Para esses aficionados por subidas, poder vencer cada pico de montanha ao longo de um percurso repleto de aclives e declives é tão gratificante que muitas vezes se torna indescritível. E o que chega a ser curioso é que, de uma forma geral, grande parte desses atletas não sente a menor atração por circuitos planos e sem maiores dificuldades. Entrar numa prova sem desafios maiores a transpor passa a ser um lugar-comum para esses "loucos" e muitas vezes manter um ritmo constante numa corrida quase plana, pela facilidade que o terreno proporciona, é tedioso, monótono e em alguns momentos até difícil para aqueles que estão acostumados com constantes sobes-e-desces pelo caminho.
É o caso do administrador de empresas Robson Fagundes de Lima, de 51 anos, que corre há 10 e hoje participa com freqüência desse tipo de prova, pelo menos uma a cada bimestre. "Eu tenho facilidade com subidas e provas difíceis. Acho muito sem graça percursos planos. Estou sempre fugindo do treino no plano e procurando fazer um subidão, comenta o atleta, que mora perto do Pacaembu e aproveita as ladeiras desse bairro paulistano para poder dar conta de um treino mais direcionado para seus objetivos.
Para Robson, que já fez a Volta ao Cristo, a Corrida de Montanha (São Bento do Sapucaí e Extrema), o Mountain Do Costão do Santinho em dupla, a cabeça é tudo para enfrentar esse tipo de prova. "Eu foco a subida e encaro. Como na maioria das vezes estou passando outros corredores, isso me motiva."
Mas, apesar da facilidade que sente em provas com aclives, saber dosar o ritmo numa corrida plana passa a ser um grande desafio. "É uma questão com a qual vou ter de lidar. Como tenho facilidade em provas com desníveis, preciso aprender a correr em percursos planos e tirar proveito disso, dessa facilidade", diz o atleta, que exemplifica com seus tempos nos 21 km essa facilidade por circuitos íngremes: "Fiz 1h38 na Meia de São Bernardo, que considero uma prova difícil quando comparada a São Paulo e Rio de Janeiro, provas em que tenho 1h45 e 1h43", explica o corredor, que tem como próxima meta exatamente uma prova plana, a Maratona de Berlim, em setembro, e onde terá definitivamente que lidar com essa questão.
Outra adepta de corrida morro acima e que, a exemplo de Robson, também sente dificuldades em provas mais planas, é a auditora fiscal da Receita Federal Maria Eugenia Coelho da Gama Cerqueira, de 62 anos, que corre há aproximadamente 12 e tem incontáveis participações em maratonas e ultras (Comrades em 2007 e 2008, e Two Oceans este ano, ambas na África do Sul, de 89 e 56 km, respectivamente). "Cada prova apresenta um desafio diferente. Aquelas de percurso plano muitas vezes esgotam mais do que as ‘montanhosas', já que exigem um esforço constante e por longo período do mesmo grupo de músculos", comenta Maria Eugênia, que quando está subindo uma ladeira, sempre foca no topo e no trabalho de braços, que ajudam a lançar o corpo adiante.
Para ela, a estratégia para poder encarar a subida depende muito do ponto em que se encontra no percurso. "No início da corrida, vou com bastante calma para não acabar o gás antes do tempo. Se forem muito numerosas, diminuo o ritmo e acelero nas descidas e nos planos. O importante é saber administrar a velocidade para manter a resistência, sem esgotamento", ensina a corredora, que ressalta também a influência do psicológico nesse tipo de competição e a briga constante consigo mesma. "Muitas vezes eu penso ‘por que não fiquei em casa em vez de estar aqui fazendo estas loucuras´?' ‘Será que nunca vou sossegar? Mas aí vem também ‘não se desespere. Uma hora isto chega ao fim'. O psicológico é importante numa corrida ou em qualquer coisa que se faça na vida. Você age conforme pensa. Se a cabeça não ajudar, ninguém corre nem 100 metros."
O empresário Giovanni Rinaldo Júnior, de 45 anos, com 13 dedicados à corrida, é outro que se cansou das provas curtas e até de maratonas e resolveu experimentar competições mais desafiadoras, que pudessem colocar um pouco mais de aventura na sua vida, como a Cruce de Los Andes, o Desafrio Urubici, o Desafio de Castelhanos, a Volta à Ilha e o Revezamento Bertioga-Maresias.
Quando perguntado sobre o que vem à mente quando está enfrentando uma longa subida, é enfático em dizer que pouca coisa passa à sua cabeça. "Procuro curtir a subida e avaliar meu ‘grau de insanidade''', brinca o atleta, que, como auxílio aos treinamentos, desce e sobe várias vezes os 16 andares do prédio onde mora. E, na hora de encarar o morro, Giovanni prefere fazê-lo em ritmo confortável. Quando é muito extenso, ele não se importa em ter de abrir mão da corrida para caminhar em ritmo acelerado, até porque, ao terminar e iniciar a descida, sempre consegue tirar a diferença.
Também experiente no assunto, a oficial de justiça federal Ana-Márcia Borges Gomes, de 40 anos e que corre há 9, já participou de quatro Comrades e de uma infinidade de maratonas espalhadas pelo mundo. Ana-Márcia, que mora em Campo Grande, MS, e treina em estrada de chão, em percurso com muitos aclives, diz adorar correr as provas difíceis. "Além de trabalhar meu lado físico, trabalho também o psíquico. Temos que ser inteligentes para saber administrar o tempo de conseguir concluí-las. O psicológico é o principal. Quando estreei na Ultramaratona de 100 km de Cubatão, meu técnico, o Branca, disse ‘sorria sempre'. É o que faço: pensar positivo e sorrir."
QUANTO MAIS MONTANHAS, MELHOR. Poderíamos dar aqui espaço a uma série de comentários de pessoas como Robson, Maria Eugênia, Giovanni e Ana-Márcia. Diante dos inúmeros exemplos, seria quase impossível não observar que o prazer por fazer coisas desafiantes e diferentes, que fogem do lugar-comum, é sempre o que acaba motivando esses atletas a querer encarar competições cada vez mais difíceis.
Ao contrário do corredor de rua "comum", aquele que visa performance e gosta de desafiar percursos planos em busca de recordes pessoais nas distâncias clássicas, como 10 km, meia e maratona, o corredor de montanha na maioria das vezes não se importa com o tempo em si, mas com a distância a ser percorrida e a dificuldade cada vez maior do circuito. Para ele, vale o lema: "quanto mais longo o percurso e mais montanhas para transpor, melhor".
Que o diga o advogado Edson Adriano Bitencourtt, de 43 anos, que corre há 11 e sempre gostou de provas diferentes. Edson carrega na bagagem aproximadamente 150 provas, onde constam também ultramaratonas. "Os desafios vão surgindo", diz Edson, que encarou em 2008 e 2009 o Brazil 135, uma prova de 135 milhas (217 km), realizada em plena Serra da Mantiqueira. Desse total, apenas 20 km são realizados no plano. "Esse sem dúvida foi meu maior desafio, tanto do ponto de vista físico quanto do psicológico, uma vez que foram 60 horas para percorrer esse trajeto, enfrentando adversidades de clima, com altas temperaturas pela manhã e baixas à noite. Isso sem contar a chuva e os rios a atravessar. Tudo isso é agravado com serras de subidas intermináveis. O nível de estresse chega ao extremo", conta o atleta, que diz que o esgotamento psicológico sofrido nessas provas pode levar a alucinações fantasiosas e a musculatura parece a todo tempo estar no limite. "De repente, nos deparamos com uma nova escalada de serra e o corpo passa a responder positivamente. Assim, notamos que ainda não era o limite."
Para Edson, que já se prepara para a mesma aventura no próximo ano, a satisfação pessoal de encarar tudo isso é muito grande. "É um aprendizado para a vida, uma maturidade de saber ter paciência, perseverar, de estar sempre buscando mais, atingindo os objetivos e superando tudo com garra, determinação e vontade. O psicológico influencia decisivamente. Ele é quem comanda o corpo. Não adianta estar fisicamente preparado se sua mente não acredita que conseguirá atingir o final do topo."
TREINO FOCADO. Ainda que pese nos depoimentos desses apaixonados por subidas esse tom de busca incansável ao quase inatingível, muitos desses atletas sabem de cor a receita para o sucesso. Afinal, esse amor todo por provas no estilo "morro acima" não se sustenta apenas por vontade, garra ou determinação e uma cabeça boa. Acima de tudo, é preciso treino direcionado e até uma certa habilidade natural e técnica para se dar bem "nesse negócio".
Segundo o técnico Claudio Castilho, do Esporte Clube Pinheiros, o fato de a corrida possuir um curto tempo de contato com o solo, esse contato deve ser preciso e eficiente. "E é aí que entra o componente força e será essa capacidade a principal ferramenta de projeção da corrida à frente. Sem ela, a alavanca final fica extremamente comprometida", complementa Castilho, que diz que outro fator importante está na sustentação ótima no momento do primeiro contato do pé com o solo. "É nessa hora que acontece uma enorme sobrecarga, gerada pela ação gravitacional, associada ao peso corporal, o que aumenta significativamente a carga exercida sobre as articulações dos tornozelos, joelhos, quadris e coluna vertebral. Quanto mais forte for o atleta, em força absoluta e não em massa muscular, mais facilmente ele suportará o desgaste gerado pela sucessão de movimentos e impactos."
Acostumada a percursos diferenciados e campeã do último XTerra, em Ilhabela, a atleta e técnica Cristina de Carvalho, que comanda o Projeto Mulher, sabe muito bem o que isso significa. Para ela, os atletas "bons de montanha" costumam ter uma estrutura mais pesada, ou forte, que um corredor de rua para ter "ataque" nas subidas e nas descidas. Mas também é importante que esse atleta tenha técnica, já que cada percurso exige um tipo de passada e pisada. "Numa trilha plana e batida, a pisada mais eficiente é com o tronco projetado à frente, os calcanhares altos e a pisada com ênfase na frente dos pés. Já numa trilha irregular, com raízes e erosões, o mais eficiente é abaixar o centro de gravidade, centralizando tronco e utilizando uma passada chapada, ou seja, de pé inteiro", explica Cristina, lembrando também que o atleta, em alguns casos, tem que saber "cair" para não ter que andar em declives acentuados, arenosos ou muito acidentados. Já o segredo nas subidas está em diminuir a amplitude das passadas e enfatizar o trabalho dos braços. Para enfrentar essas corridas, treino específico é a melhor ferramenta.
Ainda segundo Cristina, "fazer um treino por semana de trilha e poder variar as características dessa trilha é a melhor forma de conseguir a musculatura específica e desenvolver a técnica necessária para esse tipo de prova. A treinadora e atleta também aposta num bom trabalho de pliometria associado ao treino de corrida, que é muito eficiente para criar a estrutura muscular exigida nessas competições. "Gosto muito de colocar para os alunos que correm montanha, aventura ou trilha agachamentos, avanços ou cangurus (saltos) no dia de pista ou de fartlek. No dia em que a série principal serão seis tiros de 1000 m, é comum eu sugerir como descanso aeróbico 50 avanços (uma passada larga, com parada equilibrada da perna que se desloca, antes de completar o deslocamento) entre cada tiro. Ou seja, o descanso dá para recuperar batimentos cardíacos enquanto eu trabalho a força muscular. Um estímulo pelo outro cria uma sinergia entre fôlego e força, conceitos de suma importância nesse tipo de corrida."
BIOTIPO FAVORÁVEL. Se o treino específico conta pontos a favor para esses corredores, ter um biotipo privilegiado pode ser também favorável. Segundo a fisioterapeuta e também maratonista Flávia Kurtz, de uma forma geral, podemos considerar dois tipos distintos de biotipo: pessoas que têm o centro de gravidade anterior (projetado mais para a frente) e as com centro de gravidade posterior (para trás). "As que chamamos de GA (Gravidade Anterior) apresentam um corpo mais longíneo, com predomínio maior na musculatura do quadríceps e tibial anterior. Como na subida temos que projetar nosso centro de gravidade para a frente, para conseguir uma alavanca eficiente, uma musculatura anterior mais forte ajudará mais na hora da subida", explica a fisioterapeuta. "Já o biotipo que é o GP (Gravidade Posterior) é um tipo mais atarracado, de bacia larga, que tem a tendência a projetar o centro de gravidade para trás. Os corredores com essa característica costumam ter mais força no tríceps sural e vasto lateral, e por isso mesmo têm mais facilidade para correr em percursos de descidas."
As principais lesões causadas por subidas são as tendinites de glúteo e todas aquelas que envolvem tornozelo e pé. "Como na subida a tendência é correr na ponta do pé e não colocar o calcanhar em contato com o solo, há uma sobrecarga muito grande na região da panturrilha e consequentemente no tendão de Aquiles", diz Flávia. Já na descida, como a sobrecarga maior vai para o quadríceps, que trabalha de forma excêntrica (o músculo alonga antes de contrair para ter um maior ganho de força), as principais lesões são as de quadríceps e também de joelho.
CUIDADOS ESSENCIAIS, PARA NÃO SE MACHUCAR. Como toda atividade física que exige muito da musculatura, os riscos sempre existem. Mas há cuidados que podem ser observados para minimizar as chances de lesão. Além do treinamento específico da corrida, com ênfase em trabalhos de descida e subida, do alongamento e do fortalecimento direcionado para os músculos mais exigidos nessas provas, a fisioterapeuta Flávia Kurtz concorda com a técnica Cristina de Carvalho em relação à importância dos exercícios de pliometria como auxílio à preparação. "São muito pouco usados aqui no Brasil, mas são fundamentais para ganhar força aliada à resistência. O corredor de montanha precisa de explosão, mas precisa também ter resistência para conseguir manter isso nos trabalhos mais longos. É aí que funcionam bem exercícios de saltos seguidos de agachamento, saltitos laterais ou num pé só, saltos em degraus e outros", exemplifica.
Outro tipo de trabalho importante, principalmente para quem faz provas em trilhas, onde a irregularidade do terreno é constante e o atleta está sempre sujeito a lesões, é o de propriocepção, que são exercícios curtos de aceleração e desaceleração, de mudança de direção, realizados em solos estáveis ou instáveis, com os dois pés no chão ou apenas um. "Eles são preventivos e fundamentais porque ajudam a proteger as articulações de tornozelo, joelho, quadril", complementa a fisioterapeuta.
QUER SOFRER? PODE ESCOLHER!
15 de AGOSTO
>> K42 Bombinhas
Adventure Marathon. 42 km. Bombinhas, SC www.bombinhasrunners.com.br
26 de SETEMBRO
>> Desafio Pico do Itapeva
48 km. Campos do Jordão, SP
www.corpore.org.br
4 de OUTUBRO
>> Corrida da Serra da Graciosa
20 km em subida. Morretes, PR
www.procorrer.org.br
17 de OUTUBRO
>> Maratona de Revezamento Bertioga-Maresias
75 km (equipes de 3, 6 e 9)
Bertioga, SP
www.ciadeeventos.com.br
>> Mountain Do – Lagoa da Conceição
73 km (equipes de 2, 4 e 8)
Florianópolis, SC
www.mountaindo.com.br
24 e 25 de OUTUBRO
>> Desafio Praia e Trilhas
84 km (individual e equipe de 3)
Florianópolis, SC
www.ecofloripa.com
JANEIRO
>> Volta ao Cristo – 16 km
Poços de Caldas, MG
www.runnerbrasil.com.br
ABRIL
>> Mountain Do – Costão do Santinho
66 km (equipes de 2, 4 e 8)
Florianópolis, SC
www.mountaindo.com.br
>> Volta à Ilha
150 km (equipes de 2 e 8)
Florianópolis, SC
www.voltailha.com.br
MAIO
>> Ilhabela Terra e Mar
105 km (equipes de 5 a 7)
Ilhabela, SP
www.corpore.org.br
>> Desafio Castelhanos
48 km. Ilhabela, SP
www.corpore.org.br
JULHO
>> Desafio da Mata Atlântica
7,5 km em forte subida
Cubatão, SP
sat.grupoatribuna.com.br/triespo
>> Desafrio Urubici
50 km (individual e dupla)
Urubici, SC
www.ecofloripa.com