Na Meia-Maratona Disney deste começo do ano, as mulheres representaram 56,5% dos concluintes; como comparação, na Meia-Maratona de São Paulo de 2010, promovida pela Yescom, esse participação foi de apenas 11,2%, mas na do Rio, também da Rede Globo, chegou a 24,5%. Já na Maratona Disney elas chegaram a representar 46,4%, enquanto nas nossas provas de 42 km dificilmente passam de 10%. Como comparação, na maratona de Buenos Aires elas foram 13% em 2009, mas subiram para 17% na última edição. Já na meia portenha o índice alcançou 27% em 2010.
A cidade de Santos é palco da corrida mais feminina do Brasil (além daquelas exclusivas a elas, naturalmente), a 10 Km Tribuna FM, em maio, em razão principalmente da expressiva presença de academias, que fazem verdadeira competição para ver quem leva mais gente à prova. Na última edição, as mulheres chegaram a totalizar 37% dos concluintes. Nas provas da Corpore, na cidade de São Paulo, as mulheres ficam na faixa entre 20 a 25% nas provas de menor distância, caindo conforme esta aumenta.
Qual seria a razão para a presença feminina ainda modesta nas corridas brasileiras? Uma possível explicação é que mesmo com a grande evolução na organização de nossas provas, continua faltando mais cuidado e espaço exclusivos no atendimento às participantes, como por exemplo a questão dos banheiros na largada, geralmente sujos e em quantidade aquém do necessário, acarretando filas sempre desagradáveis. E no percurso são raras as provas que providenciam esse serviço. Também para os homens é inconveniente, mas para elas muito mais, obviamente.
Mesmo com esses inconvenientes, elas estão firmes e guerreiras em nossas provas, beneficiando-se das inúmeras vantagens desse esporte, como se pode ver nos depoimentos das páginas seguintes, captados pelos repórteres da CR em várias partes do país.
SUBIR MONTANHAS
Natural de São Caetano do Sul, Melissa Bertti de Oliveira, 31 anos, irá completar oito anos de corridas, que surgiram em sua vida por sugestão de sua personal trainer, ao iniciar um programa de atividade física. Perguntada sobre o que a corrida lhe trouxe de benefício Melissa ressalta: "Não há nada de ruim na corrida; ela só me trouxe coisas boas. Além de se tornar um hábito, correr ficou essencial em minha vida porque foi a atividade que me tirou de um inicio de depressão". Melissa afirma que a corrida mudou sua vida em todos setores, profissional, pessoal, saúde: "Digo que a corrida me fez outra pessoa, mais corajosa; já corri mais de 250 provas".
Melissa treina quatro vezes por semana e complementa com musculação, natação e ciclismo. Tudo isso porque é fã das corridas de montanha. "Corro todas possíveis, procurando fazer em média três provas por mês!"
As suas corridas inesquecíveis foram o revezamento Terra e Mar, em Ilha Bela, e o Terra e Bike em Campos do Jordão. "A prova é ótima, bem organizada pela Corpore e o principal é que a equipe toda se divertiu e fez de tudo para obter melhor classificação. Gosto desse tipo de corrida pois mostra o quanto é importante a união do grupo; e ainda tem a alegria de comemorar com um churrasco entre amigos!"
Melissa ri ao lembrar quando ganhou um troféu inusitado: "Foi na USP, em uma corrida beneficente. Fiquei em quinto lugar nos 10 km, mas nem sabia; quando estava indo embora, anunciaram meu nome e eu voltei para receber o troféu."
Mas, o que lhe atrai mais numa corrida? "Adoro subir montanhas, principalmente por não ser nada fácil para ninguém; é quando aumenta o desafio que me atrai mais a competição!" O principal sonho de Melissa é fazer a Maratona de Nova York e sua preparação será correr duas maratonas em 2011. A primeira em maio em Porto Alegre. (por Vicent Sobrinho)
CYNTIA: MÉDICA, ALUNA, MÃE, CORREDORA ETC
Na pista ela chama atenção pela hiperatividade. Consegue ser falante até durante os intervalos entre um tiro e outro de 400 m. A sensação é que ela está ligada em uma tomada de 220 volts, tamanha é sua energia. Esta é Cyntia Aguiar Ribeiro, 41 anos, gaúcha que consegue ser mãe, corredora, esposa, médica intensivista, aluna de doutorado e ainda faz aulas de francês em um dia com 24 horas. Como ela mesma define: "Não existe falta de tempo, é uma questão de se organizar".
Ela começou a correr em 2002 para perder peso, depois que a filha nasceu. "Eu era marombeira antes; adorava ficar tri forte, mas engordei muito na gravidez: 19 kg. Daí quando a Lulu nasceu resolvi começar a correr e em 2009 levei mais a sério e fui procurar um treinador. Atualmente corro 5 vezes na semana."
A prova que mais gosta de fazer é de 21 km, mas correu pela primeira vez uma maratona (Porto Alegre) no ano passado e decidiu encarar os 42 km novamente este ano. "A maratona é muito desafiadora e eu gosto disso." Seu sonho é fazer a de Berlim em 2012. "Mas minha meta, mesmo, é sempre me manter correndo até ser bem velhinha, sem lesão. É uma preocupação que tenho em treinar corretamente para seguir correndo sempre."
"Acho que a corrida é a melhor forma que encontrei de relaxar realmente do meu trabalho. Tenho uma jornada de 50 horas semanais atendendo em UTI. A corrida é a única maneira que tenho para me desligar de tudo; é o momento que consigo realmente relaxar e esquecer que sou mãe, esposa, que tenho um trabalho… Porque na corrida você convive com pessoas que tem outras profissões, de outros níveis sócio econômicos, e isso eu acho fantástico, esta troca, esta democracia. A classe social na corrida some, todo mundo está de calção, tênis e uma camiseta em busca de um objetivo. Até meu humor melhorou e meu marido agora agradece por eu estar correndo. Tenho o cuidado de treinar em horários em que o meu marido e minha filha não estão em casa ou que estão dormindo, se não, me sinto culpada. Tem que cuidar para não perder a convivência familiar, a não ser que os dois corram juntos. Uma amiga se separou por causa disso; o marido esqueceu da família para o esporte."
O que Cyntia gostaria que mudasse ou melhorasse nas corridas brasileiras? "Acho que tinha que diminuir o preconceito do público em relação aos corredores. Aqui (Porto Alegre) na maratona é um horror. Não tem público te apoiando no percurso e eles ainda ficam bravos que as ruas estão interditadas. Alguns até nos xingam. Outra questão é que os prêmios tinham que ser melhores para incentivar os atletas de elite. Isso é uma coisa que me enlouquece. Os coitados fazem um esforço absurdo, estão o ano inteiro em forma, treinando, e não ganham quase nada." (por Raquel Hoefel)
EDVA: 23 MARATONAS NO CURRÍCULO
Edva Paula Monteiro da Costa, ou melhor, Paulinha, é um exemplo de como genética e garra fazem uma atleta. Aos 46 anos e com 23 maratonas no currículo – além de incontáveis meias maratonas e outras distâncias -, Paulinha começou a correr em Brasília em 1996, numa brincadeira com as amigas da academia. Em apenas quatro meses de treino – com três longões -, ela estreou na maratona do aniversário da capital com o tempo de 4h30.
Desde então, seu recorde foi na maratona de Blumenau, com 3h17, mas as inesquecíveis são mesmo as duas de Nova York (1997 e 1998) e a de Curitiba, que Paulinha considera a melhor do Brasil. Sua última prova foi a Maratona de Brasília em 2010, com 3h49. Este ano, já estão no calendário a do Rio de Janeiro, em julho, e novamente a de Curitiba, em novembro. Para 2012, a meta é correr em Las Vegas.
Paulinha é tão "pilhada", como ela mesma se define, que na Maratona de Porto Alegre, em 2001, fechou a prova em 3h24 e ainda voltou para pegar o marido, que terminou em 4h22. "Meu treinador queria me matar", conta. Formada em Pedagogia e servidora da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal, ela leva a sério o esporte: tem nutricionista, treinador e aulas de ioga, musculação e até ikebana fazem parte da rotina. Paulinha ainda se beneficia da lei n° 2.967/2002, do GDF, a qual permite a redução da jornada de trabalho de atletas que comprovem o treinamento sistemático.
Premiação nas faixas etárias e redução no valor das inscrições das provas – "tá muito caro, elitizou demais" – são as sugestões dela para melhorar as corridas de rua no Brasil. Avó de uma menina de 7 anos que já subiu no pódio, ela sente orgulho do incentivo que representa: "Minha neta diz que tem uma medalha igual à da vovó". Seu sonho? Aposentar e conhecer o mundo correndo. "Corrida traz equilíbrio. A energia das pessoas, todas com o mesmo objetivo, mas cada uma no seu ritmo, é o que mais me atrai nesse esporte." (por Ana Cristina Sampaio Alves)
REENCONTREI A AUTO ESTIMA, DIZ MYRTA
"Desde que comecei, há um ano, sou fominha por correr, pela minha saúde. Esse esporte trouxe de volta minha alegria. Se eu não saio para correr é por um grande motivo. Entre uma passada e outra perdi muitos quilos, defini minha musculatura e reencontrei minha auto estima. Afinal, minha história é densa. Posso dizer que troquei o copo pelo tênis. Em 2007 perdi meu pai e meu rumo. Entrei em uma depressão terrível. Tomei remédios que me ajudaram por um tempo, mas logo comecei a beber. Ganhei quase 20 quilos e fui ao fundo do poço. Um dia entrei em colapso, passei o dia no hospital e o diagnóstico foi de crise de ansiedade. O médico foi categórico: teria que mudar meus hábitos se quisesse continuar a viver."
Assim se apresenta Myrta Funck, 47 anos, de Porto Alegre, que depois desse alerta resolveu tentar caminhar todo dia. "A uma quadra de meu apartamento há uma pista de corrida, e todo dia eu ia lá. É um lugar cheio de gente saudável. Comecei aos poucos, mas sem faltar. Um dia meu filho me sugeriu que tentasse correr e aos poucos a caminhada virou corrida. Quanto mais eu corria, mais queria voltar no outro dia. Hoje tenho uma coleção bonita de tênis, fotos das corridas e minhas medalhas. Ainda são apenas 10, mas são a prova de meu esforço, disciplina e carinho comigo mesma."
"Gosto especialmente de provas de 5 km. Em minha primeira, em maio de 2010, fiz a distância em 35min, achei ótimo e nunca mais quis parar. Afinal, não se trata de apenas uma prova. É uma festa que começa na inscrição e não termina nunca, pois as lembranças são para sempre. Ficaria ainda mais feliz se houvesse premiação por categoria em todas elas. Minha sala eu transformei em uma mini academia, e a vergonha de meu corpo transformou-se em muitos biquínis."
"Quero continuar correndo todo dia, ter saúde para isso. Neste ano pretendo fazer provas de 10 km em lugares diferentes. Correr atrás de provas interessantes e contar ao mundo o tamanho de minhas passadas. Nas minhas férias de fevereiro fui ao Rio com meus filhos. Aluguei um apartamento na Barra da Tijuca, em frente ao mar; afinal eu tenho que correr né?" (por Marina Gomes)
PATRICIA: CORPO E MENTE SAUDÁVEIS
Ter pique para continuar correndo por muito tempo é a meta de Patrícia Peixoto, que pratica a atividade religiosamente desde 2006. O esporte sempre esteve presente na sua vida. Tão forte que escolheu se tornar uma profissional de Educação Física. Hoje, a professora de spinning de 30 anos acredita que o treinamento constante tem o poder de preservar não apenas o corpo, mas a mente saudável.
"Além dos benefícios físicos naturais provenientes dos treinamentos contínuos, desfrutar da companhia de parceiros, organizar viagens, estabelecer metas e desafios constantes e diferenciados, correr me faz viver com mais energia e prazer para enfrentar as 12 horas diárias de trabalho", disse Patrícia, que, apaixonada pela corrida de rua, se prepara para encarar a Maratona do Rio este ano, com a meta de baixar seu tempo na distância.
Patrícia se orgulha da sua participação em três maratonas, cinco meias e mais de 40 provas de distâncias menores. Já chegou a fazer uma prova de 50 km, em que ficou em quarto lugar na sua categoria, e recentemente participou de um meio Iron Man, no Chile. Seu grande barato é competir com ela mesma. Mas saber se quer ir mais longe ou mais rápido é difícil responder. Seus melhores tempos: 5 km em 22 min, 10 km em 48 min, 21 km em 1h49, 42 km em 3h57 e 50 km em 4h48.
"As maratonas representam o desafio individual de cada corredor. Quero, claro, experimentar uma ultra de 75 ou100 km, mas a minha preferência é mesmo pelas maratonas. Especialmente as internacionais, que permitem também momentos de lazer e conhecer novos lugares", disse Patrícia, que já está inscrita na de Buenos Aires, em outubro, e sonha, um dia, participar da Maratona do Sol da Meia-Noite, na Noruega. (por Débora Thomé)
MEIO NA MARRA, BRUNA VAI EM FRENTE
Para começar qualquer tipo de atividade física, normalmente é preciso algum estímulo. Seja para perder peso, para se condicionar ou simplesmente em busca de bem-estar. Só que em alguns casos, esse estímulo vem de fora e quase como uma obrigação. É o caso da curitibana Bruna Dias Nascimento, de 24 anos, que queria apenas perder peso, mas que também contou com a insistência do namorado, que praticamente a obrigava a correr.
"Comecei para perder peso e nunca tinha pensado em participar de provas. Ele [o namorado] me obrigava. Na verdade ele resolveu me inscrever numa prova e disse ‘agora você vai ter que correr'. Já que estava inscrita, tinha que pelo menos treinar", conta a fisioterapeuta e professora de educação física. Cinco anos depois, ela já pegou gosto pela corrida, mas mesmo assim o namorado segue fazendo inscrições secretas para ela.
Apesar de não conseguir treinar tanto quanto gostaria, Bruna adora a sensação que vem após o exercício. "Sinto um bem-estar geral logo após. É aquele alívio, a sensação de dever cumprido. É difícil sair para treinar, mas compensa", diz. Para ela a corrida só trouxe benefícios. "Eu tenho enxaqueca e quando consigo treinar frequentemente, as crises diminuem."
Bruna prefere as provas de 10 km, mas o que vier, está valendo. É o caso da Volta à Ilha de Florianópolis, que correu em 2010, e que só tem boas lembranças. "É a paisagem, o envolvimento da equipe. É o dia inteiro, desde madrugada. É bem divertido", lembra. Apesar de não ter nenhuma prova específica que queira correr, o objetivo dela é bem direto: "Tenho a idéia sempre de bater o próprio recorde, a cada prova." (por Gustavo Ribeiro)
A GAROTA MAIS PODEROSA DO MUNDO: CAROLINA
Carolina Marques Borges, 29 anos, de Belo Horizonte é pesquisadora, mestre em Saúde Pública/ Epidemiologia, doutoranda em Saúde Coletiva e começou a correr em 2002. "Morava em Diamantina, cursava o último ano de faculdade de odontologia e estava entediada. Decidi iniciar uma atividade física e comecei com um trote. Mas a cidade é cheia de morros, então treinava em um quartel, o único lugar plano por lá. No ano seguinte pensei em participar de alguma prova. Mas só aconteceu em 2004: fiz a Volta da Pampulha, sem usar tênis bom, sem fazer um treinamento específico. Só sabia que queria chegar. Completei em 2h08 e me encantei de vez com a corrida. Me achei a garota mais poderosa do mundo".
Ela faz muitas provas de 10 km, mas neste ano planeja correr quatro meias maratonas, a começar pela da Linha Verde, em abril, em BH. "Adoro a distância de 21 km."
"A corrida me aproxima da minha essência. Quando corro, não existe máscara, título ou rótulo. Sou eu de forma mais simples e verdadeira. O esporte também me ensina disciplina, me mostra o gostinho da liberdade e me faz sentir livre, próxima a Deus e verdadeiramente viva! Além de dar mais fôlego e manter minha saúde, a corrida trouxe novas e verdadeiras amizades. Conheci muita gente boa através do esporte e sinto que são amigos que ficarão para sempre".
Sua maior realização foi participar da São Silvestre 2010. "Cresci vendo essa prova, então foi uma emoção participar dela. Também tenho como um momento especial uma prova de 10 km em BH, que completei em 55 minutos, meu recorde pessoal." Para o futuro, se o bichinho da maratona lhe pegar, seu sonho é correr a Maratona de Boston, cidade em que morou no ano passado e gostou muito.
Sua queixa é sobre o custo das inscrições. "Faço provas desde 2004 e acho que o preço da inscrição aumentou demais. Comparando com as corridas do exterior, é muito caro. Vejo que os organizadores focam no kit, mas esquecem de melhorar a estrutura. Até gosto dos mimos que por vezes recebemos, mas o mais importante é ter postos de hidratação bem distribuídos, segurança, equipe médica." (por Yara Achôa)
SEM MEDO DE NADA: É A NOVA ELIZÂNGELA
A auxiliar administrativa Elizângela Vieira da Silva, de 31 anos, começou a correr em novembro de 2008. E, como ela mesmo define, a corrida surgiu na sua vida como uma lição e no momento em que mais precisava. Praticante assídua de esportes, mesmo sem nunca ter corrido, carregava consigo o sonho de um dia poder participar da mais famosa corrida do Brasil, a São Silvestre.
Em 1997, ela sofreu um acidente enquanto pedalava numa madrugada em Santos. Um carro surgiu em alta velocidade e ela foi atropelada. Caiu desacordada no chão. Ficou em coma por alguns dias e, quando acordou, percebeu que não escutava. Perdeu a audição totalmente e ficou um tempo sem conseguir falar direito por causa de um traumatismo craniano. Sua fala foi recuperada e a audição do lado direito foi voltando aos poucos, mas algo aconteceu. "Eu não era forte para enfrentar a tristeza. Entrei em depressão. Foram três meses e a audição sumiu novamente", lembra Elizângela, que a partir de então teve que se acostumar com a idéia de usar aparelho auditivo.
Dez anos depois, a corrida apareceu na sua vida como uma forma de recuperação da auto-estima e como prova de que ela poderia fazer o que quisesse, desde que acreditasse em si mesma. Em janeiro de 2007, começou a trabalhar na ESPN e já imaginou que ali algum esporte teria que praticar. Aos poucos foi conhecendo os colegas de trabalho e seus esportes favoritos. A maioria, claro, era louca por futebol. Um dia recebeu um convite para participar de uma prova de revezamento, em Interlagos. Não aceitou. No ano seguinte, o convite veio novamente e dessa vez Elizângela resolveu falar diretamente com um colega que a convidou. Mudou de opinião e, para não fazer feio, começou a treinar sozinha na rua.
"Eu me cansava muito rápido e tomava tanta água que depois não conseguia jantar. Mas algo não me deixava desistir e isso foi se transformando em um desafio comigo mesma". Mas a dificuldade ainda a perseguia. Voltou à sala do colega pronta para desistir, mas ele a fez mudar de idéia. "O que me animou foi quando ele disse que eu poderia ir devagar. Ninguém iria me expulsar da prova. Só não podia parar." Pronto. Era o que ela precisa para ficar confiante e começar a mudar meus pensamentos.
A Maratona de Revezamento Ayrton Senna de 2008 foi então sua primeira competição. Ela lembra que acabou essa prova rindo à toa e toda dolorida. Quando colocou a primeira medalha no pescoço, quase caiu em prantos de tanta felicidade. "Eu queria ficar com ela pendurada no pescoço pelo resto do dia. Queria que todos sentissem aquela emoção que explodia dentro de mim", lembra a corredora, que diz que aprendeu a aceitar a Elizângela de hoje, com perda auditiva. "Pensamentos negativos não ajudam em nada. Não deixo nada me sufocar e tenho alguém na minha vida há 6 anos, meu namorado (Romer Ribeiro), que é meu protetor. E o melhor de tudo: é meu ouvido quando o aparelho não me ajuda a escutar. Não tenho medo de mais nada."
Hoje, Elizângela, que faz parte do programa "Vamos Correr", da ESPN, e se dedica a provas de até 10 km, ainda sonha um dia poder correr a São Silvestre. "Foi a primeira prova que conheci. Desde meus 12 anos eu assisto pela TV e brincava com amigos na rua de minha casa no Piuaí. Eu me imaginava um dia correndo de verdade", lembra ela, que treinou firme para participar da última, mas não pôde cumprir o programado por alguns imprevistos. "Assisti pela TV e não consegui conter as lágrimas, que aumentaram mais ainda quando vi corredores do meu grupo de corrida, a Run For Life. Eu queria muito estar perto deles correndo também."
Ainda que já esteja praticamente adaptada à fase de corredora, Elizângela acredita que algumas coisas poderiam ser melhoradas nas corridas, como as sinalizações e informações escritas. "Não dá pra ouvir pelo alto falante. Numa prova de 5 e 10 km, por exemplo, seria melhor indicarem com setas ou placas para onde seguir, pois todos saem juntos e o percurso sofre alterações de acordo com a modalidade. Já me perdi em algumas delas, porque não ouço o que o staff diz", lembra a corredora, que enfrentou problemas também numa prova noturna, quando um corredor pediu passagem e quase a empurrou para ultrapassar. "Eu ouvia, mas não entendia o que ele falava. Só descobri quando ele me ultrapassou e depois fez um sinal com o dedo para mim."
Hoje Elizângela olha para o passado e lembra tudo o que corrida lhe trouxe de bom para a vida. "Além de sair do sedentarismo e não ter mais tempo para o cigarro, sou muito mais otimista. Hoje tenho muito mais fé em mim e no que eu faço. Também não sinto mais vergonha em dizer que não ouço 100%, até porque vi e vejo pessoas com necessidades muito mais especiais que a minha, mas que estão lá nas corridas e felizes também", diz. (por Fernanda Paradizo)
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KIKA, DE BAILARINA À CORREDORA COMPETITIVA
A repórter fotográfica Cristiana Saad Castello Branco ("Kika"), 40 anos, nascida em São Paulo, começou no atletismo em 1988 – ainda quando era bailarina. "Comecei a correr duas vezes por semana 6 km, para complementar a minha rotina na dança e manter um condicionamento mais próximo do nível atlético. Naquela época estava começando uma dança mais vigorosa e precisava de força. Então a corrida era uma boa opção para alcançar o meu objetivo".
Em pouco tempo Kika se tornou ex-bailarina e adotou a corrida assim que percebeu que lhe tornava mais resistente fisicamente (força,velocidade e capacidade pulmonar). "A corrida fez com que eu experimentasse limites físicos que até então eu desconhecia e que eu achava muito bom. A tal da endorfina! Mas, também em alguns períodos de treinamento eu tive forte anemia – o que não foi legal."
Formada em psicologia, Kika observa que a corrida lhe trouxe um ganho bem substancial em persistência, concentração, disciplina, competitividade, positividade e principalmente muita saúde. A corrida se tornou tão visceral em sua vida que seus relacionamentos só seriam possíveis se o namorado respeitasse seus momentos de treinos e competições. "E lógico que não fumasse, nem bebesse demais, e principalmente gostasse de praticar algum esporte".
As medidas preferidas de Kika eram as médias distâncias, entre 10 e 21 km. "Eu costumava correr uma a duas provas por mês". Uma de suas inesquecíveis foi quando participou da Meia-Maratona de São Paulo, na década de 80. "Largava na Av. Paulista e era classificatória para uma vaga na São Silvestre. Corri em 1h30 e fui selecionada para largar na elite da SS. Foi emocionante porque treinei muito para esta competição tão difícil, e realizei o sonho de sair na elite. Atualmente treino quatro vezes por semana. Após correr a Maratona de Londres em 2007, resolvi que iria diminuir a participação nas provas e continuar treinando apenas para a manutenção da saúde."
O sonho de Kika é ensinar a filha Camila a gostar de correr. "Sem compromisso, apenas pelo bem estar que a corrida proporciona."
Os objetivos atuais são profissionais e Kika quer fazer um curso em sua área, mas promete: "Quem sabe corro duas meias em 2011!"
Kika faz um pedido aos organizadores: "Gostaria que eles limitassem o número de participantes, para que fosse possível correr desde o começo da prova, e que os preços das inscrições não fossem tão caros. As corridas no Brasil estão elitizadas socialmente e isso é muito ruim." (por Vicent Sobrinho)
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