20 de setembro de 2024

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Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (87)

Na flor da idade

Foi uma foto que tirou ao lado das netas, nove anos atrás, que fez acender o sinal de alerta para a florista Lucina Ratinho. Com 57 anos na época e 16 quilos a mais do que seria ideal, ela se chocou com a imagem que viu. "Entrei em pânico. Estava muito gorda", conta. Foi então que decidiu mudar o rumo da sua história. Só não imaginava que iria, literalmente, tão longe. Na manhã seguinte, dia 10 de janeiro de 2001, lá estava ela no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. "Sempre trabalhei muito, de pé, para lá e para cá, mas nunca tinha feito caminhada e nunca havia passado pela cabeça correr. Nesse primeiro dia, só consegui andar alguns minutos".

Comunicativa, em pouco tempo frequentando o tradicional reduto de corredores paulistanos fez vários amigos. Foram eles que comentaram sobre a prova no dia 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo. "Não tinha ideia do que eram 10 quilômetros. Mas resolvi ir". Mesmo levando duas horas para completar a distância, a maior parte do tempo caminhando, não pensou em desistir. "Quando resolvo encarar um desafio, não volto atrás".

Fascinada com o novo horizonte que se abria, dona Lucina procurou uma equipe de corrida. A primeira experiência, no entanto, não a agradou. "O treinador passava a mesma planilha para todos os alunos, dos mais diferentes níveis. Imagine que ele pediu que eu corresse 12 quilômetros, quando eu ainda era uma iniciante, e disse que estava me ‘promovendo'".

Ao invés de desanimar, a florista buscou uma assessoria que entendesse seu perfil. "Encontrar o treinador Branca foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Desde o início ele falou que queria me ver chegar nas corridas sempre linda e sorridente. E que eu não me preocupasse em fazer tempo".

 

UMA BRONCA QUE VALEU. Todo mundo já passou por isso e sabe o quanto é difícil segurar o entusiasmo quando se começa a correr melhor. Com quatro ou cinco meses de treino orientado, participando de uma prova, Lucina se empolgou e resolveu acompanhar um amigo de nível avançado. "Alguém me provocou na brincadeira e comecei a correr mais do que podia. Na chegada, minha vista ficou turva e quase caí", lembra. Imaginando que o treinador iria elogiá-la pela "superação", o que ouviu foi uma bronca. "Ele chamou minha atenção, disse que não queria me ver passando mal. Ele é muito responsável."

Dos 10 quilômetros, ela passou para os 15, dali a pouco para os 18 e com o pensamento de que quem faz 18 faz 21, logo a florista estava frequentando as meias-maratonas. "Comecei a correr toda meia que aparecia". O passo seguinte foi a maratona. "Escolhi a de Curitiba. Algumas pessoas me falaram que era difícil e que eu não iria agüentar. Pensei ‘agora é que eu quero fazer'", diverte-se. Finalizou o difícil percurso em 5h35.

Dali para frente, nada mais poderia segurar dona Lucina. A segunda vez que percorreu a distância de 42 km foi na igualmente dura Maratona de São Paulo. Depois vieram outras três e algumas provas de aventuras em montanhas e praias.

Quando começou a achar fácil vencer os 42 km, a resistente senhora ouviu o chamado da ultramaratona. "Participei de uma ultra de 12 horas, percorrendo 62 km pelos meus 62 anos", conta. Novamente com a idéia de ir cada vez mais longe – "quem faz 62 km faz 100" -, em 2008 inscreveu-se na Ultramaratona Rio 24h – Fuzileiros Navais. E não fez 100, mas 102 km, que dedicou ao amigo Amadeu Armentano, presidente do conselho deliberativo da Corpore. "Prometi que cada quilômetro que eu corresse corresponderia a um ano de vida dele. Desejo que ele viva muito". E repetiu a façanha na mesma prova, em 2009. "Desta vez foram 105 km, dedicados a mim mesma", brinca.

 

NEM TUDO SÃO FLORES. O dia a dia de Lucina também requer resistência. Às 6h30 da manhã ela já está em sua barraca de flores, em frente à Igreja de São Judas, e não é raro sair de lá por volta das 10 da noite. Passa o tempo todo de pé, atendendo os fregueses. Diz que convive também com muitas pessoas estressadas – e para essas, seu conselho é um só: "comece a correr". "Muitos jovens já me ouviram e passaram a treinar. Até o padre me contou que passou a correr na esteira", revela.

Nos dias de treino, ela levanta às quatro da matina e chega ao Ibirapuera por volta das cinco. "Quando meus amigos da equipe estão chegando, geralmente estou indo embora para o trabalho".

E sempre que pode, gosta de viajar para correr. Banca sozinha todas as suas despesas. "É graças a meu trabalho que compro meus tênis, faço minhas inscrições e pago minhas viagens. Não nasci para depender dos outros". Ela confessa que gostaria de fazer uma maratona no exterior, mas seu sonho de consumo não é nenhuma daquelas badalas e muito concorridas. "Adoraria correr a Maratona do Rock, em San Diego, que tem uma banda tocando a cada milha", diz a animada Lucina.

 

ÍDOLO E MUSA. Casada há mais de 40 anos, mãe de três filhos e avó de cinco netos – "e mais de 300 postiços em uma comunidade do Orkut" -, a florista conta que recebe grande apoio familiar em suas atividades esportivas. E diverte-se com a história da netinha de cinco anos que "brigou" por causa dela. "Era o dia da vovó e eu fui à festinha que realizaram na escola. Cada criança dizia que sua avó era mais bonita do que a outra. Minha neta, para encerrar a discussão, falou: ‘é, mas a avó de vocês não corre, a minha corre'. Ela tem o maior orgulho!"

Já nas provas dos Fuzileiros Navais das quais participou, dona Lucina virou musa. "Em 2008, após 22 horas de corrida, parei para fazer uma massagem nas pernas. Deitei e fechei os olhos. Quando abri, vi um monte de oficiais em volta da maca. E um deles falou: ‘a senhora aceita ser musa da escola naval? Queremos colocar sua foto aqui, como exemplo. A senhora deu 255 voltas na pista e muitos dos nossos reclamam ao dar cinco ou seis'. Dei risada e aceitei". No ano passado, os mesmos oficiais a chamaram para ser capa da revista da corporação.

Entre seus próximos projetos está a Ultramaratona de 24h da Academia Militar Agulhas Negras – na qual pretende fazer cerca de 130 km. Segredo para ir cada vez mais longe? "Alegria de viver e respeito a meu corpo. Nunca deixo chegar ao limite da exaustão. Se precisar eu paro, caminho… Mas entro e saio bonita das provas e com o sorriso no rosto, como eu aprendi. E vale lembrar: nunca é tarde para se começar algo diferente, que nos leve a ser feliz".

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