Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (329)

Lições que se aprende em uma prova de revezamento

 

Dizem que as corridas em revezamento surgiram no Japão (com o nome de ekiden) e de lá se espalharam para o mundo. A primeira prova teria ocorrido em 1917, na comemoração da transferência da capital de Kyoto para Tóquio, com os atletas percorrendo a distância de 508 km entre as duas cidades. No Brasil, especula-se que o primeiro tenha sido realizado em 1926, quando grupos de corredores saíram de São Paulo rumo ao Rio de Janeiro para assistir a posse do presidente Washington Luís no Palácio do Catete, na Cidade Maravilhosa. O certo é que hoje existem muitas opções de corridas em asfalto com a distância da maratona (42 km), ou metragens semelhantes, em que os atletas se dividem em duplas, quartetos e octetos (como o pioneiro Revezamento Pão de Açúcar, o Super 40, o Ayrton Senna Racing Day), provas de aventura, em percursos e distâncias variados, com trechos urbanos, trilhas e praias (como Volta à Ilha, Mountain Do e Bertioga-Maresias).

Esse ano fiz minha estréia na Volta à Ilha, revezamento de 150 km em Florianópolis, e conclui a prova com a sensação de que a modalidade traz muito mais do que alegria e superação momentâneas. E não só eu. É fácil encontrar "veteranos" – participantes que lá estiveram três, quatro, dez vezes – e "novatos" com um brilho nos olhos, garantindo presença em Floripa no ano seguinte.

O que desperta tanta vontade de fazer provas como essas? Da formação da equipe, passando pelas estratégias montadas, até a realização da corrida em si, tudo envolve o grupo. Pessoas com temperamentos diferentes, com ritmos diversos, alguns amigos de longa data, outros que se conhecem praticamente na hora… Também envolve responsabilidades e um jeito especial de extrair o melhor do que cada um tem a oferecer.

Você aprende muito com uma prova de revezamento. Com isso, pode melhorar sua perfomance em outra edição. Mas também tira lições para sua vida e, com elas, melhora o seu dia-a-dia. Confira a seguir nove bons ensinamentos da modalidade e anime-se para juntar seus amigos em uma próxima corrida.  

 

1) DEFINA OBJETIVOS. Sua equipe quer se divertir e completar a prova, pretende melhorar o tempo da edição passada ou a intenção é chegar entre os primeiros? E na sua vida, quais são os objetivos? O que existe de esforço pessoal e o que depende de outras pessoas para realizá-los? "Para alcançar o sucesso é indispensável ter aspirações. Com persistência e determinação no cumprimento de metas é possível conseguir um melhor desempenho", diz Kathleen Schienle, autora do livro Metas – Defina Objetivos e Supere Adversidades (Editora Senac). Ter em mente o que você quer certamente irá ajudá-lo a se organizar, a estabelecer estratégias, criar parcerias, a acelerar ou a diminuir quando preciso. Mas atenção: metas são importantes, porém não devem ser tão rígidas a ponto de não poderem ser mudadas no meio do caminho.

 

2) TRACE PLANOS E DEDIQUE-SE. Você tem um objetivo. É bom também saber como chegar lá. Os amigos ultramaratonistas Luciano Sauer e Brayner Ireno, de São Paulo, entendem bem o que é isso. Eles decidiram encarar o desafio da Volta à Ilha em dupla. "Foram quatro meses de planejamento e treinamentos específicos, coordenados pelo professor Emerson Vilela, para estarmos bem condicionados. Em dezembro de 2009 eu estava com sobrepeso (93 kg) e isto prejudicava os treinos mais fortes. Iniciei uma dieta orientada, cortando bebidas alcoólicas, doces, frituras e qualquer tipo de fast-food. Resultado: cheguei a Florianópolis com 85 kg", conta Luciano. "Encaramos dias com muito sol, outros com chuva e até tempestade, alguns com a presença do frio, treinos com vento contra e a favor. Corremos em montanhas, trilhas e em meio ao trânsito. Ao mesmo tempo tínhamos o nosso trabalho, sempre em ritmo acelerado", completa Brayner. De olho em seus objetivos, a dupla se organizou bem e contabilizou entre treinamento e prova cerca de 400 carboidratos em gel, 250 cápsulas de sal, 187 litros de água, nove quilos de suplemento endurox, três pares de tênis por atleta, oito camisetas, 16 meias, oito bermudas e quatro bonés. Pelos cálculos, eles correram 2.650 quilômetros em treinos – chegando a fazer a fazer 70 quilômetros em um único dia – e queimaram 252.900 calorias! Foram dias de dedicação, planejamento, suor e lágrimas. E eles chegaram lá: deram a volta na Ilha da Magia em 13h18.

 

3) É IMPORTANTE TER (OU SER) UM LÍDER. Em uma corrida de revezamento, é fundamental que a equipe tenha um líder, atuando como coordenador (ou capitão) do grupo. Seu trabalho começa muito antes da prova, com a distribuição dos trechos aos atletas e a organização de toda logística. Cabe a ele também ter sensibilidade para extrair dos outros corredores o melhor do que eles têm a dar. Um bom líder – acessível, justo, organizado, flexível, parceiro – faz toda a diferença no desenrolar do trabalho. "Assumi o posto de coordenadora mais pela facilidade que tinha para me comunicar com as pessoas e pelo fato de ter mais ‘tempo' para a organização da prova. Porém, todos colaboraram. Posso dizer que a liderança acabou sendo um trabalho conjunto", diz Carin Burin, da equipe MPR Energia Renovável, de São Paulo.

 

4) TENHA JOGO DE CINTURA. Minha equipe na Volta à Ilha, a Território Mountain Team, estava inscrita como um octeto na categoria aberta mista (três mulheres e cinco homens) e nosso objetivo era correr bem para não estourar o tempo limite de 13h45. Nossos planos começaram a ser traçados em fevereiro, com a formação de um grupo que desse conta do recado. Poucos dias antes da corrida, quando pelo regulamento já não era possível fazer qualquer substituição, uma das mulheres desistiu. O que fazer? Cancelar a participação? A organização nos deu uma alternativa: uma das duas atletas teria de dobrar trechos. Eu não tinha performance para tanto. Restou a nosso capitão George Volpão consultar a outra corredora, Jessiê Schypula. Professora de educação física de Curitiba e fera em corridas de aventura, já tendo participado de eventos como o Campeonato Mundial de Triathlon X-Terra no Havaí e Brasil Wild Extreme, ela prontamente respondeu: "Vamos lá!". Enquanto cada membro da Equipe Território correu cerca de 20 km, Jessiê finalizou sua participação com 38 km rodados. Mas esse não foi o único drible que tivemos que dar diante de um imprevisto. Já na prova, estacionados na Praia da Joaquina, aguardando a chegada de um de nossos atletas na areia, de repente alguém fecha o carro… com a chave dentro. Nosso outro veículo tinha de levar o próximo corredor ao posto de troca seguinte e, naquele instante, não poderia sair em busca de ajuda. Enquanto o capitão refazia os cálculos, de olho no cronômetro para ver o quanto de tempo teríamos para resolver o problema, um Google pelo celular nos salvou: arrumamos um chaveiro em Floripa, que em pouco mais de 15 minutos estava ali abrindo o carro. A lição: desesperar, jamais! No dia-a-dia, frente a uma dificuldade, procure manter a calma e busque alternativas. No final, de uma maneira ou de outra, tudo se resolve.

 

5) ACREDITE QUE SEU PLANO É POSSÍVEL. Quando o mundo parece conspirar contra – no nosso caso, chave trancada dentro do carro, um motor fervendo (sim, o outro veículo também deu sua rateada), corredor completando seu percurso e tendo de esperar 20 minutos no PC para entregar o bastão ao companheiro atrasado -, o lampejo de uma perspectiva positiva pode mudar tudo. Acreditar que podemos virar o jogo é força motora em uma corrida de revezamento e deveria estar mais presente em nosso dia-a-dia. Um dos momentos mais lindos na minha experiência da Volta à Ilha foi esse "renascer" da equipe. Já quase no final da tarde, um pouco abatidos com os cálculos da cronometragem que apontavam para uma desclassificação naquele momento, aguardávamos a chegada de Eliandro Padilha. Ele, que vinha de um período de treinos irregulares, cumpria um trecho difícil e não tínhamos muita certeza de que chegaria a tempo de encontrar o PC aberto. Eis que alguém o avista. Euforia geral: estávamos dentro ainda! O corredor seguinte, Eriston Schypula, "socou a bota" e recuperou preciosos minutos para a equipe que ganhou confiança e estímulo extra para continuar na luta contra o tempo.

 

6) CRIE PARCERIAS. Ajude e seja ajudado. Na Volta à Ilha, por um erro de cálculo ou desorganização, um corredor de outra equipe foi deixado para trás em um dos postos de revezamento. "Vocês estão indo para o PC 20? Podem me dar uma carona?", perguntou Daniel a um dos nossos corredores. Estávamos todos no mesmo barco, correndo contra o tempo. Claro que ajudamos. Outro exemplo de parceria, só que dessa vez dentro do meu próprio grupo, aconteceu na Praia do Campeche – 5 km da mais pura areia fofa, classificado como "muito difícil". Eu era a atleta da vez e temia pelo terreno que tinha à frente – sou uma corredora de asfalto. O nosso número 5, Cliverson Batista, forte que só ele, resolveu me acompanhar. E se não fosse por ele, por mais que estivesse me esforçando, eu certamente teria vacilado e desclassificado a equipe – cheguei ao PC seguinte faltando dois minutos para o posto ser recolhido! Atitudes como essas, na corrida ou fora dela, fortalecem você para sempre.

 

7)  APRENDA A LIDAR COM AS DIFERENÇAS. As pessoas são diferentes. Os "paces" no dia-a-dia são diferentes. Há que se ter muito jogo de cintura para conviver com os mais variados tipos que cruzam nossos caminhos. Por isso, uma corrida de revezamento é um excelente exercício de convivência e tolerância, estando nós entre velhos amigos ou conhecendo os integrantes do grupo pouco antes da largada. Afinal, a gente passa horas dentro de um carro, se alimentando do jeito que é possível, cansado, suado, com ansiedade a mil, muitas vezes cobrando e sendo cobrado. "Em nossa equipe, a maioria se conheceu depois de topar participar da prova. E foi muito interessante o encaixe, todos se deram muito bem e nossa união foi impressionante. A preocupação em ajudar os que estavam no seu trecho foi fundamental para terminarmos no tempo e todos bem. Tanto que já estamos programando a Volta à Ilha 2011! A prova é linda, mas com uma equipe unida e com pessoas legais, fica muito melhor", conta Carin Burin, cujo grupo competiu na categoria Participação A e concluiu a prova em 13h26.

 

8) VÁ ATÉ O FINAL. A noite caiu, a chuva apertou e os ânimos também se abalaram: apesar de todo o esforço da Equipe Território, da luta contra o relógio, da reação dramática no final da tarde, faltando três postos de troca para o final, ficamos sabendo que estávamos fora. Ou seja, o tempo que tínhamos para cumprir havia estourado e estávamos desclassificados. Não precisaríamos correr os trechos seguintes – bastava entrar em nossos carros e rumar para a chegada. "Começamos, vamos até o fim", disse Geison Soares Schmidt com ‘sangue nos olhos', como os corredores costumam bradar diante de uma difícil missão. Pareceu, então, que disputávamos as primeiras colocações, tamanha garra que os atletas finais imprimiram à corrida. Dificuldades e frustrações acontecem na vida, claro. O importante é não se deixar abater.

 

9) A VIDA PASSA DEPRESSA… DIVIRTA-SE! Foram 150 km, que alguns completaram em 8h36 (a campeã geral, a Equipe Paquetá Esportes Asics, de Porto Alegre) e outros em 16 horas. Mas uma coisa é certa: passou depressa para todo mundo. É legal correr, dar o sangue, brigar pelos primeiros lugares ou batalhar para se superar e ajudar a equipe, mas é fundamental se divertir durante o percurso. Porque a corrida e a vida passam em um piscar de olhos.

 

O SUCESSO DA VOLTA À ILHA

Em sua 15ª edição, a Volta à Ilha atingiu o limite técnico de participantes: 3.500 atletas. O diretor geral Carlos Duarte aponta alguns motivos que fazem a prova ser festejada por corredores de norte a sul do país:

1) Foi a primeira prova do gênero no Brasil.

2) Trata-se de uma corrida em equipe, o que promove um envolvimento muito grande entre grupos de amigos que treinam junto, que se encontram para um churrasco no final de semana ou até entre funcionários de uma empresa.

3) O boom das assessorias esportivas de São Paulo, nos últimos 10 anos, ocorreu junto com o crescimento da Volta à Ilha. As assessorias ajudaram a montar as equipes e estas equipes fortaleceram as assessorias.

4) É uma prova bem organizada, traçada com conhecimento técnico, sempre tendo como objetivo atender bem a todos participantes.

5) É realizada em um local de beleza ímpar, a ilha de Santa Catarina, onde fica parte de Florianópolis (a outra fica no continente).

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