Gerou polêmica a publicação da U.S. Preventive Services Task Force – força-tarefa americana formada por especialistas em prevenção com o objetivo de melhorar a saúde da população em geral – no periódico Annals of Internal Medicine no mês passado: após extensa revisão de literatura médica, eles emitiram parecer contrário ao pedido de teste de esteira em check-ups para pessoas sem sintomas de doença cardíaca.
Nesse tipo de exame – bastante conhecido pelos corredores, já que muitos treinadores e médicos recomendam – o paciente é submetido a esforço físico crescente e monitorado. O objetivo é aumentar a demanda metabólica, em especial do coração. Com isso, seria possível detectar problemas como a existência de isquemia no músculo cardíaco, arritmias e aferir a capacidade funcional e condição aeróbica.
Segundo os médicos americanos, no entanto, quem não tem histórico ou sintomas de doenças no coração (como dor no peito) e pessoas com baixo risco de problema cardiovascular (que não apresentem fatores como pressão alta, tabagismo, idade avançada, obesidade e diabetes) não precisam se submeter ao teste de esforço ou a outros exames mais sofisticados.
TECNOLOGIA NÃO É PERFEITA. Na interpretação da força-tarefa, o teste poderia trazer mais problemas do que benefícios para a população com poucas chances de ter doença cardíaca. Isso porque um resultado falso-positivo, que indicasse uma doença inexistente, poderia levar a exames invasivos e tratamentos desnecessários, sem contar o medo e a ansiedade que poderiam impedir a atividade física.
"As pessoas acham que os exames são perfeitos. Mas o teste de esforço na esteira tem baixa sensibilidade e especificidade. De 30% a 40% dos resultados são falso-negativo, o que é uma faixa alta", alerta o médico Armando Norman, membro da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, do Rio de Janeiro.
Ele acredita que se o teste for realizado de forma inadequada, a pessoa corre o risco de ser rotulada como cardíaca e ter sua percepção de saúde alterada. "Ela passa a se sentir doente".
Já na população de risco moderado e alto, o relatório americano afirma que as evidências são insuficientes para apontar os benefícios e danos do exame. Isso significa que o médico deve avaliar cada caso antes de indicar o teste.
CARDIOLOGISTAS REAGEM. No Brasil, a posição da U.S. Preventive Services Task Force foi contestada por vários cardiologistas. A Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é uma das entidades médicas que consideram o teste de esforço preventivo e útil para orientar o parecer do especialista.
Segundo a cardiologista Maria Eliane Campos Magalhães, da SOCERJ, os colegas americanos têm exagerada preocupação com redução de custos. "O teste é pedido em casos específicos, como para adultos entre 40 e 50 anos. Além deles, o exame é indicado para pessoas que têm tendência a desenvolver doenças cardíacas, por causa do histórico da família. Também pode ser exigido para quem deseja iniciar atividade física que exija esforço".
Mas, para não correr riscos de má interpretação nos exames, os especialistas recomendam que sejam realizados por cardiologista com habilitação médica em ecocardiograma e teste ergométrico, emitida pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.
HISTÓRIA DIZ MAIS QUE EXAME. Norman contesta a indicação do teste de esforço para pessoas saudáveis que estão iniciando uma atividade física ou que já fazem academia e correm de forma moderada. "Um bom exame clínico revela bem mais do que um ergométrico. Uma avaliação física adequada, com ausculta cardíaca, e a anamnese bem feita vão delineando o quadro de saúde da pessoa. Sua história deve ser mais valorizada do que testes mecânicos", reforça Norman.
O médico Gustavo Gusso, ex-presidente da SBMFC, concorda que o check-up deva começar com uma boa conversa. Depois, seguir para exames quando necessário. Para ele, a solicitação excessiva de exames pelos médicos e também pelos pacientes durante as consultas definitivamente não seria uma boa conduta. Na rede privada, Gusso compara as solicitações excessivas a um shopping center. "A prática de exames e procedimentos tornou-se algo comercial, feito muitas vezes de maneira desnecessária."
"Vivemos em uma sociedade do medo. Existe uma paranoia no ar, uma busca desenfreada para descobrir doenças, uma verdadeira epidemia de check-up. Isso encarece o sistema de saúde. E pessoas saudáveis podem estar tirando a vez de quem realmente precisa", completa Norman.
Mais do que qualquer exame, portanto, o ideal é passar por uma consulta médica. "Estamos lidando com saúde e qualidade de vida das pessoas. Tem que existir uma avaliação básica. A meus alunos recomendo que passem por uma consulta antes de dar início ao treinamento. Se o médico vai ou não pedir exames, é com ele. Mas acho importante ter uma avaliação responsável e o atestado médico de que está tudo bem", comenta o treinador Marcos Paulo Reis, de São Paulo.