POR FERNANDA PARADIZO | @fparadizo
A Maratona de Tóquio tem algo de diferente em relação às outras Majors. Pegar dois voos longos e cansativos e desembarcar do outro lado do mundo traz uma série de inseguranças e desafios. Além disso, é preciso ainda lidar com o fuso horário completamente desfavorável, que troca o dia pela noite, e, no meu caso particularmente, pouco fã da comida japonesa, com a culinária local.
Mas nada disso era novidade. Já tinha visitado terras orientais em outra oportunidade, quando tive a chance de cobrir a Maratona de Tóquio em 2017. Ou seja, sabia muito bem o que teria pela frente.
E, ainda que pesasse todas estas dificuldades, uma coisa eu tinha certeza. Seria mais uma experiência incrível, como foi da outra vez.
O RETORNO DOS ESTRANGEIROS
Depois de quatro anos, a prova voltava enfim a ser realizada com a presença de corredores estrangeiros. Com a pandemia, Tóquio foi cancelada em 2020. Em 2021, foi realizada apenas para a elite. E, em 2022, abriu para a participação da massa, mas apenas para corredores que morassem no Japão.
A edição de 2023 representava algo especial para os mais de 3000 corredores que estariam ali para receber a tão sonhada Six Medal Finisher, a mandala que premia todos os que completam as Majors – a série das seis provas que fazem parte do circuito das World Marathon Majors, formado por Tóquio, Boston, Londres, Berlim, Chicago e Nova York.
Tóquio estava prestes Guinness como prova com “mais pessoas a ganhar a medalha das Six Majors em uma única maratona”. E era por isso que estava ali. Para cobrir pelo perfil Majors Brasil os mais de 80 brasileiros que iriam receber na linha de chegada a mandala.
ENFIM, EM TÓQUIO
Depois de 30 horas de viagem, com uma escala de 4 horas em Dubai, cheguei às 17h e pouco ao aeroporto de Narita, que fica a cerca de 80 km distante do centro de Tóquio.
Após uma fila enorme e demorada para passar pela imigração, tendo que apresentar algumas vezes o aplicativo de saúde que comprovava ao menos três doses da vacina contra o COVID, foram mais 1h20 de ônibus até a estação mais próxima do meu hotel, que ficava em Ginza, perto da chegada da prova. Uma experiência nova para mim, que em 2017 havia ficado perto da largada, em Shinjuku.
Cheguei já um pouco tarde da noite, por volta das 21h. Estava cansada da viagem e só queria tomar um banho e dormir para encarar a programação do dia seguinte. Mas não! Como havia dormido nos dois voos em horários do fuso a que estava habituada, passei a noite em claro e já percebi que teria problemas para me adaptar ao fuso.
Passada a primeira noite em claro, quando bateu 7h da manhã, tomei meu café da manhã por ali perto e fui dar uma volta no parque do Palácio Imperial para reconhecimento do local, onde eu teria alguns ensaios marcados dali pra frente. Gosto sempre de olhar o local antes, até para mapear a distância do hotel ao local, analisar o que tem ao redor e ver possíveis lugares para os muitos ensaios fotográficos que teria pela semana.
Segui então para Shinjuko para visitar uma loja de equipamentos fotográficos, a MapCamera, que vende câmeras, lentes e acessórios de segunda mão praticamente novos e com custo muito abaixo do que se vê inclusive nos EUA, além de ser tax free. Ou seja, era só apresentar o passaporte e ter desconto de cerca10% a que eu tinha direito. Comprei uma lente específica para os ensaios, um flash novo, pilhas recarregáveis e outras coisas pequenas e essenciais para meu trabalho e retornei para o hotel.
Meus dias em Tóquio a partir de então seriam divididos em ensaios já agendados com os brasileiros e cobertura dos eventos da prova, além da maratona no domingo. Não sobraria tempo para qualquer passeio. Mas tudo bem! Era algo que já estou acostumada.
GIRO PELA EXPO
A cobertura específica dos eventos da prova começou na quinta, com a abertura da Expo, no Tokyo Big Sight, centro de convenções localizado no distrito de Ariake. Lá eu aproveitaria para pegar, na Tokyo Marathon Foundation, minha credencial de imprensa.
Depois de mais uma noite mal dormida, lá fui eu me aventurar no metrô da cidade, com o auxílio no Google Maps. Foi uma experiência bem mais fácil do que a primeira vez, em que me perdia naqueles mapas muitas vezes apenas em japonês com os valores específicos que devem ser pagos para cada distância percorrida. Mas já tinha a informação de que as coisas por lá tinham se tornado bem acessíveis aos estrangeiros por conta dos Jogos de Tóquio 2020, que acabou um ano depois.
Comprei o cartão Pasmo, uma espécie de cartão de débito, que você só precisa fazer a recarga de algum valor e usá-lo na entrada e saída das estações. Quando termina o saldo (mostrado quando você passa na catraca), é só carregar novamente. Se sobrar algo no final da viagem, pode ser usado em lojas de conveniência. Tudo muito simples.
Cheguei ao local, peguei antes ali perto meu credenciamento (um colete verde que dá acesso a áreas exclusivas no dia da prova, a credencial, algumas papeladas informativas e uma mochila bacana da ASICS, patrocinadora do evento) e segui para a Expo.
Uma feira um pouco “bagunçada” já à primeira vista. Como já havia atestado em 2017, a Expo de Tóquio era um pouco confusa, com muita informação para digerir numa só visita. A entrega de kit me pareceu bem ok, fluindo sem problemas. Mas a loja oficial, da ASICS tinha uma fila enorme para quem quisesse comprar alguma coisa com o logo da prova ou até mesmo apenas dar uma olhada nos produtos oferecidos. Além da fila para entrar, havia ainda uma outra enorme dentro da loja para adquirir as tais camisetas coloridas, com desenhos especiais e edição limitada.
Antes mesmo de chegar à feira, já tinha observado uma movimentação nas redes sociais reclamando não apenas da fila, mas também da falta de alguns produtos característicos como uma jaqueta bacana com a marca da prova, uma mochila ou outros itens oficiais. Fui parada algumas vezes por pessoas me perguntando onde tinha encontrado a mochila que carregava, item especial do kit mídia.
Dei uma rodada na feira, fiz algumas fotos e vídeos, encontrei alguns brasileiros e resolvi então retornar ao hotel para me preparar para um ensaio de fim de tarde. Tinha a ideia de retornar depois à Expo para fazer algumas imagens com mais calma e olhar os stands com um pouco mais de atenção, mas a agenda dos dias seguintes ficou mais apertada e não consegui retornar.
NOITES MAL DORMIDAS
Os dias sequentes seguiram a programação normal já estabelecida, alternando entre os ensaios agendados – alguns perto da chegada, outros da largada – e algumas paradas no hotel para trabalhar e às vezes até me deixar cair no sono. Era sexta-feira e ainda enfrentava problemas com o fuso, passando noites em claro e cochilando em algumas horas do dia. Naquele momento sabia que dificilmente conseguiria ter uma noite decente de sono em terras orientais.
O GRANDE DIA
Domingo, 5 de março. Chegou enfim o dia da prova. Peguei o metrô com destino à largada. Já tinha estabelecido uma programação de cobertura, que incluía cobrir a largada e pegar o ônibus que levava a mídia credenciada para a chegada. Lá veria a chegada dos campeões e depois a chegada dos brasileiros, principalmente aqueles que finalizariam ali em Tóquio as Majors.
O acesso às áreas de largada onde ficam os amadores é livre. Dá para transitar numa boa. Havia uma fila para entrar nos currais, em que os corredores tinham que mostrar num app específico que estavam aptos a correr a prova. Era obrigatório ter no celular esse aplicativo. E, a partir de 26 de fevereiro, era obrigatório registrar a temperatura do corpo. Isso para corredores e também mídia. Participantes ainda recebiam na Expo dois testes de COVID, que deveriam ter seus resultados reportados antes da prova nesse mesmo aplicativo.
Entrei na fila e logo fui direcionada para uma outra específica de mídia e convidados, onde, além de mostrar o aplicativo, era obrigatório abrir as bolsas e sacolas para os staffs. Isso não é novidade nas grandes maratonas lá fora, principalmente depois do ataque em Boston.
RUMO À CHEGADA
Ali na área da concentração dos corredores, ainda consegui encontrar alguns brasileiros. Fiz algumas fotos da largada, alguns vídeos e, na sequência, entrei numa fila especialmente para aqueles que pegariam ônibus para a chegada. Tudo muito organizado. Em cerca de 25 minutos chegamos ao local. Fomos levados em fila indiana até o Media Center, que tinha telões para todos os lados, informações sobre o que estava rolando na prova e toda a estrutura para qualquer jornalista que queria acompanhar a prova dali mesmo. Não era o meu caso.
Fiquei um tempo por ali e me dirigi a uma pessoa responsável para perguntar como faria para ir até a finish line. Queria me adiantar para ver os acessos e me programar para o que faria. Não sabia ainda se minha credencial dava acesso à área de medalhas, que é onde eu pretendia esperar pelos brasileiros.
Rapidamente um rapaz se prontificou a me levar ao local. É impressionante como os japoneses são solícitos. O staff de mídia me deixou com outro responsável na área de chegada, que me explicou de forma muito clara os locais onde eu poderia ficar.
RECONHECIMENTO DO LOCAL
Eu tinha um lugar de frente para fotografar a elite, que seria útil apenas quando chegavam poucos corredores. Quando a multidão começasse a cruzar a linha, era certo que dali ou de qualquer outro lugar que não fosse a ponte ou a escada, não daria para fazer quase nada a não ser imagens de multidão.
O acesso à área de pós-chegada, onde chegavam os corredores que receberiam a medalha da maratona, e mais para a frente a mandala, era livre. O único problema é que eram duas áreas de chegada, uma para esquerda e outra para a direita, definidas pela cor do bib number. Eu ia ter que revezar entre uma e outra e contar com a sorte em relação aos brasileiros que lá encontraria. Eu sabia a cor de bib de um ou outro, mas era muita informação para processar. Deixei me levar pela sorte.
CHEGADA ACIRRADA
Do lugar que estava, consegui fotografar todas as chegadas da elite. O campeão foi o etíope Deso Gelmisa, com 2:05:22, que protagonizou um dos finais mais disputados numa maratona e venceu no sprint final. Eram seis homens que entraram juntos na linha de chegada. Um fim de prova bem disputado.
Já no feminino a queniana Rosemary Wanjiru foi a campeã com 2:16:28, sexto tempo mais rápido do mundo.
Fiquei um tempo ali na chegada e fiquei impressionada com o nível técnico elevado da prova. Chegavam muitos corredores sub 2:20, 2:30, 2:40, 2:50. Muito estrangeiros, mas a maioria japoneses. Não tinha visto nada parecido a não ser na Maratona de Boston, onde é natural algo assim, porque é onde estão os melhores. Não deu nem 3 horas de prova e já não conseguia ver nada naquela chegada. Apenas uma multidão de corredores cruzando a linha.
Depois de ficar um tempo, meu domingo de cobertura se resumiu revezar entre uma e outra área de pós-chegada, encontrando um brasileiro aqui outro ali, pegando alguns depoimentos, fazendo fotos. Assim o tempo passou. Foi bacana ver de perto a emoção das pessoas ao receber a desejada e tão aguardada mandala. Poder presenciar isso é com certeza uma experiência única.
Eu acompanhava alguns corredores conhecidos pelo aplicativo da prova e minha meta era aguardar até a chegada da Denise Amaral, nossa grande rainha das Majors, a primeira mulher a conquistar três mandalas. Vi ainda alguns outros brasileiros por ali e dei por terminado meu trabalho.
FIM DE COBERTURA
Eram uns 20 minutos de caminhada, mas por conta das ruas e acessos fechados demorei quase o dobro do tempo para chegar ao hotel. Ainda deu para fazer algumas imagens dos últimos colocados e de dois ônibus levando os desistentes para a chegada.
Imagino a frustração de não terminar uma prova como essa. Guardei para mim a imagem. Preferi não postar. Talvez num outro momento, apenas para título de informação, eu as divulgue. Naquele fim de prova tão contagiante, eram imagens que não acrescentariam nada.
Meus dois dias a mais em Tóquio se resumiram a algumas sessões de foto com a medalha e hotel. Eu realmente precisava descansar, dormir e me recuperar desses dias sem sono.
Como acontece em todas as cobertura, levo algumas lições na bagagem e algumas frustrações do que dava para ser realizado, principalmente em se tratando de uma viagem tão longa e uma prova tão especial.
Gostaria de ter feito algumas coisas diferentes, como voltar à Expo, cobrir a coletiva de imprensa, ter me posicionado melhor para fazer imagens da largada, ir para alguns pontos do percurso – porque sei que em Tóquio é possível – e me programar melhor para cobrir um e outro lado dessa chegada insana de corredores.
Para quem lê este texto, pode ficar a impressão de insatisfação em relação ao meu trabalho, mas não! Depois de 39 coberturas de Majors (19 NY, 7 Berlim, 5 Chicago, 5 Londres, 2 Tóquio e 1 Boston), eu sempre fico com essa sensação, que daria para ter feito melhor. E não há problema nisso. Afinal, é o caminho que sigo para sempre tentar evoluir. E, quando você assume vários papeis num só trabalho – de fotografar, gravar vídeos, fazer entrevistas e escrever –, será sempre mais difícil dar conta de tudo e sair com a sensação de que foi feito de fato o melhor. Lições sempre aprendidas. E que venham as próximas!
Fotos: Fernanda Paradizo
Editora da Contra-Relógio, Fernanda Paradizo é jornalista e fotógrafa. Fez sua primeira maratona em Nova York, em 1997, quando descreveu todo seu treinamento e estreia nos 42 km para a revista Boa Forma. Depois da experiência, passou a trabalhar exclusivamente com corrida de rua e viajar pelo mundo para cobrir as principais maratonas internacionais.