos e atletas de elite detinham algum conhecimento, obtido por meio de publicações estrangeiras e vivências no exterior.

"Nos anos 1990, quando apareceram as primeiras assessorias esportivas, eram poucos amadores que corriam – e começaram a procurar orientação porque queriam fazer uma São Silvestre ou uma maratona com bom tempo. Não existia essa coisa de treinar quem quer fazer o esporte para emagrecer ou melhorar a qualidade de vida. Se por acaso aparecesse um gordinho, os treinadores descartavam: o conselho era fazer dieta e só depois voltar a procurá-los", lembra Mário Mello, diretor técnico da Mário's Team, equipe criada em 1996.

A maioria desses grupos nasceu com a intenção de reunir e auxiliar pessoas comuns apaixonadas por corrida e ávidas por desempenho. "Mas, por mais que tivéssemos formação em educação física, não contávamos por aqui com literatura sobre corrida de rua. O que encontrávamos vinha de fora e era destinado a atletas de elite. Lembro-me de comprar livros no exterior, de conversar com profissionais do atletismo e, a partir disso, montar uma programação para meus alunos. Fazíamos adaptações. Aprendemos a trabalhar com pessoas que não tinham toda a exigência de um atleta profissional", diz Mello. Mesmo assim o treinamento era rígido", completa.

Baseado em sua experiência como atleta de elite e treinador pioneiro, Miguel Sarkis concorda que os treinos do passado eram muito fortes ou sem lógica. "Os testes propostos eram demasiadamente rígidos e sem adaptações progressivas de esforço. Não havia um treino que pudéssemos dizer que tivesse sido feito no Brasil, porque as técnicas quase sempre eram trazidas de países estrangeiros, com realidade muito diferente da nossa, de modo que os treinos eram inadequados para nossa cultura. Também era costume observar os treinos dos corredores de elite e transformar as planilhas para nós, os seguidores do atletismo. Desconsiderando a individualidade e a recuperação possível para cada corredor, a preparação  era baseada em alta quilometragem."

No Brasil existiam apenas alguns jornaizinhos tratando superficialmente do assunto e que eram publicados "de vez em quando". Entre os livros, a referência era "O Guia Completo de Corrida", do americano James Fixx – interessante e informativo, mas com capítulos pouco apropriados à nossa realidade, como "dicas para correr quando está nevando". No Rio de Janeiro houve até um "ensaio" de revista de corrida – a Viva -, que durou pouco mais de um ano. O surgimento da Contra-Relógio, em 1993, veio ao encontro do interesse dessas pessoas que buscavam informação adequada e que começavam a construir a história da corrida no Brasil.

 

QUALIDADE DE VIDA. Um dos profissionais que se destacaram nessa época, treinando corredores amadores – mas sempre com fama de durão – foi Marcos Paulo Reis. Seu jeito era herança da experiência como professor de natação e técnico de triatlo (inclusive foi o primeiro técnico da seleção brasileira da modalidade). "Meu estilo era exigir muito dos alunos", diz. Foi ele também um dos pioneiros das planilhas personalizadas, tal como vemos hoje. Os resultados apareciam, deixavam os alunos satisfeitos e sua reputação crescia. "O sucesso veio no boca a boca", acredita.

Outros grupos de corrida foram aparecendo e, aos poucos, surgindo novos corredores, já não tão interessados em desempenho, mas especialmente em saúde, qualidade de vida e superação. "Minhas experiências com diversas pessoas que buscavam treinos que complementassem suas rotinas diárias me forçaram a estudar e a desenvolver planilhas cada vez mais aprimoradas, respeitando a individualidade de cada um. Passei a adotar como filosofia de vida a corrida com saúde", conta Miguel Sarkis.

Já pelo nome, a assessoria esportiva Run&Fun do treinador Mario Sérgio Andrade Silva, também uma das pioneiras no ramo, mostrava o caminho que a corrida para amadores seguiria nos anos seguintes. "A corrida é uma excelente atividade para quem quer uma vida saudável e é uma modalidade que facilita a convivência. A Run&Fun nasceu com o objetivo de incentivar a prática da corrida visando ao bem-estar. E com muito fun (alegria)", resume. 

Hoje quem busca alta performance é minoria nas assessorias esportivas. "Se antes pegávamos no pé quando um aluno faltava em um ou dois treinos, agora acabamos entendendo, relevando sua ausência. Se uma pessoa que está acima do peso sonha em fazer a São Silvestre, a recebemos, a orientamos, nos propomos a ajudá-la. Aprendemos a ser mais tolerantes, a enxergar e respeitar os limites de cada um. Nos tornamos especialistas em amadores", diz Mário Mello. "Ajudamos todos que nos procuram a realizar seus sonhos no esporte", finaliza Marcos Paulo.

 

LINHA DURA COM OS PROFISSIONAIS

Duas décadas atrás ou hoje, os profissionais sempre tiveram alto nível de exigência. Treinador de muitos atletas de elite, Carlos Gomes Ventura, o Carlão, conta que por muito tempo foi chamado de "sargentão". "Segui as teorias e práticas da escola italiana de atletismo, que revelou para o mundo os quenianos Moses Tanui e Paul Tergat, entre outros. Acredito em treinamento intensivo, diário, com muita disciplina. A pausa do atleta é trote. Se ele quer resultado, tem que treinar dia e noite. Não tem folga."

Comparando ao treinamento de elite atual, ele acredita que as coisas não mudaram muito – e nem deveriam. "Alto rendimento exige entrega total." Carlão, porém, faz ressalvas em relação aos treinos de pista, que considera necessários e fundamentais, mas estão sendo deixados de lado. "Hoje existe um decréscimo muito grande nas performances dos corredores de fundo quando da participação em provas de pista e rua. Trabalhando muitos anos com corredores de longas distâncias, constatei que os melhores resultados de rua estavam acoplados ao trabalho feito em pista."

Ele lembra que seu melhor corredor de rua, José João da Silva – com cinco pódios na São Silvestre (sendo duas vezes campeão) -, manteve durante 17 anos o recorde brasileiro dos 5.000 e 10.000 metros rasos em pista e concomitantemente venceu provas de rua devido ao trabalho de ritmo, correção de defeitos, educativos de corrida e melhora da velocidade. "A pista fornece parâmetros para que o técnico possa analisar os pontos positivos e negativos da mecânica do fundista."

 

 

 

 

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