
POR THAMARA PAIVA | @thamspaiva
Imagine correr 118 maratonas em 52 dias. Cerca de 95 km por dia em volta de um quarteirão de menos de 1 km (0.5484 milhas). Foi nessa jornada que dez atletas de nove países diferentes embarcaram do dia 30 de agosto, primeiro dia da corrida de Autotranscendência 3.100 milhas, fundada pelo professor espiritual Sri Chinmoy, no Queens, em Nova York. É a corrida de rua certificada mais longa do mundo, com percurso aferido pela USATrack & Field (USATF).
Nesta prova, os corredores são desafiados a todo momento em todos os sentidos: física, mental e espiritualmente. Os motivos que os fazem estar ali vão muito além de algo tangível, já que os únicos prêmios aos vencedores são um troféu, uma camiseta e aplausos de quem está na linha de chegada.
“O nome da corrida diz tudo. Autotranscendência significa ir além dos seus próprios limites para melhorar a si mesmo. Você se torna um corredor melhor, mas também um ser humano melhor. Você pode se tornar mais capaz de ampliar suas habilidades em qualquer área da vida”, afirma o italiano Andrea Marcato, vencedor da corrida em cinco edições e que este ano participa pela sexta vez. Seu melhor tempo é de 42 dias 17 horas 38 minutos.

O percurso fica aberto 18 horas por dia, das 6h da manhã à meia-noite, quando há uma pausa obrigatória de seis horas para todos os corredores. Durante o horário da corrida, cada atleta tem sua estratégia, alguns escolhem correr continuamente, mas a maioria faz pausas para caminhadas, alimentação, massagens e até cochilos. É possível ainda terminar o dia mais cedo, antes da meia noite, mas cada um possui sua meta para se manter acima do total diário necessário para concluir a distância dentro dos 52 dias.
Organizada pelo Sri Chinmoy Marathon Team, que possui mais de 40 anos de experiência na organização de ultramaratonas no mundo todo, esta é a 29ª edição da corrida de 3.100 milhas. Sri Chinmoy (1931-2007), fundador da corrida, era um professor espiritual, artista, músico, poeta e humanitário. Ele também dava grande ênfase à aptidão física e à autotranscendência do espírito humano diante das adversidades. Conceito simples de sempre se esforçar para superar os próprios limites, que todas as corridas, especialmente as de ultra distância, incorporam completamente.
“Me sinto muito honrado por ser o diretor do Sri Chinmoy Marathon Team. Tenho a oportunidade de participar da visão de Sri Chnimoy sobre a autotranscendência de uma forma muito real e tangível. As corridas, especialmente a de 3.100 milhas, têm como objetivo ir além da sua capacidade, ultrapassar o que você acredita ser capaz de fazer. Tento viver com o coração e não dar ouvidos à mente duvidosa, e a corrida oferece amplas oportunidades para fazer isso”, relata Rupantar LaRusso, diretor da prova.
Para participar das 3100 milhas, além de ter experiência em ultramaratonas, cada pessoa sabe quando é a hora certa de mergulhar no “Monte Everest das ultramaratonas”, como essa prova foi apelidada. Foi o que aconteceu com o americano Alex Ramsey, que está participando pela primeira vez. “Sinto que a inspiração [para participar da prova] despertou no meu coração há cerca de 10 anos. E, ao longo desse tempo, sinto que o meu coração se abriu cada vez mais à ideia”, conta.
Em ultramaratonas é comum que a mente comece a calcular a distância, as horas, os dias. Para evitar isso, ele compartilhou uma experiência que teve uma prova de dez dias que participou: “Havia um livro de Sri Chinmoy na área comum para os corredores, e eu estava passando por um momento muito difícil naquela época. Eu me lembro de abri-lo e ver uma mensagem muito bonita e profunda, na qual Sri Chinmoy compartilhava que temos a oportunidade de vivenciar um momento, de uma perspectiva positiva ou negativa. Cabe a nós decidirmos com qual delas queremos nos identificar. Naquele momento, minha mente estava tão pesada tentando calcular, que ler aquilo ajudou a remodelar minha perspectiva para ter que vivenciar a felicidade no momento e simplesmente aceitar o que quer que aconteça. E vivenciar isso com alegria.”

Esta é a 21ª vez que o eslovaco Ananda-Lahari Zuscin largou na prova, tendo completado a distância seis vezes. Em entrevista durante a edição de 2024 ele diz que essa prova não é sobre exercício físico, mas sim sobre disciplina, devoção. É uma jornada física que está conectada com a jornada interior. “Esta corrida realmente me ajuda a trazer à tona os momentos especiais da vida. Aqui fica mais evidente que cada momento é sagrado e precioso e é também uma oportunidade para crescer como pessoa, para ser uma pessoa melhor e ter mais gratidão, humildade e pureza, e estou muito grato por isso”.

Dez corredores de nove países diferentes, como Nova Zelândia, Polônia, Rússia, Romênia, Itália, Eslováquia, China, Estados Unidos e República Tcheca, estão na prova. Entre eles duas são mulheres: Harita Davies, da Nova Zelândia, está participando pela quinta vez, com seu recorde no percurso de 50 dias 13 horas 23 minutos, recorde nacional da Nova Zelândia; e Daniela Bojilla, da Itália, que faz pela primeira vez. Até esta edição nenhum atleta brasileiro participou da prova.

Embora a corrida tenha oficialmente 3.100 milhas, após completarem essa distância, a maioria dos corredores continua correndo mais treze voltas extras necessárias para completar 5.000 km.



