O estudo chamado "Foot strike and injury rates in endurance runners" (ou "Pisada e taxas de lesões em corredores de resistência"), já submetido e aceito pelo American College of Sports Medicine (Faculdade Norte-Americana de Medicina Esportiva), e ainda a ser publicado, teve como proposta saber se havia diferença nas taxas de lesões entre corredores que começam a pisada pelo calcanhar ou com a frente dos pés.
Para isso, foram coletadas as características de pisada de corredores de média e longa distância de um time de cross-country da faculdade de Harvard e quantificado seu histórico de lesões, incluindo a incidência de lesões específicas, a severidade de cada ocorrência como sendo leve, moderada ou grave, associado ao volume de treinamento de cada corredor.
Resultado: dos 52 corredores estudados, 36 (59%) começavam a pisada com o calcanhar e 16 (31%) com a frente dos pés. Aproximadamente 74% dos corredores experimentaram lesões moderadas ou graves a cada ano, mas aqueles que pousavam habitualmente com o calcanhar tinham aproximadamente o dobro da taxa de reincidência de lesões por estresse do que aqueles que usavam a frente dos pés para começar a pisada.
A hipótese levantada pelos pesquisadores é de que a ausência de impacto na força reativa durante o início da pisada com a frente dos pés contribui para as taxas menores de lesões desse grupo.
Não é de se admirar que o professor Daniel E. Lieberman esteja nesse estudo. Foi da autoria de seu grupo o trabalho tão falado em janeiro de 2010, "Foot strike patterns and collision forces in habitually barefoot versus shod runners" (ou "Padrões de pisada e forças de colisão em corredores habitualmente descalços versus corredores com tênis") publicado na revista "Nature" e que causou muito barulho, ao questionar a eficiência dos tênis de corrida convencionais, demonstrando que correr descalço causaria menos impacto nos corredores. Esse estudo inclusive foi tema da matéria de capa da Contra-Relógio de março daquele ano ("Correr descalço ou quase: uma tendência?").
Lauter Nogueira, treinador do Rio de Janeiro e colunista eventual da CR, não se surpreendeu com o resultado da pesquisa. "A melhor forma de se correr e despender menos energia é começando a pisada pela frente do pé. De todos os atletas de alto rendimento que treino (que rodam a 3 min/km), apenas um deles usa o calcanhar – e considero uma aberração. Para que esses atletas atinjam o melhor potencial, é necessário realizar todo um trabalho de desconstrução da pisada para aumentar a eficiência e fazer com que eles corram da maneira correta – para isso usamos os exercícios educativos. Já entre os amadores o problema é que o mundo se acostumou a correr usando o calcanhar e mudar isso é difícil", afirmou.
Esse novo trabalho coloca mais lenha na fogueira da discussão sobre qual é a melhor forma de se correr, pois é sabido que para usar a frente dos pés para iniciar a pisada é necessário que isso seja feito logo abaixo do centro de gravidade do corredor – o que é defendido por aqueles que pregam a corrida descalça ou quase. Em 2010, os debates sobre o trabalho de Lieberman giravam em torno da falta de dados de lesões associadas à pisada do corredor, e coube ao próprio professor de Harvard colher essa primeira leva de dados.
O treinador mineiro Marcelo Camargo, que tem no currículo pos-graduações em fisiologia do exercício e treinamento esportivo, é mais cauteloso. "Como o trabalho não foi publicado, não temos acesso a metodologia aplicada e ficam algumas dúvidas. O grupo selecionado de atletas em cross-country já é de antemão um altíssimo grupo de risco à lesões, não só em relação ao treinamento, mas devido aos terrenos irregulares onde ocorrem treinos e provas. Será que atletas que correm em terrenos planos e regulares teriam o mesmo resultado? Se imaginarmos que o artigo nos sugere uma mudança no padrão de corrida, ou seja, ao invés de apoiar primeiramente o calcanhar, passar a pisar com a parte da frente dos pés e depois o calcanhar, estamos sujeitos também um grande risco de lesão, justamente pela modificação da técnica a qual o corpo do corredor está adaptado."
A lição que se pode tirar de toda essa polêmica é que é melhor não mudar o jeito de correr de uma hora para a outra. Antes de qualquer coisa é melhor refletir sobre a pesquisa e o seu dia a dia de corredor. Quem corre no estilo "mata-borrão" (começando a pisada com o calcanhar indo até a ponta dos pés) e nunca se machucou, não há porque modificar sua maneira de correr. Agora, se você se lesiona com facilidade ou sofre com lesões recorrentes, talvez seja hora de tentar mudar. Se decidir fazer isso, faça gradualmente e não tenha pressa, pois nesse caso, a pressa é a amiga da lesão.