Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (150)

Corra no clima

O que é frio para você? 10°C para quem vive em São Paulo e vai encarar algumas horas em uma maratona é uma temperatura agradável? E se for para alguém como a mineira Maria Zeferina Baldaia que chegou em primeiro lugar na Maratona de São Paulo, usando manguito, luvas e gorro? Será que ela preferiria uma temperatura mais amena, na casa dos 20°C? A depender do seu condicionamento climático, o frio pode atrapalhar muito o desempenho. Ou não. Encontrar a temperatura ideal para correr é um assunto muito particular, mas, afirmam os especialistas, pode ser a receita de um excelente resultado.

O baiano André Luís Teixeira detestou participar da Meia-Maratona de São Bernardo do Campo, ano passado, quando a temperatura não passou dos 13° durante a prova e a fina garoa acompanhou os atletas durante todo o percurso. "Meu corpo não aquecia. Eu sentia dores e um desconforto para respirar. O nariz escorria e até beber água tornou-se um sacrifício. Além da quantidade de roupa que usei. Não tenho costume em usar tantos acessórios".

Mas o representante de vendas Jarbas Viana Pires, que morou em São Bernardo por quase 30 anos, já estava muito bem adaptado àquela temperatura e fez, na mesma prova, o melhor tempo de todas as meias que disputou, apesar de considerar o percurso mais difícil. "O clima frio e a garoa fina ajudaram muito no meu desempenho. Foi meu melhor resultado e aquela chuva fina caindo no corpo, durante o trajeto, foi providencial. Este ano quero repetir o feito e espero que esteja tão frio como ano passado", diz Pires que corre há dois anos.

Segundo Paulo Zogaib, médico especialista em medicina do esporte fisiologia do exercício, professor da Unifesp (Escola Paulista de Medicina) e coordenador do Centro de Medicina do Esporte do Hospital Sírio Libanês, o que acontece com o organismo, seja no frio ou no calor, é a diferença no mecanismo de transpiração. Em um ambiente mais frio o organismo não faz uma redistribuição do fluxo sanguíneo, não dilatando os vasos. Já no calor os vasos sanguíneos dilatam mais para a troca térmica entre a pele e o meio ambiente.

Como o ser humano é homeotérmico, ou seja, mantém a temperatura do corpo constante, é indiferente, do ponto de vista fisiológico, a temperatura ambiente. Mas, na prática, não funciona assim: "em ambientes mais frios o corpo tem dificuldade em manter a temperatura e produz menos energia, dificultando a perda de calor". Isso explica o sofrimento de Teixeira durante a Meia de São Bernardo.

ACLIMATIZAÇÃO. Tanto para correr no frio como no calor, a aclimatização, ou seja, submeter seu corpo às sensações térmicas de onde a prova será realizada, é a melhor maneira de minimizar os efeitos climáticos no seu desempenho durante a corrida. Isso é muito comum entre os jogadores de futebol, por exemplo, quando vão para uma partida em cidades de altitude. Na corrida o efeito é semelhante.

Segundo Lauter Nogueira, especialista em treinamento esportivo, seja no frio ou no calor o atleta deve se adaptar à temperatura na qual será realizada a competição. "Nosso corpo demora de 8 a 9 dias no frio e de 7a 8 dias, no calor, para se adaptar. Quando está quente é preciso fazer uma pré-hidratação e durante a prova se hidratar também, alternando entre água e isotônico. No frio o aquecimento é fundamental, assim como estar bem agasalhado".

Se um corredor brasileiro vai fazer a fria Maratona de Nova York, por exemplo, que pode ter uma largada com cerca de 5°C, ele tem de ir com antecedência de mais ou menos uma semana ou 10 dias para fazer a aclimatação, o que seria o ideal. Além de ter cuidado com as extremidades (dedos, nariz, orelha) protegendo essas partes do corpo com acessórios, como fez a baiana Marizete na Maratona de São Paulo, este ano.

Já para um curitibano realizar a Meia-Maratona da Bahia torna-se necessária também a aclimatização, mas, além disso, é muito importante o cuidado com a hidratação, alerta Zogaib. "Se em Curitiba ele perde 500 ml de água por hora, na Bahia essa perda ficará entre 800ml e 900 ml. Por isso, é preciso fazer uma reprogramação da reposição de líquidos".

Claudir Rodrigues, vencedor da Maratona de São Paulo deste ano, mesmo acostumado com o frio da cidade natal de Santa Maria (RS), fez aclimatização na última fase do treinamento na altitude de Campos do Jordão (SP). "Acho que o frio me ajudou, disse o tricampeão da Maratona de Porto Alegre, ao cruzar a linha de chegada, no dia 1° de junho, quando a temperatura batia na casa dos 14°C, em São Paulo.

Mesmo chegando em São Paulo com antecedência e fazendo um período de aclimatização, a atleta Maria Zeferina sentiu literalmente na pele os efeitos do frio para segurar a primeira posição na disputa. "A prova foi muito difícil, principalmente por causa do frio. Treino no calor de Sertãozinho (interior de São Paulo) e tive de correr de luvas e de meias especiais para agüentar", disse.

MUITO ALÉM DO FRIO. E se a temperatura fria já faz os ossos doerem, imagine encarar uma prova com ventos e chuva, como acontece em muitas competições ao redor do mundo, ou até mesmo como a prova de Porto Alegre neste ano ou de São Bernardo, no ano passado. Além do desconforto físico, Zogaib alerta para a falta de hidratação quando o clima mascara o esforço do exercício. "A chuva e vento contribuem para a perda de calor. Eles provocam uma sensação térmica mais agradável, enganando quem acha que não precisa se hidratar. Mas isso é errado e as pessoas devem se hidratar tanto com chuva como em temperaturas secas".

O médico e fisiologista Renato Lotufo, especializado em medicina do esporte e fisiologia do exercício e diretor do Instituto de Avaliação Física do Esporte (IAFE), ligado ao Instituto Cohen, explica que a velocidade do vento é um fator climático muito importante, pois altera o rendimento do atleta, tornado-se um obstáculo. Se o vento estiver muito forte o ideal é usar aqueles agasalhos que cortam o vento e ajudam a manter o corpo aquecido. Existem situações que mesmo agasalhado o atleta pode ter hipotermia (queda de temperatura do corpo). O fisiologista aconselha que o atleta aumente a reposição calórica em 10%. "Em provas com chuva, frio e vento se perde muito calor, por isso recomenda-se o uso de capas e roupas especiais".

Isso aconteceu com os corredores que participaram da 111ª Maratona de Boston, em 2007. Naquele ano, a prova teve a pior condição climática das últimas 37 edições da competição, o que fez muita gente deixar o planejamento de ritmo e metas de tempo para trás. A um passo do cancelamento pela organização, a maratona contou com ventos de até 60 km/h, umidade de 86% e uma temperatura de 9°C, ante os 25°C do ano anterior. Ou seja, muita gente, que passou o ano inteiro se planejando para uma prova climaticamente perfeita, foi surpreendida.

A QUESTÃO DA UMIDADE. "Correr no frio é mais fácil. Mas depende da umidade; se estiver muito seco as condições pioram", diz o diretor técnico da assessoria esportiva 4any1 Aullus Selmer. Essa afirmação do técnico é compartilhada com os médicos e especialistas no assunto: de fato, os grandes adversários dos atletas são o calor e a umidade relativa do ar.

Uma umidade muito baixa torna o ar seco, dificulta a respiração, seca as extremidades, racha os lábios. Já alta umidade relativa do ar dificulta a performance porque atrapalha a evaporação do suor, que é um mecanismo de equilíbrio térmico para o corpo. Segundo Lotufo, a umidade ideal para a realização da corrida é entre 50% e 60%.

NADA DE EXTREMOS. Em um clima muito frio pode acontecer a hipotermia, que é uma causa rara de colapso em atletas, mas pode ocorrer quando se permanece muito tempo em ambiente frio e úmido (a hipotermia é grave quando a temperatura corporal cai e chega a menos de 32°C). No calor os riscos são de desidratação, intoxicação pela água e o choque térmico que, na maioria dos casos, é fatal, explica Lotufo. Para ele, a temperatura ideal para o bom desenvolvimento do corpo humano na corrida é entre 12°C e 16°C, com uma umidade relativa do ar na casa dos 35% a 60%.

Para Adauto Domingues, treinador do clube BM&F Atletismo, com especialização pela IAAF (Federação Internacional de Atletismo) e técnico de Marilson Gomes, os extremos sempre atrapalham, seja muito calor ou muito frio. Além de ter de se preocupar com o condicionamento físico, o corredor ainda tem de pensar nos acessórios e roupas diferentes às que está acostumado quando vai encarar um desafio fora das condições climáticas em que está treinado.

"É preciso agasalhar as extremidades, usando luvas, manguitos e gorros e cuidados com a hidratação. Algo que não incomode". No calor, diz o técnico, o atleta deve evitar roupas que grudam e fiquem encharcadas. Tecidos leves com tecnologia especial para corrida (de rápida absorção) são os melhores. "Além de ter um cuidado maior com a hidratação e com meias adequadas para evitar bolhas", diz o treinador de Marilson que estampou todas as páginas de esportes do país quando venceu a Maratona de Nova York, em 2006, num frio médio de 4°C, vestindo gorro, manguitos e luva.

PARA SE DAR BEM NO FRIO

– Tome um café da manhã reforçado.

– Nas provas, faça boa hidratação antes da largada, com água e isotônico.  

– Passe vaselina nos mamilos, na área genital e na parte interna das coxas, para evitar assaduras, mais comuns de aparecerem no frio do que no calor.

– Nos treinos de tiros, intervalados ou ritmo, faça um aquecimento longo e um alongamento bom, pois os músculos e os tendões estão contraídos devido à baixa temperatura.

– Corra bem agasalhado e vá tirando as roupas de frio no decorrer da corrida

– Respeite seus limites, já que a baixa temperatura provoca uma sensação agradável, o que faz o atleta querer ir além da sua condição.

– Ao fim da prova ou treino, troque as roupas molhadas por secas e se agasalhe se sentir necessidade.

– Consuma repositores de carboidrato em líquido ou em gel.

– Para provas/treinos abaixo de 10°c recomenda-se o uso de luvas, mangas compridas e gorro de lã para proteger as extremidades.

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