20 de setembro de 2024

Contato

Especial admin 6 de dezembro de 2010 (0) (310)

Desistir em uma maratona não é o fim do mundo

Atletas profissionais vivem isso a todo momento. Para eles, desistir de ir adiante, por problemas de lesão ou mesmo quando as metas ficam longe de ser atingidas, significa claramente se poupar de um esforço maior, que poderá prejudicá-lo no restante da temporada. Ir até o final, custe o que custar, muitas vezes não levará a nada. No entanto, mesmo entre profissionais, parar numa competição não é algo assim tão simples de administrar. E, quanto mais dedicação e empenho para se preparar, muito pior pode ser para a cabeça. O arrependimento após o acontecido é algo que muitas vezes pode afetar psicologicamente o corredor por algum tempo, mesmo que ele tenha real certeza de que naquele momento era a melhor coisa a ser feita.

Quem já viveu essa experiência foi o atleta Adriano Bastos, que parou em duas maratonas seguidas no ano passado (Foz do Iguaçu e Curitiba) e confessa que nas duas situações teve que colocar a cabeça no lugar para conseguir retomar os treinos. "Em Foz, desisti no km 28 por exaustão total", lembra o atleta, que saiu da corrida com a sensação de que deveria ter se preparado melhor para uma prova tão difícil e com tantas subidas. Outro fator que Bastos acredita ter sido decisivo para parar na prova foi ter largado num ritmo muito forte para as reais condições de clima e percurso. "É uma sensação muito ruim, de vazio e angústia. Comecei a pensar também nas pessoas que tanto torciam para que eu fosse bem na prova e que não me veriam chegando ou não veriam meu nome na relação dos primeiros colocados. Foi como se eu ficasse devendo algo para mim mesmo e para aqueles que acompanham minha carreira", lembra o atleta, que, terminada a prova, percebeu pelos resultados que poderia ter pelo menos ficado entre os cinco primeiros. No entanto, era tarde demais para se arrepender.

Outra situação vivida pouco tempo depois por Bastos, quando parou no km 15 da Maratona de Curitiba, foi completamente diferente, até porque pouco mais de um mês depois estaria em jogo a tentativa do heptacampeonato da Disney. "Ali achei que fiz a coisa certa, embora tenha ficado com a mesma sensação de frustração. Eu não estava me sentindo bem e, desde os primeiros quilômetros percebi claramente a força que eu estava fazendo para correr num ritmo mais lento do que normalmente eu correria", conta o atleta, que diz que o psicológico também começou a pesar, uma vez que passou a ver à sua frente corredores que em circunstâncias normais deveriam estar atrás. A grande dificuldade para Adriano foi trotar de volta no sentido contrário e ter que dar a satisfação a todos os corredores que acreditavam num pódio seu. "Eu ia respondendo aos acenos, às palavras de motivação. Tudo que eu conseguia falar era ‘hoje não deu, quebrei'. Mas internamente eu estava totalmente angustiado, com vontade de chorar." Embora tenha sentido dificuldades de voltar aos treinos depois desse episódio, a recompensa veio. Bastos foi heptacampeão da Maratona Disney.

 

PARAR, PARA MELHORAR. Muitas vezes é exatamente isso que acontece com os corredores que desistem de uma maratona. Uma "parada" hoje acaba ajudando a projetar algo melhor para o futuro. E, se a recompensa vem depois, o gostinho da vitória pode ser até melhor. A gaúcha Paula Brunetti, atleta e gestora de marketing e comunicação, viveu uma situação desse tipo. Acostumada a freqüentar pódios nas suas 22 maratonas, com recorde pessoal 3:00:14, Paula já parou em duas maratonas: Porto Alegre e Florianópolis. Embora na maratona gaúcha a atleta tivesse planos de ir apenas até os 36 km, já que estava utilizando a prova como um treino, ela confessa que a decisão de parar na sua cidade foi muito difícil, principalmente porque estava num ritmo bom, para fechar a maratona em 3h01. Mas o objetivo principal da temporada era fazer São Paulo na semana seguinte, prova em que finalizou em 3h06, no tempo projetado ao longo dos treinamentos.

Já na outra experiência vivida por Paula, na desistência em Florianópolis, a 3 km do final, a frustração foi grande. "Passei muito mal. Comi algo que não me fez bem e vomitei umas cinco vezes durante o percurso. Mesmo faltando tão pouco, não tinha mais forças para dar um passo", lembra Paula, que se preparou três meses especificamente para a competição e estava em excelente forma para tentar sua primeira sub 3h. "Cometi um erro de principiante ao comer algo diferente no café da manhã do que estava acostumada. Na vida de um atleta, você tem que aproveitar o máximo sua boa fase, seu bom momento, pois nunca sabe quando vai ter uma nova oportunidade para fazer seu melhor tempo. Foi algo muito difícil de esquecer, além de outra questão complicada de administrar, segundo Paula, que é ter que ficar explicando às pessoas o que aconteceu, o que reforça ainda mais a má lembrança.

 

QUEBRA EM SP, RECORDE EM PUNTA. O administrador de empresas paulista Fernando Antonio Pereira também foi outro corredor que viveu este ano a experiência de ter que desistir numa maratona. Depois de ter treinado com foco totalmente direcionado para a Maratona de São Paulo, desde o começo do ano, uma escolha errada ao final do planejamento fez com que seu sonho caísse por terra no km 25 da prova. Uma semana antes da maratona, Fernando "inventou" de fazer a Volta à Ilha, em Florianópolis, e acabou pagando o preço na semana seguinte. "Em Floripa, senti dores na panturrilha e passei a semana toda fazendo fisioterapia para não ter problemas", lembra Fernando, que até iniciou bem a prova, num ritmo bom, mas a partir do km 21 as coisas começaram a mudar. "Comecei a sentir muita dor, tentei mudar a pisada, diminuir o ritmo, mas nada adiantou. Quando cheguei ao km 25 não agüentei mais, parei e fiquei sentado na guia. Não tinha como continuar. Mal conseguia andar. A sensação foi de desapontamento total, uma grande frustração. Fiquei muito desanimado e com muita raiva de ter ido para Floripa uma semana antes." E abandonar uma maratona, em que todos aguardam ansiosamente pelo seu resultado, tem seu preço e Fernando, além de amargar seu insucesso, teve também seu momento de precisar dar explicações. "É muito chato isso. As pessoas acompanham todo o seu período de treino, com finais de semana acordando muito cedo e durante a semana treinando até às 22 horas. Quando você chega da prova, todos ficam perguntando como foi e você tem que dizer que parou e não agüentou.

Apesar da grande frustração, Fernando não demorou muito para traçar na seqüência outro objetivo que o mantivesse motivado a treinar. Por isso mesmo, o corredor logo na semana seguinte se inscreveu na Maratona do Rio de Janeiro, que aconteceria no mês seguinte e, nas suas contas, daria tempo suficiente para se recuperar e continuar a treinar. Depois de várias sessões de fisioterapia e treinos um pouco mais leves nesse período de recuperação, às vésperas da prova o paulista recebeu a notícia de que teria que viajar a trabalho para um congresso e não poderia estar presente na prova. "Mais uma vez veio a decepção. Tive que desistir sem ao menos começar a prova. Fiquei totalmente frustrado, mas recebi o apoio da minha família e da minha treinadora, Silvana Cole", lembra Fernando, que teve de buscar outra maratona próxima para manter acesa a vontade de treinar. A escolhida foi Punta del Este, no Uruguai. E a recompensa veio em forma de recorde pessoal, com 3h33, diminuindo em 15 minutos seu tempo em relação ao que era sua melhor marca nos 42 km. "Foi sensacional e valeu muito a pena toda a persistência; posso até ter parado em uma maratona, mas jamais desisti de fazer outra. E que venha a próxima."

Eduardo Aragão Machado, de São Paulo, também foi obrigado o desistir da Maratona de SP no ano passado por causa de uma lesão uma semana antes da prova. E justo na sua estréia nos 42 km. "Tive uma lesão na panturrilha na semana que antecede à maratona. Fiquei parado até o dia da prova e, quando comecei o aquecimento para a corrida, voltei a sentir, mas larguei mesmo assim", comenta Eduardo, que não conseguiu administrar a dor e teve que abandonar a maratona no km 22. A experiência na distância veio apenas no ano seguinte, quando Eduardo fez a maratona paulistana, terminando em 4h30. Apesar de toda a tristeza por ter parado na primeira estréia, Eduardo acredita que fez a coisa certa. "Treinei tanto para aquele momento e não deu certo. Foi muito difícil, mas não teve jeito. Não fiquei arrependido de ter desistido em 2009, mas sim de ter largado. Hoje só corro se estiver 100%."

 

COM LESÃO, O MELHOR A FAZER.Embora a decisão de parar depois de uma preparação específica seja sempre muito difícil, a maioria dos corredores que desistem acreditam que a decisão na hora tenha sido a mais acertada. É o caso do programador Fábio Rogério Silveira Namiuti, de São José dos Campos, que parou este ano na Maratona de Porto Alegre, na sua quarta experiência nos 42 km. "Comecei a sentir dores na virilha no km 13, consegui ir até o 23, passando perto do pórtico de chegada. Insisti um pouco mais e cheguei até o 26, mas acabei voltando, intercalando caminhada e trote", comenta Namiuti, lembrando que foi uma decisão muito difícil de ser tomada. "Tinha feito uma boa preparação, talvez a melhor de todas e estava bem treinado, motivado, num percurso que todos diziam ser o ideal para conquistar a melhor marca pessoal, já que largava em horário adequado, com condições climáticas favoráveis. Doeu muito ter que desistir, muito mais do que a lesão em si", diz o corredor, que acabou simulando uma ‘chegada' para não desapontar esposa e filho que o aguardavam ao final. No seu retorno aos treinos, Namiuti teve sua lesão tratada muito rapidamente e conseguiu emendar logo na seqüência um próximo desafio. "Juntei os cacos, voltei a treinar e, menos de dois meses depois, mantendo a base de treinos e o ‘apetite', estava fazendo a Maratona do Rio e conquistando nela o recorde que a virilha não permitiu em Porto Alegre."

 

SONHO ADIADO.  Embora sejam as lesões que tirem na maioria das vezes os corredores de uma prova, para o empresário catarinense Jorge Figueira da Silva, não foi bem isso que aconteceu. Animado com a possibilidade de correr sua primeira maratona em menos de 3h30, depois de 6 completadas, o corredor aproveitou uma viagem de negócios aos Estados Unidos e antecipou em quase um mês e meio seu planejamento de maratona para tentar realizar esse sonho. "Foi um erro porque eu não tinha terminado toda a seqüência do treinamento visando os 42 km. Vinha de uma semana intensa de treino e estava muito cansado do trabalho e também dos treinos. Acabei parando no km 32 porque percebi que ficaria um pouco acima do tempo que queria. Naquele momento, foi relativamente tranqüilo tomar a decisão porque considerei aquilo um treino longo de luxo e dali em diante meu objetivo principal viria logo depois", analisa Jorge, que acabou pagando o preço final na Maratona de Buenos Aires e até hoje tem isso engasgado na garganta. "Não consegui correr em Buenos Aires como esperava, quebrei e parei nos mesmos 32, acreditando que poderia ainda recuperar a forma e emendar uma outra maratona na seqüência, o que não aconteceu."

Hoje, passados três anos, Figueira, que ainda não realizou o sonho de finalizar os 42 km em menos de 3h30, se arrepende tanto de ter mudado o foco de uma hora para outra, como de não ter respeitado a periodização programada, além de considerar que deveria ter prosseguido na maratona disputada nos EUA. "Por incrível que pareça, já que a besteira tinha sido feita, hoje acho que deveria ter finalizado a prova, até porque, mesmo não conseguindo meu objetivo principal, eu acredito que teria condições de finalizar por volta de 3h35, que já seria meu recorde pessoal."

Veja também

Leave a comment