Na edição de abril da Contra-relógio, vimos na matéria "Quanto vale sua corrida?" quais as opções que há no mercado brasileiro para uma pessoa que deseja treinar em grupo. Não é necessário se esforçar muito para notar que as assessorias esportivas e as academias ganham cada vez mais esse mercado e fazem do seu negócio um serviço especializado, com opções variadas para todos os gostos e bolsos.
Mas o desejo de fazer parte de uma equipe de corrida não é algo exclusivo de brasileiros. É só viajar para correr pelo mundo afora para perceber que há grupos organizados em várias partes do continente. Mas como será que funcionam essas equipes num país como os Estados Unidos, em que o calendário de corridas é recheado de provas o ano inteiro? Quanto se paga lá fora para ter direito a uma planilha, orientação de uma equipe técnica, suporte nos treinos e em provas e tudo mais que acompanha o "pacote"?
Uma coisa é certa. As assessorias nos moldes do que vemos aqui no Brasil praticamente inexistem lá fora. Há sim técnicos especializados em treinamento de corrida, organizados até em equipes, mas a massa dos corredores vinculados a grupos de corrida concentra-se basicamente nos chamados "running clubs", ou clubes de corrida. Pelo menos na teoria, os benefícios daqueles que participam ativamente desses clubes não diferem muito daquilo que se vê hoje aqui. A maioria oferece planilha de treino direcionada a um objetivo específico, suporte em treinos e corridas, descontos em lojas especializadas e parceiros, camiseta de treino e prova e ainda a possibilidade de aumentar o círculo de amizades graças à série de eventos sociais e participativos realizados numa temporada repleta de competições.
180 MIL CORREDORES! Hoje, cerca de 700 clubes de corrida e 180 mil membros são associados ao Road Runners Club of America (RRCA), associação nacional de clubes, eventos de corrida e corredores, que tem como objetivo principal promover o crescimento da corrida de longa distância no país. Segundo dados da própria organização, que existe desde 1958, cerca um terço desses "running clubs" se concentra mais especificamente em três estados norte-americanos: Nova York, Califórnia e Flórida.
Não dá para falar de clube de corrida nos Estados Unidos e não citar o New York Road Runners (NYRR), que é tão antigo quanto o RRCA e completou no ano passado 50 anos de existência. Tendo como carro-chefe a grande e famosa Maratona de Nova York, o clube nova-iorquino, que tem hoje cerca de 45 mil associados, é sem dúvida o grande responsável pelo "boom" da corrida de rua nos Estados Unidos e no mundo. Mas, apesar da grande quantidade de associados, os corredores juntam-se ao NYRR por motivos que vão além de querer ter uma equipe de corrida.
Segundo Gordon Bakoulis, uma das diretoras do NYRR e técnica responsável pelo Running Divas New York, um running team só para mulheres, os corredores que se associam ao clube de corrida de Nova York (taxa anual de 40 dólares) buscam não só desconto nas inscrições de provas e na grande variedade de programas oferecidos (como clínicas, palestras, programas variados de treino etc), mas também a garantia de poder se qualificar para entrar na concorrida Maratona de Nova York, desde que cumpra alguns outros pré-requisitos.
Como órgão principal do estado de Nova York, o NYRR funciona também como uma espécie de guarda-chuva dos "running clubs" locais (são quase 190 afiliados) e tem o intuito de ajudar a desenvolver a corrida de rua nas comunidades e também a incentivar a competição entre os clubes de corrida nas quase 70 provas organizadas pelo NYRR ao longo do ano. Conforme Gordon, "os corredores que se associam a essas equipes locais o fazem por diversos motivos, como melhorar a saúde e a condição física, ampliar o contato social, ter um acompanhamento técnico, correr melhor, competir e até servir de voluntário para a comunidade da corrida".
E, para participar desses clubes e ter direito a todos os benefícios, as pessoas pagam taxas anuais que variam de 20 a 50 dólares, dependendo do clube. Alguns deles têm até pacotes para dois ou três anos e trazem ainda planos familiares, com descontos progressivos.
"Essas equipes locais variam bastante na programação desses treinos e também no formato. A maioria encontra-se ao menos uma vez por semana para treinos em grupo na pista ou outros locais, como o Central Park", explica Gordon, que orienta um grupo de aproximadamente 35 corredoras. "Para o meu grupo, faço uma planilha de treino a cada semana, mas que pode ser adaptada às necessidades pessoais. São mulheres de vários níveis e faixas etárias, mas todas querem fazer seu melhor nas corridas do NYRR, especialmente na Maratona de Nova York."
NA FLÓRIDA. Outro grande centro desses "running clubs" nos Estados Unidos é a Flórida. São cerca de 50 cadastrados no RRFA. Em Fort Lauderdale, o Greater Fort Laurderdale Road Runners foi fundado em 1972 e atua da mesma forma que os clubes de corrida nova-iorquinos, dando importância principal para desenvolver a corrida de rua nas comunidades locais. Quem quiser se tornar sócio do clube paga uma taxa anual de 50 dólares (com desconto de 50% na renovação), que dá direito a praticamente todos os benefícios, além da possibilidade de participar dos treinos semanais em grupo, realizados em vários locais e divididos por níveis técnicos e objetivos dos participantes.
Além dos treinos organizados ao longo da semana, às quintas-feiras, o clube realiza em conjunto com a loja Running Wild "fun runs" noturnas para corredores e caminhantes, de 3 a 7 milhas, com largada e chegada na loja. Com o objetivo de aumentar ainda mais o convívio social entre os participantes, todos os treinos noturnos recreativos da última quinta-feira do mês terminam numa pizzaria, em que associados não pagam.
Um dos técnicos responsáveis pelos treinamentos é Bob Barnard. Segundo ele, a maioria das pessoas se junta ao grupo para ficar em forma e permanece por causa dessa interação social entre os membros. "Qualquer um pode treinar sozinho, mas é muito mais divertido e recompensador treinar na companhia de outras pessoas. Esse é o lado social que procuramos desenvolver", conta Bob, que faz questão de dizer que os treinos são abertos também a não-associados. "Ninguém precisa ser sócio do clube para correr ou caminhar conosco. Se gostarem daquilo que encontraram no nosso clube, aí sim podem se juntar a nós. Mas não colocamos nenhuma pressão."
O Greater Fort Laurderdale Road Runners oferece aos domingos um treino longo votado como o "The Best Ocean Training Run" do sul da Flórida, que larga às 6h da manhã na A1A, do Deerfield Beach Pavilion. "É muito bonito o percurso e há banheiros e postos de hidratação em praticamente todo o circuito", comenta o técnico. Além de todas essas ações, o clube de Fort Lauderdale é responsável também por organizar os voluntários que trabalham na "finish line" da Maratona de Miami, realizada no final do mês de janeiro. "Esses voluntários são corredores. E tudo que pedimos a eles é que assinem um documento para que saibamos antecipadamente qual o número da camiseta necessitam."
CLUBES DE LOJAS. Muitos dos "running clubs" que atuam na Flórida estão ligados às chamadas "running stores", lojas que vendem artigos para corredores. Uma loja que faz sucesso como clube de corrida na região central da Flórida é a Track Shack, que fica em Orlando e é considerada a 4ª melhor loja de artigos de corrida dos Estados Unidos.
Ao contrário dos clubes de corrida tradicionais, onde na maioria deles se paga uma taxa anual para ter todos os benefícios, inclusive os programas de treinos específicos e a possibilidade de treinar com acompanhamento técnico em grupo, na Track Shack são oferecidos programas específicos de treino, para objetivos variados e duração variada. Quem quiser treinar para uma maratona ou meia-maratona, por exemplo, paga uma taxa de inscrição de 150 dólares (para novos membros) por uma temporada (de 25 semanas) para participar do Marathon Fest Training Program.
Sarah Robertson, além de atuar como gerente de compras da loja, é responsável também pelos treinos noturnos. O programa oferece treinos orientados às terças e quintas (manhã e noite) e também os longos do final de semana. "Às terças, fazemos treinos de pista e às quintas treino de ritmo. Temos também 20 pacers, que são líderes de grupos e se dividem para marcar ritmos nos treinos", comenta Sarah, que diz ter hoje cerca de 600 membros afiliados ao grupo, vinculados a algum programa de treino.
"Qualquer pessoa com mais de 18 anos e que seja capaz de correr ou andar de 6 a 10 km pode se juntar a nós. Temos programações de treinamento feitas sob encomenda para cada objetivo. Nossos corredores recebem descontos, suporte nos treinos longos e algumas vezes até produtos de graça. Além disso, eles têm também a oportunidade de participar de um excelente ambiente de grupo", diz Sarah, que se sente orgulhosa por fazer parte desse programa. "Sou próxima de todos do meu grupo e freqüentemente saimos para comer após as corridas."
EM MIAMI. Em Miami, a FootWorks, além de ser uma das principais lojas de corrida da região, é também um dos "running clubs" mais bem organizados do sul da Flórida. O TeamFootWorks carrega na bagagem uma experiência de quase três décadas. Além de manter um calendário repleto de eventos ao longo do ano, o clube oferece programas variados de treino, conforme objetivo pessoal e nível de perfomance dos participantes. Há desde programas de caminhada visando a participação na Meia-Maratona de Miami, até programas de corrida para iniciantes ou pessoas que queiram treinar para uma maratona ou meia.
Esses programas podem variar de 7 (condicionamento físico) a 25 (maratona) semanas e têm valores diferenciados, com custos entre 80 e 240 dólares para o pacote completo. Além de todo o suporte oferecido nos treinos, os participantes dos programas contam ainda com outros benefícios oferecidos pelo clube, como desconto na loja e em parceiros, possibilidade de participação em clínicas de equipamento de corrida, de musculação e alongamento e nutrição.
EQUIPES DE TREINADORES. Mas quem quiser treinar num grupo de corrida nos Estados Unidos não precisa necessariamente estar ligado a um "running club". Embora não seja a preferência da massa, há equipes comandadas por técnicos que procuram criar entre os corredores a mesma atmosfera de grupo que se vê nos clubes de corrida. É caso da BodyZen, que é um dos exemplos mais bem-sucedidos de treinamento nos Estados Unidos.
O técnico responsável pela equipe é Lee Zohman, que conta com centenas de atletas. E há um "brasileiro", nascido na Argentina, que atua desde julho do ano passado como técnico da equipe. Marcelo Holcberg está há 12 anos em Miami e fez parte do primeiro grupo de técnicos certificados pela USAT nos Estados Unidos, em 1998. Hoje, Marcelo comanda 25 atletas. Mesmo atuando na área, Marcelo afirma que esse conceito de treinamento que é visto no Brasil, com as assessorias dominando o mercado, é uma situação atípica e muito exclusiva, em especial da cidade de São Paulo.
"Aqui o conceito de grupo, principalmente numa cidade como Miami, não funciona muito bem como em outras cidades grandes. Talvez o motivo principal seja porque Miami oferece muitas alternativas em termos de treinamento e segurança. Isso faz com que o indivíduo saia treinando de sua própria casa pelo bairro onde mora, fazendo então com que não exista a necesidade de ter um grupo para treinar", comenta Marcelo, que diz ainda que costuma ver brasileiros correndo por Miami com as camisetas de assessorias brasileiras, como Run Fun, MPR e outros. "As pessoas nem imaginam que tem um brasileiro fazendo o mesmo aqui nos Estados Unidos."
FALTA DO CONVÍVIO SOCIAL
Embora haja muitos brasileiros que participam ativamente desses programas de treino elaborados por esses clubes de corrida dos Estados Unidos e em tese ofereçam as mesmas coisas que um grupo de corrida em terra tupiniquim, há também aqueles que tentaram fazer parte do grupo e não se adaptaram. É o caso do paulista Clayton Rocha, que, antes de ser transferido para trabalhar nos Estados Unidos, chegou a ver de perto o início de crescimento das assessorias esportivas na capital paulista.
Em Miami desde 1999, Clayton tentou por quatro meses e meio fazer parte de um grupo de corrida vinculado a uma loja especializada. "No Brasil, treinei primeiro com a equipe do Pão de Açúcar e depois passei para a Run for Life, nos dois casos sob o comando do técnico Wanderlei de Oliveira. Minha expectativa é que iria encontrar algo até melhor, porque se tratava dos Estados Unidos", lembra Clayton, que diz ter tido um grande surpresa.
Assim que começou a treinar com o grupo, foi natural começar a fazer comparações com o que tinha no Brasil, onde havia uma união muito grande, muita brincadeira nos treinos e uma grande amizade fora das pistas. "Nós nos juntávamos de manhã, fazíamos os treinos, cada um pegava seu carro e ia para sua casa. Fiquei quatro meses e meio ali e conheci cerca de seis pessoas. Os treinos eram muito bons e bem organizados, mas não existia a parte social. Achei que aquilo não servia para mim", conta Clayton. "Sinto falta do grupo que tínhamos em São Paulo. Hoje, quando vou ao Brasil, apareço nos treinos para rever os amigos e é uma alegria muito grande. Sinto que as amizades que fiz ali são para sempre."