20 de setembro de 2024

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Notícias Perfil Fernanda Paradizo 3 de junho de 2023 (0) (1930)

ENTREVISTA: Marlei Willers, um dos destaques do Brasil na Maratona de Porto Alegre

Marlei Willers é com certeza uma das esperanças brasileiras na Maratona de Porto Alegre, que acontece neste domingo (04/06). Aos 45 anos e com apenas 5 anos  – isso mesmo! – dedicados à corrida, ela fará na capital gaúcha sua quarta maratona na carreira.

Ela estreou nos 42 km em 2022, com vitória na Maratona FILA, em agosto, e depois na Maratona de Curitiba, em novembro. Em abril deste ano, foi vice-campeã e melhor brasileira na Maratona de São Paulo.

Nascida em Planalto, Paraná, mas radicada em Morro Reuter, interior do Rio Grande do Sul, Marlei divide a programação intensa dos treinos com a cozinha, onde a “chef Marlei” comanda da garagem da sua casa a Preta Pastas, uma empresa própria de congelados.

Às vésperas da prova, entrevistamos a atleta, que contou detalhes de como começou na corrida, falou sobre as dificuldades que passou para se dedicar à modalidade e sobre sua expectativa para o domingo.

CONTRA-RELÓGIO: Como começou a correr?

Marlei
: Sempre fui esportista, mas comecei a correr por incentivo do meu primo, Elizeu, que entrou no mundo da corrida. Estava com quase 40 anos, minhas amigas estavam todas casadas, todas com filho. Eu estava numa posição financeira boa, num trabalho bacana e queria muito viajar e conhecer os lugares. Estava me sentindo muito sozinha. Como era do interior. Vi a Maratonas no Mundo, que é uma empresa de viagens de Porto Alegre e achei interessante. Comecei a interagir nesse universo meio que por acaso, para poder praticar uma atividade física e viajar.

CR: O que fazia antes? Qual seu passado esportivo?

Marlei
: Sempre estive muito perto do universo do esporte desde cedo. Acho que me preparei uma vida toda para aos 39 anos, quase 40, conseguir entrar nesse universo. Joguei futsal por quase 8 anos. Tudo o que tinha de esporte na escola e depois na faculdade sempre participei.

CR: Lembra da sua primeira corrida? E sua primeira vitória?

Marlei
: A primeira corrida a gente nunca esquece. A primeira oficial foi no final de 2017. Meu primo me inscreveu numa prova noturna de 5 km, com cerca de 1000 pessoas. Eu me senti um peixinho fora d’água. Nesse mesmo dia fui apresentada para o Júlio Pauleti, que é meu técnico, que me perguntou qual minha expectativa de prova. Como sou muito competitiva, fiz antes minhas caminhadas e minhas corridinhas. Caminhava 10 minutos e corria 10 minutos. Nunca tinha feito uma prova. Minha única preocupação ali era não me perder no trajeto porque tinha uma prova de 5 km e uma de 10 km. Eram muitas voltas e retornos. Estava muito nervosa. Não tinha relógio e nada na época. Só um tênis e uma camiseta. Fiz os 5 km em 23:28. Eu estava sentada, esperando a galera no frio. Um rapaz do grupo de corrida do Júlio perguntou: “Nossa, já terminou?” Eu pensei: “Meu deus, será que eu cortei caminho ou fiz algo que não deveria?” O pessoal começou a chegar e tinha um mural com todos os resultados. Meu primo falou “vamos lá ver seu resultado”. Olhou nas categorias e não viu meu nome. Achou estranho pelo meu tempo. E aí olhamos no resultado geral e foi uma festa. Na primeira prova, fui campeã geral nos 5 km. Eles estavam todos comemorando e eu não estava entendendo nada.  Nem sabia o que era campeã geral.

CR: Quando começou a se dedicar somente à corrida e como aconteceu a transição?

Marlei
: Na verdade, ainda não me dedico somente à corrida. Sou uma atleta amadora, com patrocínio que não me mantém. Tenho meu próprio negócio, sou empreendedora. Na metade de 2019, quando percebi que tinha uma performance bacana na corrida e podia alcançar voos mais altos, saí da empresa em que que trabalhava. Arrisquei tudo e abri meu próprio negócio, na minha casa. Hoje tenho a Preta Pastas, que é uma empresa pequena de produtos congelados. Faço lasanha, bolinhos, escondidinho, pizza integral. E revezo isso com meu treinamento de corrida.

Estava alcançando um patamar bom dentro da corrida, reconhecimento, com muitos feitos no ano de 2019 e chegou a pandemia. Fiquei 16 meses sem competir e a chance de patrocínio foi por água abaixo porque tudo parou. Já é uma luta para os atletas conseguirem patrocínio. Imagina eu, com 42 para  43 anos na época, do interior? Onde moro nada se escuta do universo da corrida. Não tem nenhuma pista na minha cidade. Eu me desloco todo dia para ir para uma cidade vizinha, que dá 5 km. Morro Reuter é uma cidade pequenininha, de 7 mil habitantes, não tem uma área plana para eu treinar. Não vivo exclusivamente da corrida. Eu me dedico 50% para a corrida e 50% para a Preta Pastas.

CR: E como é sua rotina de treino para conciliar com seu negócio?

Marlei
: Acordo todo dia às 4h10 da manhã.  Treino e volto para casa, me organizo para às 8h estar na cozinha. Trabalho das 8h ate meio-dia. Folgo ate à 1h. Volto para a cozinha e trabalho até umas 16h. E vou para minha segunda jornada, que divido na semana com quiropraxia, natação, trabalho de reforço na academia, nutricionista, massagem, estas coisas complementares além da corrida. Treino 7 vezes na semana e 2 vezes em 2 turnos. E assim vou me virando. Sou feliz com as duas coisas, até porque sei que comecei tarde e, em alta performance, o tempo é curto. Então estou estruturando a Preta Pastas para ter meu investimento para quando passar o tempo da corrida.

CR: Você entreou nos 42 km na Maratona FILA em agosto de 2022, já com vitória. Ano passado foi campeã da Maratona de Curitiba, em novembro, onde conseguiu seu melhor tempo (2:46). Este ano ainda foi vice na Maratona de São Paulo, onde declarou logo após a prova que Porto Alegre estava nos seus planos. Por que Porto Alegre?

Marlei: Porque é uma prova plana, é na minha casa, num ambiente que já estou acostumada. Não preciso ter o desgaste de viagem, o clima favorece e é uma prova em que a maioria dos atletas do Brasil busca rendimento. É onde vou tentar superar meu tempo. A FILA foi uma prova de 4 voltas.  Curitiba é uma das provas mais difíceis do Brasil e São Paulo também não é uma prova fácil. Porto Alegre é a prova para índice, para tempo.

CR: E como foi seu treinamento até chegar aqui?

Marlei: Eu me doei muito e me dediquei todos estes meses. Foram muitos km rodados, muito treinamento, muita dedicação, muito foco, muita disciplina e muita dificuldade no treinamento porque foi a primeira vez que fiz a base no verão. O treino no inverno me favorece na recuperação porque tenho toda a carga da corrida e depois trabalho o dia inteiro na cozinha. Faço um trabalho bem braçal, que exige bastante do físico. Sofri bastante assim nesse período, mas estou muito feliz e grata. Não tive nenhuma lesão e estou preparada para Porto Alegre. 

CR: Será sua estreia na Maratona de Porto Alegre? Você foi vice na meia em 2022, que é disputada em parte do circuito. O que espera da prova?

Marlei: É minha estreia. Correr em casa, além de trazer um grande orgulho, me traz uma alegria muito grande porque sei que estarei com toda minha torcida junto, me ajudando, me fortalecendo. Ano passado, na meia, foi uma das provas mais importantes no meu currículo de corredora. Foi onde consegui o índice para ser uma atleta de elite A. Fiz minha primeira meia em 1:18:28, abaixo de 1:20, o que me deu abertura e visibilidade para as provas maiores e para o universo da maratona.

Acho que vai ser uma prova que vai transbordar emoção porque sei que as pessoas têm muito carinho por mim, torcem e vibram. O esporte gaúcho estava muito carente de ter uma referência feminina na corrida de rua. Hoje, aos 45 anos, fico muito feliz em ser atleta e empreendedora, ser do Rio Grande do Sul e poder representar tanta gente e tantas mulheres, como minhas tias, minha mãe, a força da mulher brasileira. Com certeza, a prova promete muita emoção.

CR: Acha que está bem para conseguir uma boa marca?

Marlei: Este ano consegui me organizar e fui umas 4 ou 5 vezes para Porto Alegre, cerca de 1h ou 1h10 da minha cidade, para fazer um treino mais longo na orla, porque a região onde moro é muito montanhosa, para ganhar ritmo de treino. O que tenho para treinar é um percurso plano de 2,3 km mais ou menos. Lá eu faço praticamente todos os meus treinos, de 30, 32, 28, 26 km.

Estou bem preparada, tanto mente quanto corpo e coração. O objetivo principal é baixar minha marca, que é de 2h46 em Curitiba. Trabalhei em cima disso e, se Deus permitir, com certeza será uma grande prova.  

CR: O que você projeta ainda para 2023?

Marlei: Pretendo fazer mais três maratonas. Depois de Porto Alegre, farei Blumenau e depois volto para fazer a da FILA novamente. Curitiba é provável que vá fazer no segundo semestre também. Tenho um carinho enorme pelo pessoal de lá. Foi a prova que me consagrou e quero tentar me organizar para voltar. E este ano vou para São Silvestre também. Além disso, quero alavancar o projeto que começou na cidade de Dois Irmãos, que é uma escolinha de atletismo. Vou fazer tudo o que puder para ajudar a divulgar e fazer mais este trabalho na escola com as crianças para não acontecer o que aconteceu comigo, que somente perto dos 40 anos descobri o dom que eu tinha para a corrida.

Quero também cuidar da minha marca, apresentar os meus produtos. Um corpo são tem que ser bem alimentado também. Esse é um projeto da Preta Pastas, de levar para a vida comida de qualidade, feita com muito carinho, com produtos de qualidade, sem conservantes, sem corante, sem produto químico, aquela comida de vó e de mãe que eu aprendi lá quando eu morava no interior do Paraná aos 10, 12 anos.

CR: Como você encara tudo isso que aconteceu na sua vida até chegar aqui?

Marlei: Eu corri cinco anos sem ganhar nada, só tirando do meu bolso, só investindo. E só agora que esse valor financeiro gasto ao acabou voltando pra mim. Com certeza, tenho um propósito na minha vida. Passei por muita dificuldade e para estar aqui não foi fácil. Sempre tive boas pessoas do meu lado. Investi o que eu tinha e o que não tinha. Muitas vezes chorei de desespero porque as contas vinham e eu não tinha dinheiro. Quando fiz o acerto na empresa que eu trabalhava, eu tinha 45 mil. Coloquei na Poupança e assim foi indo para pagar provas e fazer as coisas. Nunca vou me esquecer de quando ganhei em Curitiba. Passei a linha de chegada, abracei meu técnico, Júlio, que está comigo desde o começo, e disse: “Hoje eu recuperei todo o dinheiro que investi nestes cinco anos”. Deus sempre é maior. As coisas não estão acontecendo por acaso. Tudo o que está acontecendo, além de ter muito entrega, tem muito do coração. Eu amo tudo o que faço.



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