Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (466)

Escolha bem o piso onde vai correr

Cientificamente não existe um consenso sobre a real influência dos pisos no surgimento de lesões. Alguns estudiosos acreditam que não há diferença entre eles. Outros, afirmam que as variações existem e devem ser consideradas para a prevenção das lesões. "A questão ainda é controversa no meio científico, principalmente com relação à metodologia utilizada em cada caso. Existem trabalhos que apontam a capacidade do organismo em se adaptar à nova superfície já no primeiro passo. Desta forma, portanto, os pisos não seriam causadores de lesões. Outras pesquisas demonstram diferenças entre as superfícies, principalmente nas variáveis de força e pressão. As diferenças são pequenas, mas a cumulatividade desta diferença é que pode ou não gerar o problema, associado a outros fatores", explica Vitor Tessutti, bacharel em esporte e integrante do Laboratório da Biomecânica do Movimento e da Postura Humana do Departamento de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP. Ele, inclusive, coordena um estudo que está comparando a corrida no asfalto, grama, concreto e borracha (pista de atletismo).

Os testes foram realizados com "corredores recreacionais", ou seja, aqueles que praticam o esporte com o objetivo de manter o bem-estar e a qualidade de vida, não como meio de sobrevivência. "O objetivo é identificar como os pisos podem influenciar na corrida, principalmente na questão das sobrecargas a que os pés são submetidos", conta Tessutti.

Segundo ele, basicamente o que vai diferenciar um piso de outro é a sua complacência (o contrário de rigidez) e a sua estabilidade. Tanto uma como outra característica podem ser favoráveis ou não a determinadas situações.

O especialista da USP teve um trabalho recentemente aprovado em um periódico de medicina esportiva da Austrália comparando a grama e o asfalto. "Encontramos diferenças consideráveis com relação à pressão que os pés fazem ao correr nestes pisos, principalmente na região externa do calcanhar. O piso mais rígido acabou provocando uma maior sobrecarga no calcanhar."

DESCOBERTAS DE IMPACTO. Impacto é a força que o solo "devolve" no momento de contato do pé com o solo. A cada toque do calcanhar no piso, parte desta força é recebida pelo corpo chegando até à cabeça, como uma onda. Quanto maior esta força, maior a necessidade do organismo em tentar absorvê-la, principalmente através da musculatura. A primeira estrutura corporal que recebe a maior parte deste golpe é o pé.

O impacto pode ser passivo (também chamado de primeiro pico da força de reação do solo) e ativo (segundo pico). O primeiro representa a força de reação que o organismo recebe passivamente, pois sua ação ocorre no momento de contato com o solo – até os primeiros 30 milissegundos de cada passo. "Neste curtíssimo espaço, não existe tempo hábil para os músculos serem acionados para tentar diminuir a magnitude desta força. Desta forma, o impacto atinge todos os tecidos (ósseo, ligamentar, tendíneo, muscular etc). Como não têm proteção, estes tecidos estão expostos a esta força", diz o professor Vitor Tessutti. O segundo pico corresponde à mesma força, em um momento  onde ocorre a propulsão. Esta é a fase onde os pés dos corredores passam a maior parte do tempo de sua interação com o solo. "Este é menos lesivo", completa o especialista.

No caso do impacto passivo, o que pode ajudar a diminuir o impacto é a escolha de um piso que não provoque uma força de reação elevada, mas a melhor opção é a utilização de um bom tênis, que poderá auxiliar na atenuação desta força, principalmente na velocidade em que ela ocorre. O grande papel do tênis é exatamente diminuir a velocidade de ocorrência do primeiro pico.

UM PISO PARA CADA OBJETIVO. É natural imaginar que quanto mais rígida for uma superfície, maior a tendência de causar lesões, principalmente se os treinos nesse piso forem freqüentes. "Aqui a 3ª Lei de Newton é a base para o entendimento. Ou seja, toda ação que for feita no piso será devolvida na mesma magnitude. No caso da corrida, se fossem dois corpos rígidos – a perna e o solo – a complicação para o organismo seria bem maior. Como temos o calçado, cujo material permite uma certa complacência, e a seqüência de articulações do pé, tornozelo, joelho e quadril, que realizam um restrito movimento após o contato do pé com o solo, esta magnitude não é a mesma. Mas no caso de uma superfície rígida, parte do sistema não cede ao toque. Assim, quanto mais rígida uma superfície, maior a força de reação do solo, portanto, maior a necessidade de amortecimento por parte do organismo", analisa Vitor Tessutti. Daí que se o organismo não for capaz de amortecer o impacto, maior a sobrecarga que as articulações terão que suportar – e maior as chances de problemas.

Qual seria, então, o melhor piso para treinar? Na verdade, segundo os especialistas, para cada objetivo se tem o mais adequado. Se a idéia, por exemplo, for melhorar o tempo, buscando performance, a melhor opção seria um piso mais estável e com uma maior rigidez, como asfalto ou concreto. Para um treino recuperativo, seria interessante um piso mais complacente, como a grama, principalmente para preservar estruturas articulares após uma prova ou treino muito intenso. Caso o corredor pretenda desenvolver a força, uma boa possibilidade é a utilização da areia fofa. "Mas vale lembrar que na areia fofa o principal problema é a exigência muscular que ela gera em grandes distâncias", diz Vitor Tessutti.

OS PRÓS E CONTRAS DE CADA PISO

Grama: Piso de característica macia, sua altura influencia o gasto energético e também o consumo de oxigênio (quanto mais alta, maior o consumo). Sua composição permite que ao pisar, o espaço entre as folhas e a terra sobre a qual está plantada seja um atenuador do impacto, além das próprias folhas que promovem o amortecimento. Sua desvantagem é a grande chance de existência de buracos, degraus em função das raízes das árvores, que podem causar lesões por traumas, principalmente a torção de tornozelo, e quedas.

Pista de atletismo: Composto por camadas de borracha que permitem certo amortecimento sem comprometer a propulsão. Piso seguro também em função de sua regularidade na superfície, diminuindo bastante as chances de algum trauma.

Esteira: Quando de boa qualidade possui um deck de madeira com apoios laterais, o que permite que essa estrutura ceda a cada passo, muito mais que qualquer piso, favorecendo o bom amortecimento. As mais modernas aliam apoios de borracha ao deck de madeira, que aumentam a resiliência do conjunto.

Cascalho (ou pedrisco): Permite uma grande dissipação do impacto em função das pedras não estarem fundidas como ocorre no concreto. Os movimentos das pedras ao serem pisadas fazem com que a força de reação de cada passo seja dissipada. A contrapartida é verdadeira no momento da propulsão, pois ao realizar o apoio nesta fase da pisada, parte desta força se dissipa pelo mesmo motivo anterior.

Areia: Quando fofa tem uma grande capacidade de absorção, mas ao mesmo tempo uma exigência muito grande no momento da propulsão. Deve ser utilizada quando se tem como objetivo o desenvolvimento da capacidade de força na corrida. Como amortece muito, o piso não devolve a força na mesma magnitude. E em função disto, na fase de propulsão, o corredor tem que compensar a falta de retorno da força, efetuando-a diretamente no piso, a cada passo – caso não o faça, fica impossível dar continuidade à corrida.

Terra batida: Piso de rigidez intermediária que também tem o risco da instabilidade em função da irregularidade da superfície.

Asfalto: Superfície mais utilizada para a corrida, de característica dura. A composição de várias camadas em sua construção permite um certo "amortecimento" comparado ao concreto. O principal cuidado que se deve ter é não realizar a corrida próxima ao meio-fio, que pode sobrecarregar as estruturas ligamentares dos tornozelos e joelhos, principalmente do membro que está mais perto da calçada, em função da inclinação, para escoamento das águas.

Concreto: O mais rígido dos pisos, pode apresentar rigidez 300 vezes maior em comparação com um piso de borracha, por exemplo. Não é dos mais indicados para a corrida, principalmente as longas.

O ESTUDO DA USP

O sistema utilizado pelo Laboratório da Biomecânica do Movimento e da Postura Humana da USP é chamado Pedar (e é da marca Novel). "Ele utiliza palmilhas (com sensores capacitivos) como meio de medição, e por este motivo é um aparelho que permite uma similaridade muito grande com a corrida que fazemos na rua", explica Vitor Tessutti.

Além disso, por ter uma tecnologia que proporciona a transmissão dos dados via radiofreqüência, promove maior liberdade de movimentos. Por este motivo também, permitiu que os pesquisadores efetuassem o estudo em ambiente de treino, não havendo necessidade de montar pisos diferenciados no laboratório. "Basicamente ele mede a pressão que o pé faz nestas palmilhas. Como elas são colocadas entre o pé e o calçado, medem a sobrecarga a que o pé é submetido. Apresentam ainda outras informações como a área que o pé utilizou em seu apoio, a forma como o passo está sendo realizado, pois podemos captar informações a cada 10 milissegundos, o tempo que o pé manteve-se em contato com o solo e outras variáveis relacionadas à pressão e a força", completa.

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