Não faltam exemplos de pessoas que já viveram situações desagradáveis em treinos ou em provas em que o "bom-senso" de alguém poderia ter prevalecido. Se o simples ato de parar bruscamente numa corrida para amarrar o cadarço do tênis sem se preocupar com quem vem atrás pode ser considerado uma atitude um tanto egoísta, que dirá outras coisas, como jogar o copo de água quase cheio do lado sem saber se vai pegar na pessoa de trás. Quem já não fez isso? Quantas pessoas, na ansiedade de ultrapassar os mais lentos, que muitas vezes até insistem em largar bem à frente, fora do seu ritmo, já não deram um daqueles gritos do tipo "sai" ou simplesmente usaram os braços para empurrar aqueles que fecham o caminho?
Uma coisa é certa: no afã de uma disputa por um melhor tempo ou posição, muitos corredores não conseguem enxergar onde termina o espaço de um e onde começa o do outro. E são exatamente nessas ocasiões em que a boa educação, a cortesia, a delicadeza, a civilidade e o respeito ao próximo simplesmente deixam de existir, dando lugar a atitudes e condutas que ficam muito aquém do espírito esportivo, ou do chamado fair play.
Hoje, principalmente nos grandes centros urbanos, como São Paulo, é mais do que comum ver corredores disputando espaço com caminhantes, ciclistas, automóveis e até ônibus. A Cidade Universitária (USP) e o Parque do Ibirapuera são de longe os locais em que acontecem os maiores problemas, devido também ao grande número de assessorias esportivas concentradas nessas regiões.
Segundo as normas da Associação dos Técnicos de Corrida de São Paulo, a ATC, os treinadores são orientados a seguir condutas de utilização dos parques e locais de treinos, conforme acordado em conversas com os administradores dos locais. "Quando recebemos reclamações de usuários ou dos próprios treinadores com relação ao descumprimento dessas regras, notificamos o treinador responsável via e-mail ou o admoestamos pessoalmente, independentemente de ele fazer parte ou não da ATC", diz o presidente da associação, Nelson Evêncio, que aponta como um dos principais problemas do Ibirapuera os grupos grandes que saem para correr ao mesmo tempo, obstruindo a via e provocando colisões com aqueles que correm em sentido contrário.
EQUIPES IMENSAS, CONGESTIONAMENTO. Na Cidade Universitária, os problemas também são críticos, já que, além de haver uma grande concentração de corredores e caminhantes no local, existem também os ciclistas, que pedalam em grandes blocos e disputam o espaço com os carros e ônibus circulando em velocidade muitas vezes não apropriada.
"Por questões de segurança, o corredor normalmente corre no sentido contrário ao dos carros e ao das bicicletas, mas há muitos que não fazem isso e ainda correm com fones de ouvido, o que normalmente ocasiona atropelamentos", comenta Evêncio.
Ainda que a superlotação das assessorias esportivas e seus grandes grupos de corridas acabem ocupando o topo da lista dos principais problemas a administrar nesses locais públicos, não há como negar que isso é também uma questão do meio cultural. Quem concorda com essa afirmação é Marcos Paulo Reis, que dirige uma das equipes com maior número de integrantes no país, a MPR, e que concentra o grosso dos seus treinos exatamente no Parque do Ibirapuera e na USP, como acontece com a maioria dos técnicos. "Encontramos todos os tipos de pessoas. Tem muita coisa que já vem da própria educação, como jogar o copinho na rua sem antes esperar uma lixeira no seu treino, e por aí vai. Há também aqueles que são extremamente educados e companheiros, para qualquer adversidade, seja num treino ou numa corrida. O que está faltando na verdade é cultivarmos os bons hábitos, que é algo pouco falado", diz Marcos Paulo, que defende a idéia de que os organizadores de prova deveriam fazer um manual técnico, explicando detalhes que podem fazer grande diferença principalmente em competições.
Para o gerente de compras Marcos Cavalcante, de 32 anos, o maior desafio está com aqueles que querem encarar as grandes provas, como São Silvestre ou Maratona de São Paulo. "Como são corridas mais longas, as pessoas costumam correr em grupo para um dar força para o outro. E isso atrapalha", comenta Cavalcante, que treina no período da noite na assessoria esportiva do Adriano Bastos. "Quando você treina numa equipe, já tem essa ‘doutrina' de ser um pouco mais cortês em relação a outras pessoas do que quem corre ‘avulso', principalmente aqueles corredores de final de semana. Quando treinamos em grupo, estamos acostumados a dividir espaço com os caminhantes, os ciclistas, os carros e os ônibus", diz, lembrando que nos treinos sempre existem alguns conflitos, principalmente com as bicicletas, que às vezes passam muito rapidamente e rente aos corredores.
OS EMPURRÕES NA LARGADA. De todos os problemas encontrados nas competições, o que mais irrita o corredor são os conflitos que acontecem no início de prova, principalmente na largada. De um lado, há aqueles que insistem em largar lá na frente, numa baia completamente fora do ritmo que pode imprimir na prova. Do outro lado, há os corredores mais afoitos, que até são prejudicados por aqueles que largam em local não compatível com sua performance. Na hora do tiro, querem a todo custo ultrapassar os mais lentos. "Às vezes o atleta acaba se cadastrando na corrida e coloca que corre a 4:30/km de média, quando na verdade está mais para 6 ou 6:30. E quem está num nível mais intermediário, que quer ir para tempo, acaba sendo prejudicado", diz Cavalcante.
É certo que, no Brasil, são mínimos os eventos que conseguem fazer essa triagem de forma justa, baseada num ranking, colocando nas baias dianteiras pessoas que realmente têm tempos compatíveis na distância para estarem lá. "A maioria das provas que temos aqui apenas indicam o tempo por quilômetro numa placa e cabe ao próprio corredor se posicionar no ritmo compatível com aquilo que pode fazer", comenta a publicitária Maria de Fátima Ferreira dos Anjos, de 42 anos, que se sente prejudicada quando entra numa dessas provas, já que é competitiva na faixa etária. "Acredito que os corredores deveriam ter isso como regra. E isso tem a ver com o respeito ao próximo. Às vezes até temos que abrir mão de um bom aquecimento para poder nos posicionar bem. Todo mundo procura um melhor lugar ao sol e a coisa vira uma bagunça total", diz a corredora.
Além dos atropelos da largada, há muitos outros problemas que atingem os corredores numa prova. Maria de Fátima lembra também das pessoas que insistem em correr em grupo de corredores, bloqueando a passagem dos que vêm de trás. "Às vezes há três ou mais atletas correndo juntos ou em bloco, um do lado do outro, e você quer fazer a ultrapassagem e não consegue." Ou seja, mesmo valendo o tempo líquido, o que já não exige o posicionamento lá na frente para não se perder tempo, acaba-se enfrentando corredores e grupos bem lentos no começo da prova.
Para o empresário Dilson Lima Sucupira, de 46 anos, muitos dos problemas da má conduta do corredor estão concentrados também nos postos de água. "Quando você passa no posto, tem que pegar e continuar correndo para não atrapalhar os outros. Às vezes tem gente que está cansada e segura um pouco mais nos postos de água, o que acaba atrapalhando. Tem também aqueles que bebem a água e jogam depois o copo em cima dos outros. O corredor sério não faz isso. Bebe o que quer e espera o espaço para jogar o copo num canto que não atrapalhe ninguém", comenta o corredor, que diz também se irritar com o desrespeito às mulheres na prova. "Sempre tem aqueles mal-educados que querem falar gracinhas ou palavrões."
MANUAL DE BOA CONDUTA
São vários os problemas que atingem diretamente os corredores quando o assunto é boa educação, principalmente em locais onde a concentração de pessoas é maior. Apesar de ser um problema cultural e que muitas vezes tem a ver com o histórico de vida que as pessoas carregam desde a infância, não custa nada prestar atenção naquilo que você e as pessoas a seu redor estão fazendo. Por isso, ouvimos vários corredores e criamos aqui uma espécie de manual da boa conduta para que cada um faça a sua parte.
EMPURRA-EMPURRA NA SAÍDA: Procure largar na baia ou local compatível com seu nível de performance, mesmo porque as provas costumam fazer a classificação por tempo-líquido, só contado a partir do momento em que se passa o tapete de chip.
CORRENDO EM GRUPO: Se estiver em grupo, procure não formar uma barreira, correndo lado-a-lado no começo. Deixe para se juntarem depois, quando o percurso ficar descongestionado, o que costuma acontecer antes do primeiro quilômetro. Faça isso para não dificultar a passagem dos que vêm de trás.
Atenção nos postos de água: Assim que avistar um posto de água, não precisa cruzar repentinamente a pista em direção a ele. Vá aos poucos para o lado onde fica o posto, preocupando-se sempre com quem estiver atrás. Em geral, os postos são mais extensos do que parecem à primeira vista. Não se desespere querendo pegar água logo na primeira bancada. E se perceber que algum colega de corrida não conseguiu se desvencilhar da multidão para se abastecer, não custa nada fazer a gentileza de pegar um copo a mais.
JOGANDO FORA O COPINHO: Tomou água? Cuidado na hora de jogar o copinho fora. Muitas vezes ele não está totalmente vazio e pode machucar um corredor que vem ao lado ou atrás. Procure espaço e jogue num lugar adequado. Em treinos, segure o copo o tanto quanto possível até avistar uma lixeira. Faça o mesmo com as embalagens de carboidrato e outros.
PARADA REPENTINA: Jamais pare bruscamente. Os ciclistas têm uma regra muito básica entre eles que serviriam muito bem aos corredores. Se quiser parar por algum motivo (amarrar o tênis ou mesmo se não estiver se sentindo bem e quiser andar um pouco), faça um sinal com um dos braços e saia aos poucos de lado, para um local de pouca concentração de pessoas.
ULTRAPASSANDO PESSOAS: Se tiver um grupo de pessoas à sua frente, não tente de forma alguma passar por algum lugar que não tenha espaço, como no meio, por exemplo. Se estiverem prejudicando sua passagem, peça licença e passe cuidadosamente. Se a pessoa à frente estiver usando fone de ouvido, faça tudo com o maior cuidado, tocando gentilmente nas costas ou ombros da pessoa para ela possa lhe dar passagem, sem se assustar.
TANGENCIAR SIM, CORTAR NÃO!: Tudo bem que as regras da corrida mandam tangenciar o percurso, mas subir na calçada ou cortar pela grama é algo completamente absurdo. Não faz parte do percurso da prova.
CORRENDO SEM NÚMERO: Entrar numa prova sem ter feito a inscrição e correr sem número é uma das coisas que mais afrontam os organizadores, além de ser um desrespeito, uma vez que todo o suporte do evento é previamente programado para abastecer a quantidade de inscritos.
CORRENDO COM A INSCRIÇÃO DO OUTRO: Se acontecer de algum atleta não poder participar de uma prova e sobrar uma inscrição na sua mão, antes de pensar em correr, procure os organizadores e veja se existe a possibilidade de trocar o número para seu nome, além de sua faixa etária e sexo. Não existe nada mais desagradável do que um corredor atrapalhar um pódio de faixa etária ou mesmo um pódio feminino, porque não deu devida atenção a esse fato.
SEM DIREITO À MEDALHA. As medalhas são feitas exclusivamente para aqueles que completarem a prova. Se você está inscrito, mas não completou o percurso ou não correu a prova, não entre em conflito com os organizadores para exigir sua medalha. Também não peça para um colega correr com seu chip no bolso ou meia para pegar sua medalha. Afinal, que graça tem ganhar uma medalha sem mérito?
CUIDADOS COM FONES DE OUVIDO: As pessoas que correm ouvindo música têm que redobrar os cuidados sobre o que acontece à sua volta. Hoje, nos Estados Unidos, por questão de segurança, em muitas competições não é permitido o uso dos chamados headphones. Uma ambulância pode ter que passar com rapidez e você não ouvir a sirene ou mesmo as orientações no alto-falante. Isso sem falar que, durante o percurso, é preciso estar atento aos que vêm principalmente de trás. Em treinos, use apenas em locais seguros, como parques. Em trechos abertos ao trânsito, evite ao máximo.
OBJETOS ESTRANHOS NA LARGADA: Jamais jogue coisas na largada no meio da pista, como camisetas, blusas, garrafas de água e outras coisas. As pessoas podem tropeçar.
CUSPARADAS SEM RUMO: Qualquer coisa que você jogue fora quando está correndo pode acertar outra pessoa, devido à ação do vento. Isso vale também para as cusparadas e limpeza do nariz, que muitas vezes tomam rumos que você nem imagina.
CRUZANDO A LINHA DE CHEGADA: Não pare de repente na chegada nem cruze a linha de forma desenfreada, como se existissem mais alguns metros de prova. Preste atenção nas pessoas que estão à frente e tenha todo o cuidado com as pessoas que vêm atrás. Uma vez que tenha cruzado a linha, siga as instruções dos staffs e não fique por ali tumultuando o local. Passe normalmente, seguindo o fluxo, e aguarde seu colega de corrida numa área em que não atrapalhe o andamento da prova.
RESPEITO ÀS MULHERES: Não existe nada mais desagradável do que ter uma prova feminina e se deparar com homens correndo e puxando outras mulheres. Além de ser contra as regras da corrida, já que estão correndo sem número, isso atrapalha o ritmo de prova de quem corre. É o momento especial das mulheres e nada mais justo do que os homens respeitarem isso. O mesmo vale para cantadas, gracinhas e palavras ofensivas em relação ao público feminino.
AJUDA PARA QUEM PRECISA: Se perceber que alguém está passando mal na corrida, ofereça sempre ajuda. Sua assistência pode custar uma vida. Procure um staff da prova para que a pessoa possa ser atendida o mais rápido possível.
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Olá Fernanda!
Concordo com você que temos que ter mais educação e calma com o próximo e acrescento também uma maior necessidade na criação de pequenos parques para cada bairro, devido principalmente a verticalização da população e consequente concentração de pessoas.
Devido ao alto preço dos terrenos, poderiam se criar pequenos parques do porte do Parque Buenos Aires por exemplo, que tem apenas 22.200 para poder descentralizar, dispersar e assim descongestionar os percursos dos grandes parques municipais brasileiros como o Parque do Ibirapuera.
Dois parques na minha região já sofrem com congestionamentos e vários esbarrões de corredores e ou caminhantes, um é o Parque do Piqueri no agora superverticalizado bairro do Tatuapé o outro é o Parque do Ceret no Jd. Anália Franco (pertencente a Vila Formosa).
As pessoas também podem e devem aproveitar para caminhar também no bairro que moram ou trabalham quando vão comprar jornal ou revista numa banca próxima, ir na padaria ou visitar um vizinho do bairro, é um contra censo ser um super caminhante dentro de um parque e um super sedentário fora dele.
Abraços!