Especial Performance e Saúde Redação 8 de abril de 2012 (1) (317)

Dilema de corredor

A história é conhecida: você inicia os treinos para emagrecer, começa a tomar gosto pelo esporte e aí a corrida se torna um prazer. Mais do que isso: vira um vício. Os amigos lhe chamam para a balada, mas você começa a recusar. Afinal, tem que treinar cedo no dia seguinte ou participar de uma prova. Quando aceita o convite, arrepende-se, pois aqueles chopinhos, antes inocentes, lhe fizeram se arrastar pelos poucos quilômetros que conseguiu cumprir.  É aí que tem início um dilema mais do que comum para os atletas amadores: até que ponto abrir mão da vida social para atingir as metas na corrida?

A corredora e nutricionista esportiva Anna Lou Hathaway é categórica ao enfatizar a importância da conhecida tríade "treino-alimentação-descanso" para uma boa evolução no esporte. "O atleta amador tem que equilibrar a vida social, a alimentação e o descanso. Quem sai à noite e tem que acordar cedo para treinar não vai ter o mesmo rendimento", orienta.  Mas a grande vilã mesmo, segundo a nutricionista, é a famosa cerveja.

Ao cuidar da alimentação dos atletas de uma assessoria esportiva em Brasília, Anna Lou sabe bem as dificuldades em lidar com a vida social dos seus corredores. "Tem uma galera que não abre mão da vida social associada à bebida alcoólica. Treinam muito, nadam, correm, fazem musculação, mas não perdem peso porque não deixam de lado a cerveja. A bebida alcoólica é muito calórica e atrapalha o controle de peso, e atleta pesado reduz seu rendimento. A recomendação para a performance é não beber. Isso é fato", afirma.

A orientação padrão durante a semana é uma dose de destilado ou duas de fermentado, o que, segundo Anna Lou, causa risos nos corredores, pois significa uma dose de vodca ou duas latinhas de cerveja. "Quem quer emagrecer, ou ir bem numa prova, segue a recomendação. Já quem está sem metas acaba bebendo", sublinha.

Além do álcool, os petiscos são as piores gorduras que o atleta pode ingerir. Fritura e gorduras saturada e hidrogenada fazem mal para a saúde em vários sentidos, principalmente para o sistema cardiovascular. "A gordura não é a melhor fonte de energia perto de uma prova e a digestão é mais lenta. Temos que dar preferência ao carboidrato. As gorduras que se pode ingerir são as insaturadas, como azeite, castanhas e abacate", explica.

 

CARTILHA DO EQUILÍBRIO. Um dos segredos para que o atleta não se torne um ermitão e possa conciliar bem o lado social com o esportivo está no treino em fases. O programa de treinamento passa a ter como referência as provas-alvo, com os respectivos intervalos de descanso.  "Se o corredor tem uma prova em que está querendo conseguir um bom resultado, ele precisa abdicar de dormir tarde, tomar álcool e comer besteira. Não precisa ficar anti-social o tempo todo, mas é preciso abrir mão da balada, especialmente na véspera da competição", esclarece Anna Lou. 

Os corredores Adriana Zeredo, 41 anos, e Ricardo Dayan, 40, seguem a cartilha do equilíbrio. Estreante na corrida, Adriana viu sua vida social mudar, ao passar a treinar diariamente, fazer musculação, dança e ginástica localizada. Apesar de garantir que a corrida de rua não a impede de sair para dançar ou frequentar festas e restaurantes, Adriana já contabiliza situações nas quais os compromissos sociais entraram em conflito com o esporte. "Fiquei no aniversário de uma amiga até as 4h da manhã e tive que acordar às 6h30 para me preparar para correr. Era uma prova da qual queria muito participar, mas acabei me arrastando até o fim. Ao chegar em casa, tomei banho e praticamente desmaiei na cama. Acordei só às 14h, morrendo de fome. Outra vez uma amiga adiou uma reuniãozinha porque eu não poderia participar devido ao treino para a São Silvestre", relata a corredora. Os amigos, por sua vez, acham que ela tem levado a corrida "muito a sério". "Quando não dá para conciliar interesses, minha prioridade é o treino, porque correr hoje é parte importante da minha vida", diz.

Mais experiente nos desafios do esporte, Ricardo Dayan  corredor há 15 anos, é do tipo focado. Com o tempo de 44 minutos nos 10 km e 1h42 na meia-maratona, Ricardo prioriza as provas-alvo e dedica-se a elas integralmente. "Se for uma corrida importante, abro mão de tudo. O mês anterior é de concentração, dieta balanceada e treino programado". Para ele, a questão é de metas: "Se a prova conta para o ranking, por exemplo, não tomo bebida alcoólica. Não sendo assim tão importante, equilibro os treinos com o lado social, sempre com moderação", salienta.    

 

CERVEJA E ÁGUA. As saídas noturnas são baseadas em limites e controle. "Tomo no máximo quatro latas de cerveja, sempre alternando com água", conta. Qualquer diferença disso ele garante sentir na prática: "O organismo não aceita o excesso", diz.  Para Anna Lou, Ricardo é um bom exemplo de que a conciliação entre treinos e vida social garante bons resultados. "Se você bebe no dia anterior a uma prova vai ficar mais fraco, sua performance vai diminuir, além do risco de lesões aumentar. Isso porque a bebida alcoólica desidrata o organismo, causando fraqueza muscular. O álcool espolia micronutrientes", afirma. Por isso ela considera correto programar a balada em função dos treinos. "Se o dia de descanso é domingo, sábado é um dia liberado para beber", diz. 

Muitos corredores optam por treinar numa assessoria esportiva justamente pela vida social que ela pode proporcionar. Mas quem se une a um grupo de corrida está se unindo a um estilo de vida, que inclui restrições na vida noturna justamente em função dos treinos. "Faz a gente abdicar sem sofrimento", diz Anna Lou. Ela própria abre mão. "Em véspera de treino não me chamem para sair. Opto por programas não muito tarde e mais leves. O próprio corpo impõe o limite", afirma.

O que é terminantemente proibido, segundo a nutricionista, é concluir uma prova ou treino longo e ir direto para o bar, coisa que muitos corredores fazem. "Isso é muito ruim. Além da desidratação causada pela corrida, a bebida vai desidratar ainda mais. O correto, se o atleta quer muito beber após a prova, é se reidratar com água e isotônico, se alimentar com carboidrato e proteína, e só depois tomar bebida alcoólica", orienta. O melhor mesmo, segundo ela, é não beber no dia da prova, mas deixar isso para um ou dois dias após. Por isso sugere que, ao viajar para uma prova fora de sua cidade, é bom reservar uns dias para curtir depois do evento.  "Na Maratona de Berlim (da qual participou em 2011) oferecem cerveja ao final, mas é sem álcool, ou seja, o prejuízo é menor, pois pelo menos tem carboidrato, mas não álcool", conta Anna Lou, que no dia seguinte à maratona foi com outros 20 participantes para a Oktoberfest, em Munique.

 

DIVERSÃO EM 1º LUGAR. Como toda regra tem sua exceção, o corredor José Edmilson da Silva, 48 anos, é um exemplo de que a cervejinha diária nem sempre é vilã na vida do atleta. Corredor desde os 17 anos, mas somente há três dedicado aos treinos e provas, Edmilson não abre mão da cerveja, que bebe quase todos os dias. Para ele, é rotina sair do trabalho e ir a um barzinho com os amigos. "Vou deixar de me divertir para correr? Sair com os amigos é a melhor coisa que tem", diz.  A questão é que Edmilson faz 10 km em 42 minutos e tem várias meias-maratonas no currículo. A última, a Golden Four Asics em Brasília, completou em 1h37.

Histórias de baladas em vésperas de prova não lhe faltam. Em 2009, na véspera de um revezamento de 21 km em Brasília, Edmilson diz que extrapolou. "Cheguei quase às 5h da manhã e às 7h fui para o revezamento no autódromo, mas acabei correndo os 21 km sozinho", conta. O resultado foram 15 minutos a mais no tempo normal de prova e muita sede, mas nenhuma dor na consciência. 

Como Edmilson treina pela manhã, não dorme tarde. Ajuda também o fato de ele não gostar de petiscos. Com 1,83 m e 79 kg, ele se considera no peso adequado. "Minha vida social não interfere no meu desempenho. Não tenho interesse em ser elite. Mas para ser sub 40 no Desafio da Caixa-Contra-Relógio, por exemplo, teria que parar totalmente com a cerveja", reconhece.

E apesar da orientação contrária, Edmilson é daqueles que sai da prova com a medalha no peito e vai direto com os amigos tomar a cervejinha. Apesar dos happy hours quase diários, Edmilson se orgulha de ter sido o segundo colocado no ranking do Cordf (Corredores de Rua do Distrito Federal), na sua faixa etária (45 a 49 anos).

Já o dedicado Ricardo tem no currículo apenas uma saída da linha, e diz ter pago caro por ela. Foi na Volta da Pampulha, em 2010, quando o grupo em que estava foi na sexta à noite para um restaurante, seguido de boate, e chegaram depois das 4 h da manhã. "Bebi no limite, mas o descanso não foi suficiente. Apesar da prova só ser no domingo, a partir do 10º km tive que andar. Sabia que era o efeito da sexta-feira. Não fiquei com remorso, mas senti a consequência. Cruzei a linha de chegada trotando", relembra.  

Ele também é adepto da cerveja com os amigos para comemorar as grandes provas, como a Meia do Rio e a São Silvestre, mas sempre seguindo a cartilha: primeiro a hidratação, seguida da alimentação. "Depois, vale até ir para o samba que não há conseqüências. Não largo nem o social, nem o esportivo. Os dois lados são importantes", diz Ricardo.

 

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One Comment on “Dilema de corredor

  1. Sou corredor amador e gosto de correr , mas as vezes tomo uma cerva e me arrependo , no outro dia vou correr e falo para mim não vou mais tom ar cerva , tem época que fico só no refri de leve.

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