Especial contrarelogioadm 26 de novembro de 2017 (0) (149)

Em Porto Alegre, correndo por dois

A corrida por sua essência é um esporte individual em grande parte do tempo. Em alguns momentos, entretanto, torna-se muito coletivo. Tanto que a história sobre a "minha prova inesquecível" desta edição, por exemplo, tem quatro pés, dois corações literalmente e muita amizade, envolvendo muito mais do que apenas duas pessoas. Um susto, uma doença grave, o risco de morte, a recuperação, a decisão de fazer 42 km e a comemoração, a alegria e o choro na última Maratona de Porto Alegre. Essa história envolve o treinador e assinante da CR Fábio Zanoli e sua aluna e amiga Daniela Sasaki, ambos do interior de Minas Gerais. Mas nada melhor do que os dois para descrever como tudo aconteceu.

Um susto "interrompe" o sonho da primeira maratona…
"Moro em Patos de Minas, sou professor de Educação Física e treinador de corrida de rua, mas nunca tinha participado de uma maratona. Aos 42 anos de idade, resolvi que seria o momento perfeito para buscar os tão sonhados 42,2 km que a maioria dos corredores almeja.
Pesquisando as provas, escolhi a de Porto Alegre para concretizar essa meta, com a inscrição feita no dia 2 de janeiro deste ano. A partir desse momento, elaborei a minha periodização e iniciei os treinamentos, mas como estava no mês de janeiro ainda e iria viajar no Carnaval, organizei o planejamento para que os longões de maior volume tivessem início após o feriado.
Na Terça de Carnaval, dia 28 de fevereiro, já em casa após a viagem com a família, começou uma dor no peito bem estranha, algo que nunca havia sentido. Como não diminuía, chamei a minha esposa e fomos diretamente ao hospital. Após exames preliminares, fui prontamente internado para que pela manhã fosse realizada uma análise mais específica.
Então, veio a bomba: diagnóstico de um aneurisma da aorta ascendente e dissecção aórtica tipo A de Stanford, um problema realmente grave e que necessitaria de uma cirurgia de emergência de bastante risco, e que seria feita naquela tarde mesmo, devido à possibilidade de morte que estava correndo. Somente depois da cirurgia fiquei sabendo que apenas 10% dos pacientes que passam por esse problema sobrevivem!
Entrei na sala cirúrgica ao meio-dia e os procedimentos só terminaram às 21h. A operação, comandada por um cirurgião coincidentemente corredor, foi um sucesso. Em dois dias, eu deixava o CTI e ia para o quarto. Por causa das minhas boas condições de saúde pela prática esportiva, em mais uma semana fui para casa.
A recuperação segue muito boa, mas o sonho de correr a minha primeira maratona foi interrompido. Ou melhor, a história mudou. Nesse momento entra na história a minha aluna Daniela Sasaki, que correu por mim e literalmente me levou nas costas (correndo com o meu número afixado nas costas). Mas essa parte é ela quem vai contar."

O maior prêmio eu já havia ganhado: meu amigo de volta!
"Acredito que boa parte dos corredores tem uma história de corrida inesquecível para contar. De superação e de conquistas pessoais. Comigo não foi diferente. Moro em São Gotardo e comecei a correr há três anos, tentando sair do sobrepeso causado por três gestações. Até aí, uma história comum e que se confunde com a de milhares de corredoras da minha idade (35 anos na época).
Por indicação de uma amiga, procurei um profissional da área para iniciar os treinamentos de corrida. Ela me apresentou ao Fábio Zanoli, em março de 2016, e encontrei na equipe dele uma espécie de família, onde o Fábio fazia o papel de pai, sempre incentivando a todos.
Como todo amador, sempre tive o sonho de um dia concluir uma maratona e o Fábio já havia me dito que eu tinha o psicológico forte para tal, só precisava de treinamento específico, mas isso para mim era um sonho ainda muito distante.
Porém, na última Quarta-feira de Cinzas, logo pela manhã, fui acordada com a triste notícia de que meu treinador havia sido internado com um quadro bastante grave. Foi angustiante esperar pelo resultado da cirurgia. Tomada pelo desespero em perder não somente o treinador, como também um amigo, relatei aos companheiros de equipe naquele momento que, se o Fábio se recuperasse, faria a minha primeira maratona ainda em 2017. Qual não foi minha surpresa, ao receber algumas horas mais tarde, a feliz notícia de que ele havia acordado do coma.
No meio da tímida comemoração do grupo de WhatsApp da equipe (digo tímida porque o risco ainda era grande), um amigo me disse que já havia escolhido a prova para o cumprimento da promessa: Porto Alegre. O Fábio tinha se inscrito para essa mesma maratona, então decidi que iria representá-lo e correr com o número de peito dele também nas costas, para que de uma forma simbólica ele pudesse estar presente.
Me inscrevi prontamente em PoA. Quando ele soube, ficou preocupado com o prazo (estávamos em março e a prova seria no dia 11 de junho), pois sabia que eu teria pouco tempo para me preparar. Levada pela emoção e pela alegria da recuperação dele, parti para os treinos, sempre sob comando do treinador, que mesmo debilitado fez questão de acompanhar meu desenvolvimento e montar todas as planilhas. Prometi então que não somente completaria o percurso, como também traria uma medalha para ele.
Larguei com a serenidade de quem estava ali apenas para participar e não competir. Curti cada passada com uma alegria imensa e com a certeza de que cumpriria a promessa. Senti dificuldades, dores e fadiga como qualquer corredor, mas na minha cabeça só existia uma voz dizendo: ‘Você tem de completar'.
Próximo ao km 41, liguei para o meu amigo Chico (aquele mesmo que me ‘sugeriu' a Maratona de Porto Alegre) e pedi que fosse me encontrar, porque sabia que ele já havia cruzado a linha de chegada. Então, ele veio ao meu encontro e, assim, juntos, terminamos os últimos 1.195 m com o tempo de 4h18. Foi de uma emoção indescritível. Chorei feito uma criança, abraçada aos companheiros de equipe que lá estavam.
E tinha um pouco mais. Dois dias após a prova, o Fábio me enviou uma mensagem atentando para algo ainda mais emocionante e perturbador: os nossos números de peito. Ele fez a inscrição dele em janeiro e eu, em março. Porém, os nossos números eram seguidos!
Cruzar a linha de chegada, cumprir a promessa, colocar a medalha no peito foi algo esplendoroso, mas o maior prêmio eu já havia ganhado: meu amigo de volta!"

 

Conte a sua história

Quer participar da seção "Minha Prova Inesquecível"? Queremos ouvir a sua história. Não precisa ser somente de performance, desempenho ou recordes pessoais. Como mostraram Fábio Zanoli e Daniela Sasaki, a corrida é muito mais do que somente números. O espaço está aberto para o relato de histórias relacionadas a um evento. Entre em contato pelo e-mail andre@novosite.contrarelogio.com.br ou deixe uma mensagem na página da revista no Facebook.

 

Minha corrida "esquecível"

Uma das provas mais marcantes para mim foi a primeira maratona, em Blumenau 1992, quando completei em 3:04:30, aos 45 anos, meu recorde na distância deste então. No ano seguinte novamente estava lá (não havia muitas opções no Brasil naquela época), mas desta vez ela representou uma prova "esquecível". O ônibus da equipe (da treinadora Silvana Cole) se perdeu no caminho até Itajaí, onde acontecia a largada, e chegamos alguns minutos atrasados, sendo que não havia chip e, portanto, o que valia era o tempo do tiro de saída.
A meta de fechar os 42 km em menos de 3 horas foi por água abaixo, na medida em que largamos como uns doidos e sem saber muito bem como estava nosso tempo. No meio do caminho desisti de buscar resultado e acho que fechei em 3h07, bastante revoltado, uma vez que havia treinando muito bem desde o começo do ano para a maratona, que acontecia sempre no último domingo de julho. Tinha certeza que conseguiria meu objetivo, bastando lembrar um dos treinos finais (este sim inesquecível), em que fiz 6 tiros de 3 km, todos abaixo de 12 minutos, com rápido descanso entre eles.
Mas tudo bem, acabei seguindo em frente e mais de 40 maratonas já completei, no Brasil e lá fora. (Tomaz Lourenço)

 

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